Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘A cobertura jornalística da crise provocada pelas acusações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) entrou, na última semana, em nova fase, esta ainda mais complicada do que a que se estendeu pelas seis semanas anteriores.

Creio que já não haja qualquer dúvida de que vivemos o pior momento político desde o fim da ditadura militar. São visíveis a perplexidade e o mal-estar diante da ininterrupta seqüência de acusações e de indícios de irregularidades e de corrupção.

O quadro ficou ainda mais complicado na semana passada com a expansão das investigações, com as evidências de que o esquema centralizado em Marcos Valério também beneficiou deputados do próprio PT (e não apenas de partidos aliados) e de partidos de oposição (como o PFL e o PSDB) e com os primeiros casos de enriquecimento pessoal.

Os leitores

É interessante como, aos poucos, foi mudando o teor das críticas enviadas pelos leitores ao ombudsman. Durante o mês de junho -e já comentei isso anteriormente-, as queixas diárias eram muitas e quase todas parecidas. Os leitores questionavam, principalmente, o que consideravam perseguição do jornal ao PT e parcialidade por abrigar acusações ainda sem provas e vindas de um deputado que consideravam sem legitimidade.

A idéia de que a imprensa participava de um golpe contra o governo Lula, explicitada pelo professor Wanderley Guilherme dos Santos na coluna que mantém no jornal ‘Valor’, foi adotada pela maioria desses leitores.

Desde o início de julho, no entanto, quando começaram a emergir dos documentos recebidos pela CPI dos Correios evidências de um grande esquema de caixa dois canalizado para o PT e para os partidos aliados, as queixas em relação à cobertura diminuíram e seu teor mudou.

Continuei a receber queixas de leitores que acham que o jornal é contra o PT, mas surgiram duas outras espécies de mensagens: a de leitores que escrevem pedindo mais investigações e sugerindo caminhos para as reportagens e a dos que consideram que o jornal está ajudando a ‘blindar’ o presidente Lula, e que essa proteção não interessa à sociedade.

Não acho que o jornal esteja protegendo o presidente, mas é evidente a cautela com que tem tratado a crise institucional e o papel do presidente. O caso da empresa do filho de Lula que recebeu R$ 5 milhões da Telemar sumiu do jornal.

A oposição

Até sexta-feira, o jornal parecia hesitante na exposição de deputados da oposição que também teriam sido beneficiados pelo esquema de Marcos Valério. A revista ‘Época’ publicou, no domingo passado, reportagem que mostrou que o esquema já funcionava na eleição de 1998 e beneficiou deputados do PSDB e do PP. A revelação, talvez por se referir a uma data remota, não teve repercussão.

Os documentos mais recentes avaliados pela CPI mostraram, na terça, a presença do PSDB e do PFL na movimentação de saques de contas do empresário. O jornal ‘Valor’ registrou numa manchete interna: ‘Saques envolvem PT, base aliada e oposição’, um resumo do tamanho da encrenca em que o caso se transformou. A Folha só publicou a notícia no dia seguinte.

O pior, na minha opinião, foi a edição de sexta, que omite da manchete da capa que o deputado Roberto Brant, que recebeu, em 2004, R$ 150 mil de uma conta da Usiminas, é do PFL: ‘Deputado diz que recebeu da Usiminas via Valério’.

Não considero a omissão da sigla um mero detalhe por uma razão: como todos os casos de saques ocorridos até agora se referiam aos partidos da base aliada e ao PT, era necessária a explicitação. Além disso, por uma questão de isonomia, uma vez que o jornal vem identificando os partidos de todos os envolvidos.

Com a ampliação do número de bancos que quebrarão o sigilo dos envolvidos na CPI dos Correios e o recuo da data de investigação para antes do governo Lula, é bem provável que um número maior de deputados e partidos, da situação e da oposição, se veja envolvido seja em crimes eleitorais, seja em corrupção.

Não acredito que o jornal vá relutar em cobrir tudo o que aparecer. Dois editoriais da semana passada, um na terça (‘Verdades e mentiras’) e outro na sexta (‘Além do PT’) demonstram a disposição do jornal de não preservar nenhum partido ou político.

Nova fase

Como escrevi acima, a cobertura entra em nova fase. E isso acontece por duas razões principais. Primeiro, porque o noticiário dependerá cada vez mais das informações saídas da CPI dos Correios. Até agora tivemos um período em que predominaram as acusações, declarações e depoimentos. Os documentos enviados pelos bancos já estão dando novos rumos às investigações.

A cobertura da Folha na semana passada esteve focada nesses documentos e no acompanhamento das informações originadas nas comissões do Congresso, na Polícia Federal e nos ministérios públicos. É normal que assim seja.

Fiz um levantamento das edições de sábado (dia 16) a sexta (dia 22) e analisei 223 textos publicados pelo jornal relativos à crise. Nesse tanto incluí editoriais, artigos de colaboradores, colunas e infográficos.

Na cobertura jornalística, fiz uma classificação de gêneros pouco ortodoxa com o objetivo de perceber alguns detalhes. Assim, classifiquei de noticiosos 80 textos (36%), os que relatam, alguns poucos com exclusividade, os fatos e dados que surgem das investigações oficiais. As reportagens com investigações próprias foram 15 (7%), o que demonstra as dificuldades que as equipes do jornal estão tendo neste momento.

Acho positivos esses números em comparação com os textos apenas declaratórios (entrevistas, repercussões, discursos), que foram 11. As entrevistas com acusações, o forte da cobertura na primeira fase, praticamente sumiram na semana que passou, foram apenas três e nenhuma relevante. O jornal deu bastante espaço a textos de apoio (memórias, perfis, personagens e informações didáticas), 16, e às versões das pessoas acusadas, o chamado ‘outro lado da notícia’, com 27 textos separados, fora os do ‘outro lado’ embutidos em reportagens.

A cobertura entrou numa outra fase por uma segunda razão. O tamanho da crise institucional mudou de patamar com a discussão aberta, por parte das oposições, de saídas para o caso de envolvimento direto do presidente nos escândalos.

O jornal deu espaço para opiniões nos editoriais (foram seis no período analisado), nas colunas fixas (30) e nos artigos de colaboradores (sete, uma média de um por dia). Essa discussão, no entanto, ainda não está bem contemplada na cobertura jornalística. Ao longo da semana, contei apenas quatro textos com bastidores da crise e três que de alguma maneira a analisavam.

Vejo dois outros problemas na cobertura da Folha. O jornal continua a associar nomes de pessoas ou de empresas ao escândalo sem que haja checagem dos fatos e sem que elas sejam ouvidas. O turbilhão de denúncias não pode servir de desculpa para o afrouxamento da vigilância interna.

As informações estão sendo publicadas soltas. O volume de novidades é grande e é preciso fazer um esforço maior para juntá-las, para mostrar como se encaixam neste quebra-cabeça que já tem milhares de peças e ainda não tem um desenho.

Embora a aceleração da crise e sua imponderabilidade não deixem espaço para muita elaboração, é indispensável que o jornal aproveite este período para melhorar a qualidade do seu jornalismo e para abrir mais espaço para as análises e a discussão política. Qualidade, rigor, equilíbrio e pluralismo.’