Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘A ‘IstoÉ’ produziu, na semana passada, uma edição histórica, para o bem e para o mal.

Sua principal reportagem, ‘Presidente e diretor do BC esconderam da Receita bens no exterior’, derrubou na quarta-feira o diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Augusto de Oliveira Candiota. Estranhamente, no entanto, a capa da revista não foi a reportagem exclusiva, mas um material sobre o Rio de Janeiro com cara de publicidade disfarçada.

O Cristo Redentor, com capacete e ferramentas de operário, gravata e uma pasta de executivo, ilustrou o título ‘Rio trabalhador (apesar da fama em contrário)’. Dentro, foram 19 páginas de textos, sem autoria e sem nenhum vislumbre de senso crítico jornalístico, e duas páginas de anúncios do Sesi (Serviço Social da Indústria) do Rio, que faz parte do Sistema Firjan, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.

O material começa com uma entrevista com a governadora Rosinha Matheus (PMDB), segue com outra com o presidente da Firjan, Eduardo Gouveia Vieira, e trata de demonstrar o ‘vigor econômico’ do Estado. Não há uma referência ao problema da criminalidade, não há uma linha a respeito das mazelas sociais, não há uma menção às empresas que deixaram o Estado.

A edição desse tipo de material laudatório, sem compromisso com o jornalismo, não teria problema se viesse carimbada como produto publicitário e a identificação de quem está pagando. Nesse caso, o cidadão fluminense, ou um sócio da Firjan, poderia se sentir lesado e reclamar, mas a revista e o anunciante estariam sendo honestos com seus leitores. E, nesse caso, jamais seria capa de uma revista de informação.

Procurei a direção da ‘IstoÉ’, a Firjan e o governo do Estado. Queria saber se o material foi pago e por quem.

O secretário estadual de Comunicação Social, Ricardo Bruno, responsável pela aplicação das verbas publicitárias do governo fluminense, informou que o Estado não pagou pelo material da ‘IstoÉ’. ‘Fomos procurados com a informação de que fariam uma radiografia econômica do Rio que inauguraria uma série de radiografias que farão em vários Estados.’

A direção de Redação da ‘IstoÉ’ e a Firjan não quiseram comentar o assunto.

É público, e já tratei desse assunto em algumas colunas, que as empresas de jornalismo vivem grave crise de endividamento. Também é notório que a disputa por anúncios ficou mais acirrada com a chegada de novos veículos e porque o bolo publicitário cresce muito lentamente.

Isso faz com que jornais, rádios, revistas e televisões se empenhem em buscar formas ‘criativas’ de atrair anunciantes. É um período difícil, em que um dos princípios da independência jornalística, o que separa a redação da publicidade, é perigosamente afrontado.

Mas nenhuma crise ou pretexto pode servir de desculpa para o rompimento desse princípio. As empresas jornalísticas, se pretendem manter a credibilidade, devem estar cientes de que os leitores avaliam como se conduzem, principalmente nos períodos mais difíceis.

Princípios de transparência

O problema não ocorre só no Brasil. Nesta semana mesmo, seis organizações mundiais divulgaram simultaneamente, em Londres e Berlim, a Carta sobre Transparência na Mídia, um conjunto de princípios que tem como um dos objetivos ‘pôr fim ao pagamento por cobertura de imprensa’. Um dos princípios já foi consagrado em vários códigos, manuais e convenções, mas não custa reafirmá-lo: ‘Material publicado sob pagamento deve ser claramente identificado como publicidade, patrocínio ou promoção’.

As entidades signatárias são o Instituto Internacional da Imprensa, a Federação Internacional de Jornalistas, a Transparência Internacional, a Aliança Mundial pela Administração de Comunicações e Relações Públicas, o Instituto de Pesquisa e Educação para Relações Públicas e a Associação Internacional de Relações Públicas.

No Brasil, os princípios estão sendo divulgados pela Transparência Brasil (www.transparencia.org.br), que busca o apoio de outras organizações. As informações sobre a carta e as organizações que a subscreveram podem ser encontradas no site da Transparência Internacional (www.transparency.org).

Os princípios:

1 – Material noticioso deve ser publicado como resultado de decisões jornalísticas tomadas por editores e repórteres, e não como resultado de qualquer pagamento, em dinheiro, serviços, produtos ou outras formas de favorecimento.

2 – Material publicado sob pagamento deve ser claramente identificado como publicidade, patrocínio ou promoção.

3 – Nenhum jornalista ou representante de mídia deve jamais sugerir que material jornalístico seja publicado por outro motivo que não seus méritos noticiosos.

4 – Quando amostras ou empréstimos de produtos ou serviços forem necessários para que um jornalista profira opinião objetiva, o tempo de uso deve ser definido com antecedência, e os produtos emprestados devem ser devolvidos posteriormente.

5 – A mídia deve instituir normas escritas quanto à recepção de presentes ou produtos e serviços oferecidos com descontos, e os jornalistas devem ser instruídos a assinar cópias dessas normas. [Tradução de Paulo Migliacci]’

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‘A Folha cobriu mal’, copyright Folha de S. Paulo, 1/8/04

‘A Folha foi mal no principal assunto da semana, o furo da ‘IstoÉ’ que acabou derrubando o diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Augusto Candiota.

A revista começou a circular na sexta-feira, dia 23, com a informação de que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e Candiota ‘esconderam da Receita bens no exterior’. Segundo a revista, os dois são investigados por suspeita de sonegação, omissão fiscal e evasão de divisas.

Na mesma sexta, à noite, Meirelles e Candiota soltaram notas explicativas. No final de semana, diante da repercussão, Meirelles convidou Rodrigo Azevedo para o lugar de Candiota, mas não tornou pública a decisão.

A reportagem da ‘IstoÉ’ tivera, portanto, um efeito imediato dentro do governo.

A Folha ignorou o assunto até terça-feira, quando publicou uma pequena nota, sem destaque e sem novidades: ‘Suspeito de sonegação, Meirelles é investigado’.

Apenas na quinta-feira, quando na véspera se consumara a saída de Candiota, a Folha entrou no caso para valer. Mas aí já tinha sido atropelada pelos fatos. O jornal trouxe uma informação relevante, a de que Rodrigo Azevedo, convidado por Meirelles no domingo, assinou, ainda como economista-chefe do banco CSFB Garantia, o boletim do banco que circulou na segunda-feira que antecipava a saída de Candiota, o que significava o uso de uma informação privilegiada. O banco explicou depois que o boletim fôra redigido antes do convite.

Essas coberturas parecem ter uma lei: quem corre atrasado dificilmente consegue virar o jogo. Anteontem, quando os jornais ainda repercutiam a saída de Candiota, a ‘IstoÉ’ estava nas bancas com novas informações exclusivas e apostava na queda do presidente do BC: ‘Henrique Meirelles, até o fechamento desta edição presidente do Banco Central do Brasil – O que ele não explica’. A outra chamada era igualmente forte: ‘Incrível! Cássio Casseb, presidente do Banco do Brasil, assim como Candiota, mandou dinheiro para fora e não declarou’.

Os jornais tiveram, mais uma vez, de correr atrás.’