Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Daqui a três domingos teremos eleições para as prefeituras. Em São Paulo, as pesquisas indicam, neste momento, uma disputa indefinida entre dois candidatos, a prefeita Marta Suplicy (PT) e o ex-ministro José Serra (PSDB). Atrás dos dois estão Paulo Maluf (PP) e, distante, Luiza Erundina (PSB).

Desde o dia 17 de agosto, com o início do horário eleitoral gratuito, a Folha vem ampliando gradativamente o espaço destinado à cobertura eleitoral. Está fazendo um bom trabalho? Vejo dois problemas sérios: ainda a falta de equilíbrio, aspecto que tratei na coluna de 30 de maio (‘A pressão dos leitores por equilíbrio’), e uma cobertura muito centrada na agenda dos candidatos e nas suas declarações eleitoreiras. Vou tratar inicialmente do segundo ponto e tomar como fonte de análise as edições mais recentes (de sábado, 4, a sexta, 10).

O período pode ser assim sintetizado: muitas aspas e poucas reportagens. Refiro-me a reportagens que possam ajudar o leitor a entender o contexto da campanha, a analisar os problemas da cidade e a julgar as promessas eleitorais. O jornal, e esse não é um mal apenas da Folha, acaba caindo na armadilha dos candidatos, e mantém uma cobertura à base de declarações bobas e de trocas de ofensas.

Foi assim na edição do dia 4. Serra atacou o PT, Maluf atacou o PT e o PSDB, José Genoino, presidente do PT, atacou o governador Geraldo Alckmin, e ficou tudo por isso mesmo, porque nada tinha importância.

Em compensação, o principal fato da semana, e talvez da campanha, o discurso em que Marta, na quarta-feira, disse que a vitória de Serra ameaçará a estabilidade política do país, não foi percebido de imediato pelo jornal. O ‘discurso do medo’, como passou a ser chamado, mais as mudanças simultâneas nos discursos de Maluf e Erundina indicam que a campanha toma novos rumos. Quais e por quê? Até sexta o jornal não tinha decifrado.

Equilíbrio

Mas o problema maior que vejo é o tratamento diferenciado que o jornal dá para os candidatos. A cobertura da administração Marta Suplicy e de sua candidatura é mais crítica e negativa do que a cobertura de seu principal adversário, José Serra.

Não acho que o noticiário eleitoral tenha de ter um equilíbrio perfeito. Aliás, acho isso impossível. A publicação dos fatos não pode estar subordinada a fórmulas matemáticas. O acompanhamento da eleição e da administração exige vigilância crítica, porque estão em jogo recursos públicos e o futuro da cidade. Mas isso não significa que o jornal não deva buscar o máximo de equilíbrio. E acho que isso não vem acontecendo.

Vou recorrer, mais uma vez, ao levantamento quinzenal feito pelo Laboratório Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública) do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). A pesquisa, coordenada pela professora Alessandra Aldé, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pode ser acessada em http://doxa.iuperj.br.

Marta e Serra vêm tendo, na Folha, espaços semelhantes. O desequilíbrio aparece quando a pesquisa classifica as reportagens analisadas como positivas, negativas ou neutras para a imagem do candidato.

Na última quinzena, o noticiário sobre a candidatura petista estava bem dividido, mas com uma predominância de referências desfavoráveis: 36% dos textos analisados eram negativos, 33%, neutros, e 31%, positivos. Na quinzena anterior, 54% havia sido neutro, 26% positivo e 20% negativo. Havia, portanto, um maior equilíbrio. Desde que começou a avaliação, em 29 de abril, em apenas duas quinzenas o noticiário sobre Marta foi mais positivo do que negativo.

A candidatura de Serra teve uma cobertura, no final das contas, mais favorável. Na última quinzena, 39% dos textos sobre ele eram positivos, contra 25% de negativos e 36% de neutros. Na semana anterior, os números foram 22% (positivo), 19% (negativo) e 59% (neutro). Mesmo nas quinzenas em que foram registrados mais reportagens negativas do que positivas, a diferença foi sempre muito pequena (22% negativas contra 19% positivas), com exceção da quinzena entre 22 de julho e 4 de agosto, quando foram registrados 29% negativas e 17% positivas.

Rigor crítico

Mas onde a cobertura da Folha é predominantemente negativa é em relação à administração municipal. Das 51 reportagens publicadas no período e que se referiam à Marta como prefeita, 61% eram negativas, contra 25% neutras e 14% positivas.

Quando escrevi a coluna de 30 de maio, Marta tinha 62% das referências como prefeita negativas. Depois da coluna, por coincidência ou não, esse índice foi baixando até registrar, em meados de junho, antes do início da campanha oficial, mais referências positivas (39%) do que negativas (22%). Mas, a partir de julho, o noticiário voltou a ser esmagadoramente adverso.

A Folha não está sozinha nessa distorção. O mesmo levantamento feito no ‘Estado’, na última quinzena, mostra um quadro ainda mais desequilibrado. Marta, como prefeita, tinha 59% de textos negativos, contra 4% de positivos. Como candidata, 39% de negativos, contra 24% de positivos. E Serra, no mesmo período, tinha 48% de textos positivos contra 13% de negativos. Mas isso não serve de consolo.

Como disse, não acho que o jornal deva aplicar um modelo matemático. É da natureza do jornalismo, e faz parte da tradição da Folha, uma cobertura crítica. O ideal é encontrar o ponto de equilíbrio que permita ao leitor perceber que o jornal está sendo igualmente rigoroso com todos os candidatos e administrações, sem privilégios nem perseguições.’

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‘‘Um pouco além dos números’’, copyright Folha de S. Paulo, 12/9/04

‘Recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, responsável pela cobertura eleitoral, o seguinte texto:

‘Monitoramentos como este do Iuperj, um instituto sério, são importantes porque nos ajudam a aperfeiçoar uma discussão que procuramos fazer diariamente no jornal. Essas medições horizontais, no entanto, apesar de sua validade relativa, têm limites óbvios.

Não revelam, por exemplo, a importância e o impacto de cada reportagem no curso da cobertura. Estou certo de que são da Folha as reportagens mais incômodas para a candidatura tucana até agora. Cito três:

A revelação de que o patrimônio do vice de Serra, Gilberto Kassab, cresceu mais de 300% em quatro anos, parte dos quais como secretário de Pitta; a revelação de que o PSDB assumiu uma dívida de R$ 3,5 milhões deixada por Serra em sua campanha presidencial; e, ainda, a revelação de que o governador Geraldo Alckmin beneficiou municípios tucanos em transferências de verbas voluntárias.

O jornal mostrou, além disso, como o PT e o PSDB camuflam parte do financiamento a seus candidatos, com doações formalmente computadas para os partidos, mas repassadas às campanhas, sem registro disso nos comitês eleitorais. Empreiteiras envolvidas nos CEUs, por exemplo, doaram ao PT R$ 2,5 milhões entre 2002 e 2003.

A análise do ombudsman talvez não considere como deveria o fato de que o PT está no poder em São Paulo. E que faz a campanha mais rica do país’.’