Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘A discussão sobre o futuro dos jornais não pode deixar de lado a importância que eles (ainda) têm no controle e na fiscalização das administrações públicas, principalmente em países com instituições frágeis e sujeitas a assaltos de grupos privados, como os da América Latina.

A Tilac (Transparência Internacional para a América Latina e o Caribe), entidade criada para combater a corrupção na região, e o Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, oferecem anualmente um prêmio para os melhores trabalhos jornalísticos sobre o tema.

O grande vencedor de 2004 foi uma série de reportagens publicadas pelo diário ‘La Nación’, da Costa Rica. A primeira delas saiu em 21 de abril do ano passado e revelava que o presidente da CCSS (Caixa Costarriquenha de Seguro Social) havia ganhado uma casa no valor de US$ 735 mil da Corporación Fischel, representante naquele país da finlandesa Instrumentarium Medko Medical. Em troca, o funcionário havia trabalhado para a aprovação de uma linha de crédito para a compra de equipamentos médicos que beneficiou a empresa finlandesa.

Com o desenrolar da apuração, o jornal descobriu um outro caso, que envolvia a Alcatel, empresa francesa de telecomunicações. Depois de cinco meses de reportagens, o ‘La Nación’ tinha levantado crimes e irregularidades que envolviam três ex-presidentes da Costa Rica.

O caso Finlândia provocou a prisão de 13 pessoas, entre funcionários públicos, executivos da Fischel e um ex-presidente, Rafael Ángel Calderón, acusado de ter recebido US$ 520 mil da companhia finlandesa.

O caso Alcatel atingiu os ex-presidentes Miguel Ángel Rodríguez (sua mulher teria recebido um cheque de US$ 58 mil da empresa francesa) e José María Figueres (acusado de ter recebido US$ 900 mil).

Figueres teve de renunciar ao cargo de diretor-executivo do Fórum Econômico Mundial, com sede em Davos, na Suíça. E Rodríguez, eleito secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), em 7 de junho, renunciou quatro meses depois e foi preso quando desembarcou em San José, a capital do país, no dia 16 de outubro.

A primeira edição do prêmio, referente a trabalhos publicados em 2002, já tinha contemplado uma série de reportagens que envolviam outro figurão. Venceu um jornal da Nicarágua, ‘La Prensa’, que trazia investigações sobre Arnoldo Alemán Lacayo, então presidente do país, acusado de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Alemán foi preso.

Em 2003, o diário ‘El Comercio’, do Equador, publicou provas de corrupção contra um juiz da Suprema Corte e contra magistrados de vários outros tribunais do país e foi o vencedor.

Neste ano, foram inscritos 125 trabalhos de jornais, revistas e emissoras de TV de 19 países. México, Colômbia e Brasil foram os países com mais trabalhos inscritos (23, 22 e 20, respectivamente). O Brasil ficou com dois segundos lugares: uma série de ‘O Globo’, do Rio, sobre enriquecimento ilícito de deputados estaduais e uma reportagem do ‘Fantástico’, da TV Globo, sobre irregularidades no programa Bolsa-Família.

Sempre que se discute a crise da imprensa, aponta-se para a escassez de reportagens investigativas bem feitas, o que é uma verdade. Ainda é muito comum a publicação de acusações mal apuradas e sem comprovação. O resultado de denúncias vazias é a perda de credibilidade.

A análise dos trabalhos inscritos nessa terceira edição do prêmio Transparência/Ipys, do qual participei como jurado, demonstra que, embora haja um esforço de aperfeiçoamento das técnicas de apuração jornalística, ele ainda é insuficiente.

Debilitados por governos corruptos, negligentes ou incompetentes e acossados por grandes grupos econômicos privados, os países latino-americanos necessitam, mais do que nunca, de uma imprensa independente, atenta e bem preparada, coisa que raramente encontram.’

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‘Política externa’, copyright Folha de S. Paulo, 15/5/05.

‘Os jornais brasileiros cobrem bem política externa? A impressão que tenho, a partir da leitura diária, é que também nessa área se repete um problema comum: temos poucos profissionais especializados e experientes. A cobertura é irregular, sem continuidade e superficial.

Quando a agenda exige, como ocorreu nessa semana com a realização da Cúpula América do Sul-Países Árabes, há um esforço evidente de cobertura. Os jornais deslocam profissionais de outras áreas, abrem espaço, procuram a ajuda de especialistas nas universidades e nos centros de estudos. Acabou o evento, o noticiário desaparece.

A Folha fez uma cobertura extensa e equilibrada da cúpula. A preocupação com a diversidade de opiniões e análises ficou evidente na edição de quinta-feira, quando publicou dois textos bastante críticos em relação à política externa do governo Lula (o editorial ‘Cúpula das Arábias’ e a coluna ‘Vontade de potência’, de Demétrio Magnoli), dois outros favoráveis à iniciativa do governo (‘Golaço’, de Eliane Cantanhêde, e ‘Um passo para a frente’, de Janio de Freitas) e dois neutros (‘Surpresa é a surpresa’, de Clóvis Rossi, e ‘Cúpula acaba com perdas e ganhos políticos’, de Igor Gielow).

Em alguns momentos, o jornal caiu na armadilha do noticiário fácil e sem conseqüência (como na volta antecipada de Kirchner à Argentina), mas foi bem ao publicar entrevistas exclusivas com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e com o presidente do Iraque, Jalal Talabani, ao editar a íntegra do documento final do encontro e ao tratar da questão do terrorismo e da repercussão com Israel e a comunidade judaica.

Solicitei ao jornal informações sobre a cobertura de política externa. Reproduzo o texto que recebi do secretário de Redação Vinicius Torres Freire.

‘Política externa é um dos temas nos quais o jornal até que está bem servido em termos de bons repórteres, embora com a atenção mais voltada para a área comercial, hoje a parte central da atividade diplomática.

Clóvis Rossi, o repórter mais experimentado e um dos mais laureados do jornal, cobre a diplomacia comercial. Eliane Cantanhêde acompanha o Itamaraty, embora não seja uma setorista, e as relações do país com a América Latina. Claudia Dianni, ex-correspondente em Buenos Aires, cobre o Itamaraty, com ênfase em comércio.

Cíntia Cardoso, ex-correspondente em Nova York, cobre a diplomacia comercial, em especial questões ligadas à OMC e a acordos comerciais com a Europa e os Estados Unidos. Leila Suwwan, de Brasília, conhece bem a política árabe.

O jornal conta ainda com o trabalho de outros repórteres experimentados em coberturas internacionais, como Claudia Trevisan, ex-correspondente em Buenos Aires e em Pequim, Márcio Senne e Igor Gielow.

A cobertura de Itamaraty não é sistemática no sentido de setorizada. Dadas a quantidade de recursos disponíveis e a progressiva mudança da orientação da pauta (mais investigação, menos ‘aconteceu ontem’), é difícil, quando não temerário, setorizar repórteres.’

A ênfase que o governo Lula tenta dar à presença do Brasil nas relações internacionais exigiria, na minha opinião, uma cobertura sistemática da política externa. Essa é a única maneira de o jornal não ficar dependente de versões oficiais ou de interpretações precipitadas. O problema está, mais uma vez, no que o secretário de Redação chama de ‘quantidade de recursos disponíveis’.’