Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Há dois aspectos da cobertura eleitoral dos jornais que não tratei, por falta de espaço, no balanço que fiz na coluna de domingo passado: o uso das pesquisas eleitorais e o acompanhamento da eleição para a Câmara de Vereadores.

Esta eleição foi marcada pela proliferação de novos institutos de pesquisas e pelo aumento do número de cidades pesquisadas. Foi um fenômeno percebido pelo jornalista Fernando Rodrigues em artigo na Folha (‘As pesquisas’, de 29/09) e pela revista ‘Veja’ (‘Você acredita nas pesquisas?’, edição de 6/10).

Segundo levantamento de Rodrigues, nas eleições de 2000 foram feitas pesquisas em 120 cidades; neste ano, em 147. Ele calcula que agora cobriram cerca de 45% do eleitorado brasileiro.

Deve ter havido muita picaretagem, mas as regras do tribunal eleitoral vêm padronizando os procedimentos que permitem aos eleitores avaliarem a qualidade das pesquisas e a seriedade dos institutos e dos jornais.

A obrigação de publicar a data da pesquisa, o número de eleitores entrevistados, a margem de erro e o registro no TRE é respeitada hoje pelos jornais sérios. Mais pesquisas, mais informações, mais transparência nas eleições.’

Menos pesquisas

A Folha, no entanto, não acompanhou, neste ano, a expansão das pesquisas eleitorais. Ainda por conta da contenção de despesas que se impôs, o jornal, pioneiro no uso intensivo dessa ferramenta de aferição da intenção de voto desde a criação do Datafolha, em 1983, teve de reduzir drasticamente o número de cidades pesquisadas.

Segundo informações do próprio Datafolha, em 2000 foram acompanhadas as eleições municipais em 21 cidades (dez capitais, incluindo São Paulo, e 11 cidades paulistas); neste ano, em apenas duas, São Paulo e Fortaleza.

No primeiro turno de 2000, a Folha publicou 17 rodadas de pesquisas em São Paulo e nove nas demais cidades. Foram feitas boca-de-urna em todas. Neste ano, foram nove rodadas em São Paulo e cinco em Fortaleza.

É evidente que esse enxugamento empobreceu a cobertura nacional do jornal, que procurou compensá-lo usando, acertadamente, os resultados de outros institutos idôneos. Com isso, o leitor teve acesso a um leque grande de pesquisas que, em outras épocas, o jornal evitava publicar, ou publicava sem destaque, por ter seu próprio instituto.

A boca-de-urna

O grande problema provocado pelos cortes de pesquisas do Datafolha ocorreu no final da campanha paulistana. O instituto fez três levantamentos na reta final. No dia 24 de setembro, Marta Suplicy (PT) e José Serra (PSDB) estavam empatados em 35% das intenções de voto; no dia 29, seguiam empatados, com 34%; e na última pesquisa, feita dias 1º e 2 de outubro, sexta e sábado, continuavam em empate técnico, mas Serra tinha oscilado para 37% e Marta continuava com 34%. Traduzidos em votos válidos, equivalia a 40% para Serra e 37% para Marta, com margem de dois pontos percentuais de erro.

Por contenção de despesa, não foi feita a pesquisa de boca-de-urna. Como se sabe, o resultado oficial foi 43,53% para Serra e 35,85% para Marta. A diferença de quase oito pontos percentuais não foi captada por nenhum instituto.

A boca-de-urna não tem hoje a mesma importância que tinha quando a apuração era lentíssima e terminava um ou dois dias depois de abertas as urnas. O resultado da pesquisa era a principal informação dos jornais no dia seguinte ao da eleição. Mas continua importante para complementar as pesquisas de intenção de votos e para alimentar os noticiários de rádios, TVs e sites da internet antes da divulgação do resultado oficial.

Neste ano, em São Paulo, apenas o Ibope pesquisou na boca da urna, e constatou um empate de 40% (com uma margem de 1,7 ponto percentual de erro), que não se confirmou.

O segundo turno

No caso do Datafolha, não dá para dizer que tenha errado, porque sua última pesquisa é do dia 2. Mas não se pode afirmar também, como fez reportagem da Folha publicada dia 4, que o ‘Datafolha detecta onda de crescimento de Serra’. Os dois vinham empatados e o Datafolha só poderia ter detectado e informado a respeito dessa ‘onda de crescimento’ se tivesse feito a boca-de-urna, como admite o diretor do instituto, Mauro Paulino: ‘Não é correto, e considero injusto, imputar à pesquisa um erro que não foi dela. O erro foi não fazer boca-de-urna’.

Em relação aos cortes nas pesquisas, reproduzo seus comentários, feitos a meu pedido: ‘Apesar das limitações, posso dizer que o Datafolha tem pautado o processo eleitoral em São Paulo desde dezembro do ano passado, quando já mostrava a viabilidade eleitoral de Serra. Acho que a diminuição de pesquisas prejudicou enormemente a cobertura eleitoral da Folha, pois os números exclusivos do Datafolha sempre foram um diferencial marcante em relação a outros veículos, e explicitavam a abrangência nacional da cobertura’.

Vamos agora para o segundo turno das eleições. Pela importância do que está em jogo e pela disputa acirrada que se advinha, o ideal é que o Datafolha pesquise até a confirmação dos votos.’



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‘O poder local’, copyright Folha de S. Paulo, 10/10/04

‘As eleições municipais evidenciam, desde sempre, como cobrimos mal, sem continuidade e sem projeto editorial, as Câmaras Municipais e os vereadores. Se os jornais não conseguem cobrir direito as Assembléias Legislativas estaduais, o que dizer das câmaras? No entanto, é nos municípios que as pessoas vivem e têm seus interesses diretos.

A Folha não foge desse padrão de cobertura irregular e sem rumo. A Câmara e seus vereadores são lembrados quando explodem os escândalos. Assim mesmo, as coberturas têm vida curta. Não há uma preocupação em acompanhar as políticas públicas e nem o comportamento e desempenho dos vereadores. Mesmo no período eleitoral eles são relegados, porque a atenção dos jornais está voltada para a disputa pela prefeitura.

Isso tem conserto? É difícil, porque os jornais têm pouco espaço e um leque grande de assuntos para acompanhar. Jornais como a Folha têm compromisso prioritário com a política nacional. Mesmo assim, os jornais deveriam pensar em espaços de informação sobre o trabalho dos vereadores. De tal forma que permita aos leitores chegarem às eleições com algum conhecimento que ajude na decisão do voto.

São Paulo tem duas organizações que monitoram a Câmara dos Vereadores: o Instituto Ágora de Defesa do Eleitor e da Democracia (www.eleitor.org.br), que acaba de publicar o ‘Balanço Legislativo Municipal’ da cidade, e o Movimento Voto Consciente (www.votoconsciente.org.br). Gilberto de Palma é cientista político e diretor do Instituto Ágora.

Ombudsman – Os jornais cobrem bem a eleição municipal?

Gilberto de Palma – Não. Eles se concentram sobremaneira nas eleições majoritárias do Executivo. O Legislativo fica no segundo plano durante todo o período eleitoral. Depois do primeiro turno, aí temos um espaço um pouquinho maior, nos dias seguintes à eleição. E somente para registrar os nomes dos eleitos e suas fotinhas.

Ombudsman – A cobertura é irregular ao longo de toda a legislatura?

Palma – Não há uma cobertura especializada, a não ser no caso de organizações não-governamentais. Apesar da importância da Câmara Municipal de São Paulo, que só perde para a de Nova York em tamanho e orçamento, os jornais só cobrem quando tem escândalo ou algum assunto muito importante.

Ombudsman – Como os jornais poderiam melhorar essa cobertura?

Palma – A imprensa deveria trabalhar num sentido de complementaridade. Há atores novos, como as ONGs. Se elas forem comprovadamente idôneas e explicitarem seus critérios de monitoramento, a imprensa pode se beneficiar desse trabalho. A função da grande imprensa talvez seja a de cobrir o Congresso Nacional. Mas o poder local, aquele que é concreto para o cidadão, não pode ser desprezado. Nós sabemos quanto ganha um jogador de futebol, quanto ganha um apresentador de televisão, mas não sabemos quanto custa um posto de saúde na nossa rua.’