Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Marcelo Beraba

‘O jornalista e romancista Carlos Heitor Cony, colunista da Folha e membro de seu Conselho Editorial, está na berlinda desde junho, quando foi anunciado que ele tem direito a pensão especial e a indenização por ter sido perseguido pelo regime militar (1964-1985).

Não há dúvida de que Cony foi perseguido. Sua casa foi invadida e seus familiares ameaçados em 1964. Ele foi obrigado a deixar o jornal carioca ‘Correio da Manhã’ em 1965 e foi impedido de trabalhar na TV Rio. Refugiou-se durante algum tempo em pseudônimos, teve de deixar o Brasil e foi preso seis vezes.

A lei 10.559, de 13/11/02, garante a Cony e a todos os perseguidos o direito a uma reparação pelos prejuízos físicos e morais que sofreram durante a ditadura.

Com base nos critérios definidos em lei, a Primeira Câmara da Comissão de Anistia julgou que Cony tem direito a uma pensão especial de R$ 23.187,90 por mês (cálculo de quanto ganharia hoje o diretor de Redação de um jornal do porte do ‘Correio da Manhã’), limitada ao teto de R$ 19.115,19 do funcionalismo público federal, e a uma indenização de R$ 1,4 milhão correspondente ao período de outubro de 1998 a junho de 2004, data do julgamento.

Todas essas informações foram noticiadas pela Folha nos dias 22 de junho e 20 de outubro.

Os valores estipulados pela Comissão de Anistia com base nos artigos da lei contrastam com as indenizações aprovadas para os familiares dos mortos pelo regime militar, que recebem, de acordo com outra legislação, um valor máximo de R$ 150 mil.

Essa diferença entre o que pode receber um profissional que sobreviveu à ditadura e outro que morreu, e os altos valores estipulados, provocaram reações fortes e indignação na imprensa. No caso da Folha, muitos leitores questionam o colunista por ter reivindicado o direito e aceitado a indenização, e o jornal, por não tê-lo censurado.

Cartas como esta: ‘Fiquei perplexo ao saber da indenização dada ao jornalista e ainda mais perplexo com a omissão da Folha e de seus colunistas’. Ou esta: ‘A meu ver, se ele combateu o regime de 64, como jornalista, assumiu, espontaneamente, os riscos de verberar contra a ditadura, sabendo que poderia ser demitido’. Ainda: ‘Quero saber quando a Folha vai se posicionar quanto a isso, ou sente-se desconfortável porque o top da lista é seu articulista?’.

Não pretendo fazer um julgamento. Não é função do ombudsman nem me sinto em condições de fazê-lo. Apenas gostaria de tecer algumas observações para reflexão.

‘Injustiça intolerável’

1. Cony e todos os perseguidos têm direito a se habilitar à reparação pelos danos que julgam ter sofrido. Só eles sabem os seus motivos.

2. Não há qualquer fraude ou deslize no encaminhamento de sua reivindicação. Ele trilhou todos os trâmites e cumpriu todas as exigências da lei. Não há nenhuma evidência de que tenha tido qualquer privilégio no julgamento de sua causa e nos termos da decisão da Comissão de Anistia. Não foi ele quem estipulou os valores indenizatórios, mas a comissão, baseada em lei aprovada pelo Congresso por esses mesmos partidos e parlamentares que agora se mostram surpresos e indignados.

3. É evidente que a execução da lei está provocando, pelas carências do país e pelas disparidades entre as indenizações, o que Janio de Freitas chamou de ‘injustiça intolerável’ (Folha, 23 de julho, pág. A5, ‘As indenizações’). Um exemplo: a viúva do operário Manuel Fiel Filho, torturado e assassinado em 1976, recebe uma pensão de R$ 900,00. É um escândalo. Mas não considero que o problema esteja no princípio da lei, que é o da reparação, mas na quantificação estabelecida.

4. Não há dúvida, portanto, de que deve haver uma revisão dos critérios e interpretações que regem a aplicação da lei para que desapareçam as disparidades, que soam como injustiças.

5. Não considero, no entanto, que o jornalista -e outros tantos jornalistas e outros cidadãos que se beneficiaram da mesma lei- tenha cometido desvio ético. Desvio ético e crime cometeram os jornalistas do Rio, em 1995, que fraudaram documentos para se beneficiar indevidamente de pensões especiais. Aquele foi um escândalo que nos envergonha. Agora não estamos diante de uma fraude, ou de um golpe de esperteza, mas de distorções que devem ser corrigidas.

Muitos acham que não deveria haver indenização para os que lutaram contra o regime militar e sofreram as conseqüências dessa luta. Argumentam que era uma luta por ideais e que previa riscos. Admiro quem pensa assim, mas não acho que os que pensam diferentemente devam ser execrados.

6. O comportamento da Folha foi titubeante. Noticiou, como era sua obrigação, a aprovação da indenização concedida a Cony, não omitiu que o jornalista pertence ao seu Conselho Editorial, mas evitou a discussão provocada pelas distorções e disparidades entre as indenizações. Um ou outro colunista tratou do problema sem citar o caso Cony, e o jornal não fez nenhum editorial a respeito, não se pronunciou nem abriu a discussão em sua página de debates. Vaguinaldo Marinheiro, secretário de Redação interino, assim justificou a posição do jornal: ‘A Folha considera que esse é um assunto da pessoa física, Carlos Heitor Cony, com o Estado’.

Erros crassos

Neste momento, a discussão sobre as aposentadorias fugiu da busca de uma solução para o problema, que seria a revisão da lei, e se alimenta do julgamento de Cony. Isso é comum no jornalismo. Ele deveria ter se habilitado ou não à Lei da Anistia? Habilitado, deveria abrir mão ou não da indenização milionária? Ele merece ou não merece a reparação? Ele precisa ou não precisa do dinheiro?

Na minha opinião, dois erros graves estão sendo perpetrados: a manutenção, por parte do governo e do Legislativo, dos critérios falhos de quantificação das reparações e a personificação da discussão na figura de Carlos Heitor Cony. É o caminho mais fácil, mas certamente não é o mais eficaz nem o mais honesto.’

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‘Terrorismo e equivalentes’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04.

‘A Folha publicou no dia 18 entrevista com Farouk Kaddumi, sucessor de Iasser Arafat no Fatah, principal partido político palestino. O título da entrevista, ‘Linha-dura palestino quer poder a radicais’ (caderno Mundo, pág. A14), provocou a reação de alguns leitores, que consideraram que a Folha não tinha sido fiel ao teor das declarações de Kaddumi.

A queixa maior veio do chefe da delegação especial da Palestina no Brasil, Musa Amer Odeh, e a Folha publicou uma carta dele, no dia 19, no Painel do Leitor. Uma das reclamações não é novidade: o embaixador questionava o uso, por parte da Folha, do termo terrorista para definir os grupos palestinos Jihad Islâmico e Hamas.

No pé da carta, uma ‘Nota da Redação’ volta a justificar o uso do termo: ‘Jihad Islâmico e Hamas são grupos terroristas, de acordo com as normas de padronização do ‘Manual da Redação’ da Folha, pois ‘praticam ações violentas contra alvos civis’.

A nota provocou nova onda de cartas. O Painel do Leitor de sábado publicou três delas, uma a favor da posição da Folha e duas contrárias. E no pé das cartas, nova ‘Nota da Redação’, que reproduzo na íntegra, pela sua importância: ‘Na visão da Folha, o atual governo de Israel pratica atos que são equivalentes a terrorismo’.

Fiquei surpreso, porque ainda não tinha visto manifestação semelhante por parte da Folha.

Fiz uma pesquisa, com a ajuda do Banco de Dados do jornal, nas edições dos últimos três anos e não encontrei nenhuma reportagem em que a Folha associasse os termos terrorismo ou terrorista a qualquer ação do governo ou do Exército de Israel na Palestina ou contra palestinos.

É uma orientação, portanto, nova e, até este momento, sem efeito prático.’

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‘Correções’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04.

‘Grafei erroneamente lei de talião na coluna de domingo passado (‘A ira dos leitores’). Escrevi com maiúscula, como se fosse uma referência a um nome próprio. A lei ou pena de talião, segundo o dicionário ‘Aurélio’, é a ‘pena antiga pela qual se vingava o delito, infligindo ao delinqüente o mesmo dano ou mal que ele praticara’. Olho por olho, dente por dente.

Na mesma coluna há um outro erro, e este devo ao ‘Globo’. Fiei-me no texto do jornal do Rio e informei que o assaltante Rafael da Silva Alves tinha sido apresentado, depois de preso pela polícia, com o olho direito inchado. A informação consta tanto do texto do jornal como da legenda de uma das fotos. Leitores atentos me mostraram, no entanto, que na foto publicada o olho atingido era o esquerdo. Consultei o jornal, por achar que a foto poderia ter sido publicada invertida. A foto estava certa, o texto não. ‘O Globo’ errou, e eu também.’