Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Marcelo Beraba

‘A imprensa brasileira é corrupta? Ela pode ser comprada por forças políticas, por grupos econômicos ou pelo poder público?

O chamado cidadão comum, aquele que se dispõe a parar na rua para responder a uma pesquisa, acha que sim. Não tão corrupta como os partidos políticos, a polícia ou as casas legislativas. Mas, tanto quanto outras instituições, a imprensa está bastante sujeita à corrupção.

Essa é a percepção dos brasileiros entrevistados por uma megapesquisa, em 62 países, coordenada e analisada pela Transparência Internacional (www.transparency.org). O resultado foi divulgado na quinta-feira, Dia Internacional contra a Corrupção, e teve pouca repercussão entre nós.

Em uma escala de 1 a 5, em que a nota mais baixa indica lisura e a mais alta muita corrupção, os entrevistados foram instados a avaliar 15 instituições e setores.

No nosso caso, os resultados mostram que os brasileiros são muito desconfiados e acreditam que a corrupção é quase generalizada. Na escala de 1 a 5, os partidos políticos (4,5), a polícia (4,4) e o Legislativo (4,2) ficaram com as piores médias. Esses números indicam que é muito alto o percentual dos que acham que essas instituições estão muito afetadas pela corrupção.

Na outra ponta, entre as instituições mais bem avaliadas, a média também é uma lástima e não justifica nenhuma comemoração. As entidades religiosas e as ONGs tiveram média 3, e as Forças Armadas, 3,4. Entre esses dois extremos mal avaliados está a imprensa brasileira, com 3,6.

Não é a imprensa mais mal avaliada: os peruanos deram 4,2 (ou seja, quase o máximo de sujeição à corrupção), os venezuelanos, 4, e os guatemaltecos, 3,7. Depois vem o Brasil, acompanhado da Costa Rica, da Coréia do Sul e do México.

No conjunto dos 62 países pesquisados, os meios de comunicação tiveram média de 3,3 e ficaram exatamente na metade da escala.

E por que os brasileiros desconfiam assim de seus veículos de comunicação? A pesquisa não responde. Essa é uma questão delicadíssima e difícil de ser tratada com precisão porque faltam elementos.

Não existe uma imprensa brasileira, mas várias. A situação dos grandes diários do Rio e de São Paulo, das revistas semanais e das grandes emissoras é bastante diferente daquela vivida pela imprensa regional e pela imprensa das pequenas cidades, onde jornais e rádios são mais vulneráveis.

Mas a desconfiança hoje parece generalizada -e por duas razões principais. Primeira, a falta de transparência. Raramente a imprensa se expõe e noticia seus próprios podres. Segunda, sua manifesta fragilidade, enfraquecida que está por uma crise financeira que se prolonga.

A avaliação negativa captada pela pesquisa da Transparência Internacional não pode ser tomada como concludente, até porque não esmiuça as motivações dos que responderam ao questionário. Mas é um alerta. Mais um.’

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‘Imprensa e corrupção’, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04.

‘E a imprensa brasileira, ela cobre bem os casos de corrupção das outras instituições? Apelo para nova pesquisa, esta um levantamento feito pela Transparência Brasil para a coluna com base no arquivo ‘Deu no Jornal’, um banco de dados com o noticiário publicado em 66 jornais e revistas de todos os Estados sobre a corrupção e seu combate.

‘Deu no Jornal’ começou a arquivar reportagens em janeiro deste ano e tem um banco com mais de 16 mil notícias disponíveis na internet (www.deunojornal.org.br). É o arquivo mais completo sobre o assunto.

O levantamento feito para a coluna separou as coberturas realizadas pelos três grandes jornais, Folha, ‘Estado’ e ‘Globo’. No período de nove meses (de 15/2 a 15/11), esses três jornais acompanharam 290 assuntos diferentes (4.334 reportagens) a respeito de corrupção, aí incluídas as notícias sobre políticas de combate ao crime. A Folha é o jornal que mais reserva espaço para esse tipo de cobertura. Faz parte de sua tradição. No período, acompanhou 195 assuntos e publicou 1.787 reportagens, uma média de seis a sete reportagens por dia.

Mas o ‘Estado’ e ‘O Globo’ estão muito próximos. O ‘Estado’ acompanhou 177 casos e publicou 1.395 reportagens; e ‘O Globo’, 172 e 1.152.

As coberturas dos três focam principalmente os casos que ocorrem em São Paulo e no Rio, os que envolvem a esfera federal e os que atingem o Poder Executivo (Presidência, governos estaduais e municipais).

Isso significa dizer que esses jornais cobrem mal os escândalos em outros Estados e municípios e que ainda dão pouca atenção para o Poder Judiciário.

O campeão absoluto de interesse foi o caso Waldomiro Diniz, com 523 reportagens (nos três jornais), seguido de longe pela Operação Vampiro (237) e pelo caso Banestado (CPI e investigações da força-tarefa).

E aí se percebe outra falha: são raras as investigações jornalísticas que se iniciam nas empresas privadas. Uma exceção foi o caso Kroll, um dos capítulos do enfrentamento entre a Brasil Telecom e a Telecom Italia.’

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‘Entrevista – A maioria cobre mal a corrupção’, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04.

‘Claudio Weber Abramo é diretor-executivo da Transparência Brasil e coordena o arquivo ‘Deu no Jornal’.

Ombudsman – Muitos leitores reclamam do excesso de reportagens com denúncias de corrupção. Dizem que parece que todo mundo é corrupto. Há excesso?

Claudio Weber Abramo – Não creio que haja excesso de cobertura. Na verdade, o que o levantamento do ‘Deu no Jornal’ mostra é o contrário: a maioria dos 62 jornais brasileiros acompanhados cobre corrupção muito mal, pouco freqüentemente e com pouca constância. Os jornais que cobrem o tema com regularidade -que são a Folha, o ‘Estado’, ‘O Globo’, os veículos dos Diários Associados e alguns poucos outros- reagem à importância que o público confere ao tema. Em todo levantamento de opinião que se faz, a corrupção aparece entre os primeiros lugares na pauta de preocupações das pessoas. Os jornais que cobrem pouco a corrupção erram por não atenderem às expectativas de seus públicos.

Ombudsman – Os jornais têm alguma influência na inibição da corrupção?

Abramo – Sim, indiretamente. Ao apresentar os assuntos ao público e aos formadores de opinião, a imprensa estimula reações e cobranças. Caso os temas não fossem cobertos pela imprensa, não haveria tal reação, e os agentes públicos não seriam pressionados. Quanto aos jornais cumprirem bem esse papel, não o fazem uniformemente. Há Estados em que as oligarquias locais dominam tudo, da política à imprensa. Nesses casos, a imprensa não é independente e funciona como sustentadora dos interesses dessas oligarquias. Já os jornais com influência nacional e as revistas semanais cumprem um papel importante.’

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‘Luís Nassif’, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04.

‘Os leitores de Luís Nassif no caderno Dinheiro tiveram duas surpresas no domingo passado. Primeiro, seu texto era sobre economia. Segundo, anunciava que a partir de então só escreveria sobre economia.

Desde 1997 a coluna dominical fugia dos temas áridos da semana e se transformava numa crônica de memórias. Dessa experiência surgiu um livro, ‘O menino de São Benedito’ (Editora Senac), e um grande número de leitores que se acostumaram às suas histórias dominicais.

O anúncio da mudança veio no pé da própria coluna: ‘Por inadequação com os temas econômicos do caderno Dinheiro, a coluna de domingo deixa de abordar temas ligados à música, à memorialística e à história’.

Recebi dezenas de mensagens lamentando a decisão. Alguns leitores sugeriam que o jornal transferisse a crônica para outro caderno, como a Ilustrada ou Cotidiano. Enviei, como sempre faço, os apelos e sugestões para a Direção da Redação e recebi do secretário interino de Redação Vaguinaldo Marinheiro a seguinte explicação: ‘O jornal avalia que textos sobre música ou memórias do colunista destoavam dos temas do caderno Dinheiro. Ao mesmo tempo, considera que o leitor de domingo estava sendo privado de artigos do Nassif sobre economia, que é a sua grande especialidade’.’