Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Folha, ‘Estado de S.Paulo’ e ‘O Globo’, os três jornais que disputam mercado e influência nacional, deram o mesmo destaque, na edição de quarta-feira, às acusações de um doleiro preso e condenado a 25 anos de prisão por evasão de divisas. As manchetes eram parecidas: ‘Doleiro diz que trabalhou para petistas’ (Folha), ‘Doleiro diz ter provas de que PT mandou dinheiro ao exterior’ (‘Estado’) e ‘Doleiro preso diz à CPI que atendia a dirigentes do PT’ (‘O Globo’).

As acusações, que já no dia seguinte estavam perdidas no meio da avalanche de novas confissões e delações, atingiam o PT, um ministro de Estado, o presidente do Banco Central e personagens que já vinham arrolados na crise. O preso não apresentou provas, mas garantiu que as revelaria em troca de uma revisão de pena.

O episódio tem um detalhe importante. O doleiro foi ouvido por parlamentares da CPI dos Correios e por procuradores federais. A imprensa tomou conhecimento das acusações por intermédio dos deputados e senadores.

Alguns leitores escreveram com questionamentos que endosso. Os jornais não foram precipitados e, portanto, levianos, ao aceitarem as acusações sem provas de um condenado? Nesse caso, em que o preso foi investigado, indiciado, julgado e condenado, era possível o Ministério Público e a CPI avaliarem nos autos, antes de divulgar as acusações, se o doleiro tinha condições realmente de apresentar as provas que promete.

Os jornais

Imagino que as direções das Redações devam ter discutido se deveriam publicar as acusações sem provas e se deveriam dá-las como manchetes. Encaminhei o questionamento para as direções dos três jornais e obtive respostas da Folha e de ‘O Globo’.

Vaguinaldo Marinheiro, secretário de Redação de Edição interino, explicou que ‘foi muito difícil’ a discussão interna na Folha. ‘A questão era esta: por que dar na manchete do jornal declarações de um criminoso que negocia com a CPI vantagens para revelar o que supostamente sabe? Os argumentos pró-manchete foram os seguintes: 1. Os membros da CPI, ao viajarem a São Paulo para ouvir Toninho da Barcelona, deram credibilidade ao acusador; 2. O depoimento, pelo aparato policial envolvido e pela atenção que despertou, foi o evento mais relevante do dia; 3. Os dados ainda obscuros do envolvimento do doleiro com petistas desde a CPI do Banestado fazem com que seus pronunciamentos sejam notícia; 4. Personagens da crise, como Duda Mendonça e Marcos Valério, relataram o uso de contas no exterior. As movimentações dessas contas tiveram a participação de doleiros. Toninho da Barcelona era considerado o maior doleiro do país, logo deve ter algo a informar sobre o caso’.

Rodolfo Fernandes, diretor de Redação de ‘O Globo’, acrescenta outro argumento: ‘É incômodo um processo em que doleiros e prostitutas viram personagens, acho que isso não é bom para o país, para a política e para a imprensa. Mas, quando 16 parlamentares, inclusive do próprio PT, voam de Brasília para ouvir um doleiro, em operação de enormes dimensões, e saem de lá dizendo que os fatos revelados por ele são consistentes, isso torna inevitável que a imprensa o divulgue. Acho que o caso do doleiro pode ter sido um excesso da CPI -mas, diante do retrospecto dos últimos três meses, será que daqui a alguns dias poderemos ainda ter essa impressão?’.

As responsabilidades

O que leva os jornais a agir assim mesmo diante das dúvidas que admitem ter tido? Acho que são dois fatores principais. Um, histórico: o medo de ser ‘furado’ pelos concorrentes, ou seja, de deixar de publicar uma informação que sabe que os outros têm. O outro, circunstancial. Houve, nesta cobertura, uma inversão no questionamento que deve presidir as decisões jornalísticas. A pergunta ‘e se tudo for mentira?’ foi substituída por outra: ‘e se tudo for verdade?’.

Este último ponto é importantíssimo para entender o comportamento da imprensa no escândalo do ‘mensalão’. O que vem norteando a cobertura e, de uma certa forma, o próprio entendimento da população é a idéia de que, neste caso, tudo é possível.

Várias acusações sem provas foram confirmadas, as negativas e os desmentidos veementes foram desmascarados, e versões e versões vêm sendo refeitas diariamente. Isso faz com que qualquer nova acusação, por mais estranha que pareça, tenha crédito.

Isso não livra os jornais de responsabilidade. No caso da manchete de quarta-feira, os próprios diários perceberam que se excederam, mas nenhum foi capaz de admiti-lo francamente. Preferiram transferir o ônus para os parlamentares que divulgaram as acusações. Várias notas foram publicadas nos dias seguintes com esse teor.

O editorial ‘Norma’, publicado pelo ‘Globo’ na quinta-feira, revela a postura dos jornais de eximir-se de culpa: ‘As comissões parlamentares de inquérito devem investigar e buscar a melhor informação possível seja onde for. Mesmo junto a doleiros. Mas há cuidados óbvios a tomar com certos tipos de depoimentos. Há provas testemunhais de que nada valem diante da qualificação do depoente. Nesse caso, o julgamento de reputações só pode ser feito mediante a apresentação de provas documentais, e muito bem checadas’.

Poderíamos dizer que a norma deveria valer para a imprensa. O fato de as acusações terem sido transmitidas por parlamentares não altera a responsabilidade dos jornais.’

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‘O caso do cabeleireiro’, copyright Folha de S. Paulo, 21/8/05.

‘A Folha tem publicado várias notas cifradas. São notícias sem fonte identificada e sem provas que apenas insinuam. Algumas são bobagens, outras beiram a irresponsabilidade.

O jornal publicou na terça-feira, na coluna de Mônica Bergamo, a nota ‘Escova’, que reproduzo: ‘Longe dos flashes desde que a crise do ‘mensalão’ eclodiu, a primeira-dama, Marisa Letícia, sumiu também de seu salão preferido: o Studio W, de Wanderley Nunes, em SP. Quando conseguia convencer o cabeleireiro a deixá-la pagar pelos serviços, de até R$ 3.000, a conta de dona Marisa era quitada com cartão de crédito. Não o seu’.

Quem pagava as despesas da primeira-dama? Em qualquer outra ocasião, a informação passaria como uma nota inconseqüente, mas não agora, quando estão sendo investigados o uso de caixa dois pelo PT e o uso dos cartões de crédito corporativos da Presidência da República.

O jornal publicou, no dia seguinte, o desmentido assinado por André Singer, secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência da República: ‘A Secretaria de Imprensa e porta-voz da Presidência da República desmente categoricamente a informação, leviana, publicada ontem na Folha de que a primeira-dama, Marisa Letícia Lula da Silva, tenha quitado qualquer conta com cartão de crédito de que não fosse a titular’.

Era de esperar que o jornal se manifestasse. Se a nota estava correta, deveria reafirmá-la. De preferência, apontando o dono do cartão de crédito que pagava a conta. Se a nota estava realmente errada, o certo era admitir o erro e publicar uma correção. O jornal preferiu o silêncio.

Há um outro problema na nota. Segundo a revista ‘Quem’, da Editora Globo, a primeira-dama não sumiu do salão. Pelo menos, é o que informa a nota ‘Pit stop’ da penúltima edição: ‘De passagem por São Paulo, na quarta-feira, 3, a primeira-dama, Marisa Letícia Lula da Silva, aproveitou para cuidar do visual. Fez um pit stop no novo salão de seu fiel escudeiro Wanderley Nunes, o W Iguatemi, recém-inaugurado na capital paulista. Ela chegou com um buquê de flores para o amigo e ficou algumas horas no local para fazer hidratação, corte e cor. Logo na seqüência, voltou para Brasília, que, como todo mundo sabe, está pegando fogo nas últimas semanas. ‘Eu não cobro o corte de cabelo de apenas dez pessoas, e a Marisa é uma delas. Não cobro, primeiro, porque isso ficará na minha história, e, segundo, porque somos muito amigos. Eu freqüento a casa dela e ela a minha. Conversamos sobre tudo, menos política’, conta Wanderley’.

E agora? Sumiu ou não sumiu? Pagou com cartão de crédito de outro ou nunca pagou o cabeleireiro? Imagino que a Folha ainda vá esclarecer esse caso.’