Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Na semana em que começou a funcionar a CPI dos Correios e seguiam com seus trabalhos o Conselho de Ética e a Corregedoria da Câmara, a notícia mais importante sobre a delegacia de polícia em que se transformou o país veio do jornalista Elio Gaspari.

Na sua coluna de quarta-feira, ‘Ser direito dá cadeia’, Gaspari relata o drama do engenheiro Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), preso no último dia 2 na Operação Curupira da Polícia Federal com outras 92 pessoas acusadas de integrar esquemas criminosos de desmatamento e extração de madeira.

Hummel foi levado algemado de Brasília para a prisão em Cuiabá (MT), onde ficou preso por cinco dias. Foi solto porque nem a Polícia Federal nem a Procuradoria da República tinham acusações contra ele e não podiam indiciá-lo.

Sua prisão teve grande repercussão pela quantidade de gente presa, pelo tipo de crime que envolvia e porque alguns dos presos tinham cargos públicos importantes, como Hummel.

A prisão foi amplamente noticiada, mas a libertação por falta de prova e acusação foi ignorada pela imprensa. A desgraça do engenheiro Hummel só ficou pública duas semanas depois de ter sido solto e graças à coluna de Gaspari na Folha e no ‘Globo’.

A Folha teve o cuidado de colocar um extrato do texto do jornalista na primeira página, ‘Prisão de diretor do Ibama ensina que ser direito pode dar cadeia’. No dia seguinte, fez uma reportagem (‘Diretor do Ibama diz que processará Procuradoria’) e uma entrevista com o engenheiro (‘Prisão é ferida difícil de cicatrizar, diz Hummel’).

Ouvido, o procurador da República em Cuiabá Márcio Lúcio Avelar disse que a falta de provas não significa absolvição. Deve estar certo. Mas o fato concreto é que não havia nada contra o engenheiro.

Esse episódio, como lembra Elio Gaspari no início do seu artigo, ‘deve levar os procuradores do Ministério Público e a imprensa a refletir sobre seus papéis na defesa da lei e dos direitos dos cidadãos’.

Tem razão. É uma defesa, no entanto, difícil porque a reclamação histórica no país sempre foi em relação à impunidade. As prisões em massa que estão sendo feitas satisfazem momentaneamente a ânsia por Justiça.

Neste momento, as páginas dos jornais estão repletas de acusações que estão sendo investigadas e poderão ser comprovadas ou não. Envolvem políticos, funcionários públicos, empresários, pessoas comuns, empresas públicas e privadas. É difícil nessas horas distinguir criminosos de inocentes. E é por essa razão que a imprensa deve ter cuidados redobrados nas reportagens que publica.

A notícia da prisão de Hummel pela PF não podia deixar de ser dada e, se houve erro, foi da polícia e do Ministério Público. Mas a imprensa tem a obrigação de acompanhar os casos que noticia para que possa manter o leitor informado, principalmente quando descobre que um acusado é inocente. Neste caso, deve dar publicidade imediatamente. É o caminho mais honesto para ajudar a reparar uma injustiça.

A imprensa cumpre seu papel quando fiscaliza e investiga com rigor. E cresce em credibilidade quando se corrige.’

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‘Entrevista – Os jornais e a opinião pública’, copyright Folha de S. Paulo, 26/6/05.

‘O historiador José Murilo de Carvalho é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor, entre outros livros, de ‘Cidadania no Brasil – O Longo Caminho’ (Editora Civilização Brasileira). Perguntei-lhe se a imprensa escrita está cumprindo seu papel no acompanhamento desta crise política e como avalia a importância dos jornais na formação da opinião pública.

‘Em primeiro lugar, existe algo que a gente não leva em conta ao falar de jornais: como se calcula o número de leitores? O cálculo não pode ser feito apenas pela quantidade de assinaturas e pelas compras em bancas. Basta ficar perto de uma banca durante um tempo e observar. Eu diria que a manchete e a primeira página dos jornais são lidas por umas 40 pessoas ou mais num dia. Há um impacto ainda grande e difícil de medir.

O outro ponto [a favor dos jornais] são os articulistas e as páginas de opinião. Apesar da internet e da TV, eu diria que é aí que a classe média faz a sua cabeça. Não é apenas a notícia em si mas a reflexão sobre a notícia, a análise sobre a política. E isso a televisão não faz. Nesse sentido, não vejo perda de importância dos jornais.

Uma das coisas positivas hoje no Brasil é esta: está se formando, talvez pela primeira vez, uma opinião pública nacional. Acho que, em boa parte, essa formação vem pela televisão, mas no que se refere aos formadores de opinião, eles ainda estão nos jornais. Diante do fracasso do sistema representativo entre nós, creio que esteja havendo cada vez mais um impacto direto da opinião pública sobre a política e sobre os políticos. E isso se dá pela mídia em geral, inclusive pelos jornais, sobretudo pelos articulistas.

A médio prazo, o papel do jornal, sua natureza, vai ter de ser refeito. Não sei se isso já está acontecendo na Europa. Creio não ter chegado essa hora entre nós. No momento, diria que a imprensa tem um papel importante e não diria que está falhando. Acho que cumpre com razoável adequação esse papel.’’

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‘Um retrocesso’, copyright Folha de S. Paulo, 26/6/05.

‘Jornalistas e jornais correm contra o tempo. Estão acostumados, mas trabalham melhor quando têm a chance de tratar com calma os assuntos mais complexos.

E poucos assuntos são tão complexos quanto as pesquisas que o IBGE solta numa média de duas por semana. Algumas delas, como o Censo, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a Síntese de Indicadores Sociais e a Pesquisa de Orçamento Familiar são imensas, impossíveis de serem lidas, analisadas e sintetizadas no formato jornalístico em apenas poucas horas.

A pressa, nesses casos, resulta não apenas em erros mas também no aproveitamento deficiente e superficial de documentos repletos de dados que podem ajudar a entender as transformações demográficas, sociais e econômicas que o país experimenta.

Uma deficiência antiga das redações é o pouco preparo que têm para interpretar os fenômenos que se escondem por trás das estatísticas e dos indicadores.

Por essas razões, desde o advento da divulgação dos dados colhidos pelo Censo 2000, o IBGE mudou sua política de relacionamento com a imprensa. Primeiro, passou a distribuir os resultados de suas pesquisas com antecedência, sob o compromisso assumido pelos meios de só publicá-los no dia e na hora definidos pelo instituto (política de embargo). Depois, colocou seus técnicos e pesquisadores à disposição dos jornalistas.

No caso dos jornais, essa política teve três conseqüências importantes: obrigou-os a especializar jornalistas na leitura e na compreensão das pesquisas (através de cursos dados pelo IBGE e em seminários próprios); diminuiu os erros de interpretação; e permitiu que os jornais mudassem o jeito como divulgavam os resultados. A fórmula batida de copiar números e relatórios foi substituída por reportagens com personagens, vida real e análises críticas dos fenômenos e tendências.

Ganharam os jornalistas, os jornais e os leitores.

Mas, por decisão do Ministério do Planejamento, o IBGE está impedido, desde quarta-feira, de antecipar os resultados de suas pesquisas para a imprensa. Dessa forma, o ministério imagina estar obedecendo a uma decisão da Justiça que derrubou a obrigatoriedade de o IBGE encaminhar suas pesquisas para o conhecimento do governo 48 horas antes de torná-las públicas.

A proibição é um retrocesso sem justificativa racional e deve afetar a qualidade do trabalho jornalístico e o aproveitamento das pesquisas. É um erro e todos perdem.’