Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Marcelo Beraba

‘Os jornais estão cobrindo o conturbado cenário nacional com o foco em dois aspectos: as acusações de corrupção, bem como as investigações que elas suscitam, e a crise política do governo Lula.

Cobrem bem? Caminham com dificuldades naturais na investigação jornalística (sempre difícil quando se trata de corrupção), dependem quase completamente das doses regulares de acusações administradas pelo deputado Roberto Jefferson e pecam, seriamente, na minha opinião, quando relutam em abrir espaço para as versões dos acusados.

Tratei disso na Crítica Interna de quinta-feira. É inexplicável que a Folha, tendo feito a terceira entrevista com Jefferson na noite de terça-feira para publicá-la na edição de quinta, não se tenha disposto, na quarta, a checar algumas informações passadas com tantos detalhes e a ouvir os deputados e funcionários do governo envolvidos nas novas denúncias sobre Furnas. Seguramente não faltaram tempo nem equipe para esse trabalho de checagem e para as entrevistas.

Esses procedimentos deveriam fazer parte da rotina do jornal e, nesta altura da cobertura, não vejo argumentos que possam justificar esquecê-los. A exposição destacada das várias versões para os casos que ainda estão obscuros é um direito dos acusados e dos leitores.

O terceiro aspecto

Há, entretanto, um terceiro aspecto desta crise que tem sido mal trabalhado ou, simplesmente, deixado de lado, que é a avaliação da sua origem e das suas raízes institucionais, assim como o debate que a busca de saídas para a governabilidade e a transparência engendra.

O papel dos jornais estará completo quando, além de relatarem e investigarem, se dispuserem a abrir suas páginas para o debate regular sobre o futuro do modelo político que estamos construindo. Não é um debate acadêmico, embora assim pareça por estar hoje restrito aos colunistas, aos articulistas e às edições especiais de fim de semana.

O Congresso está prestes a aprovar o que vem sendo chamado de reforma política, que abrange quatro pontos: fidelidade partidária, lista fechada de candidatos, cláusula de barreira para limitar o número de partidos e financiamento público de campanhas.

Não há consenso sobre esses assuntos. Há, no entanto, uma impressão generalizada entre os que acompanham a cena política brasileira de que esses pontos não resolverão os problemas de governabilidade e, menos ainda, os de corrupção e de impunidade.

A Folha já deu a sua opinião sobre a reforma que está para ser aprovada. O título do editorial do domingo, dia 26, resume o que o jornal defende: ‘Reforma equivocada’. Isso não significa, no entanto, que o jornal deva relegar o debate. Ao contrário. Esta é a hora de abrir suas páginas para um debate sistemático, aprofundado e, principalmente, pluralista sobre o país.

A discussão está restrita, até agora, aos artigos de sábado publicados na seção ‘Tendências/ Debates’, às ‘Entrevistas da 2ª’ e, esporadicamente, ao caderno Mais! (como foi no domingo passado) ou a algum debate especial em Brasil. É pouco, porque não abarca o conjunto de problemas que está em jogo nem a diversidade de diagnósticos, análises e sugestões disponíveis.

Não me refiro apenas a dar espaço às opiniões dos especialistas e dos políticos, mas a contemplar os movimentos e organizações sociais e a trazer o cidadão comum, o leitor do jornal, para a discussão. A decepção com a política e com os políticos não é uma novidade entre nós. Mas não há dúvida de que a frustração e o ceticismo aumentaram com os últimos escândalos. A sensação de que está tudo errado e de que nada dá certo transforma-se rapidamente na certeza de que não há solução.

Os meios de comunicação têm a obrigação de investigar com rigor e de cobrir com lupa os bastidores da crise, mas esses deveres não devem servir de pretexto para deixar em branco o espaço do debate e das idéias.’

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‘Os erros da Folha’, copyright Folha de S. Paulo, 3/7/05.

‘Duas notícias boas a respeito da Folha: ela está corrigindo mais os seus erros de informação e vem fazendo isso com mais rapidez. A comparação entre o primeiro semestre deste ano com o do ano passado mostra um crescimento de 4% dos erros corrigidos. Foram 555 e agora chegaram a 576. Uma média de 96 correções por mês, três por dia.

Não é bom que a Folha erre mais, mas é ótimo que aumente o número de erros corrigidos. É certo que comete mais erros do que esses que corrige, mas a disposição de reconhecê-los é sinal de respeito ao leitor e às fontes.

Não basta, porém, reconhecer os erros. É necessário que sejam corrigidos o mais rapidamente possível para que as suas conseqüências sejam minimizadas.

No primeiro semestre do ano passado, o jornal levou uma média de nove dias para editar a correção. Houve um esforço para diminuir essa marca no segundo semestre, tanto que a média de 2004 caiu para oito dias, como registrei em 2 de janeiro. No primeiro semestre, o índice caiu ainda mais, para sete dias.

Mas ainda é muito tempo. Existem editorias diárias que levam em média 12 dias para reconhecer uma incorreção. É o caso de Cotidiano. A editoria baixou drasticamente as correções (de 93 para 75) e aumentou o tempo que leva para publicá-las.

A capa do jornal, a parte mais nobre da edição, corrige um erro por semana e leva uma média de três dias para reconhecê-lo.

Papa e ‘mensalão’

Para ilustrar os tipos de erro detectados pela Folha no primeiro semestre escolhi dois temas.

O primeiro foi a agonia, morte e substituição de João Paulo 2º. O jornal não tem uma cobertura sistemática de religiões nem conta com repórteres especializados no tema. Por isso, como provam os erros cometidos, conhece pouco a Igreja Católica.

Contei 29 erros relativos ao catolicismo e à igreja, 24 dos quais cometidos ao longo da cobertura do papa. Um foi realmente grave e não tem a ver com conhecimento especializado: o jornal informou, na manchete de sua primeira página de 2 de abril, que ‘João Paulo 2º piora e perde consciência’, quando ele não havia perdido a consciência. O erro foi corrigido no dia seguinte.

Uma boa parte das correções (dez) se referiram a idades e funções erradas de cardeais. Mas o jornal também cometeu erros relativos aos termos próprios da igreja e a detalhes de seus ritos. Também na primeira página denominou consistório, que é a reunião de cardeais presidida pelo papa, o conclave que elegeria o novo pontífice.

Outro foco de erros encontrei na cobertura do ‘mensalão’. Contei 28 correções, nove das quais de partidos ou de funções de deputados e senadores.

No depoimento que prestou na quinta-feira, o deputado Roberto Jefferson ironizou um veículo que, erroneamente, chamara várias vezes o ex-chefe de departamento dos Correios Maurício Marinho de diretor. A Folha cometeu o mesmo erro três vezes.

Pelo menos dois erros podem ser considerados graves: no dia 15, informou que as reuniões que ocorreriam na sala reservada no Palácio do Planalto a Sílvio Pereira tratavam do suposto ‘mensalão’, quando na entrevista que dera à Folha o deputado Jefferson dissera que discutiam cargos no governo. E, no dia 26, uma reportagem afirmou que o presidente do Senado, Renan Calheiros, era citado em fita como suposto agenciador de propina, quando ele aparecia como amigo do político Antônio Pedreira.’