Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘A eleição, terça pela manhã, do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara não foi uma surpresa apenas para o governo Lula. Os grandes jornais brasileiros -Folha, ‘Estado’ e ‘Globo’- também fracassaram. Não porque não apontaram antecipadamente a vitória do deputado, mas porque foram incapazes de perceber a dimensão do fenômeno político que estava sufocado nas bases do Legislativo.

Reli, para fazer esta crítica, todas as reportagens publicadas pelos três jornais a partir do dia 25 de janeiro. Ao longo das últimas semanas, esses diários gastaram tempo, papel e tinta com declarações e avaliações oficiais, com detalhes sem importância e com informações evidentemente plantadas. O resultado, com raríssimas exceções, foi um jornalismo superficial, repetitivo, chato e dispensável.

Os erros

Aponto, a seguir, alguns erros que percebi nas coberturas. Minha referência principal é a Folha, mas os outros jornais tiveram problemas semelhantes.

1 – Os jornais não acreditavam que o candidato oficial do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, pudesse perder porque se acomodaram na tese de que historicamente o partido majoritário vence e porque se fiaram nas avaliações oficiais. Admitiram, no limite, a possibilidade de o deputado Virgílio Guimarães, dissidência petista, disputar o segundo turno com Greenhalgh.

No domingo 13, véspera da eleição, o editorial da Folha ‘Disputa na Câmara’ reflete a crença: ‘(…) a cúpula petista preferiu cautelosamente evitar ameaças a Virgílio, mesmo porque não está afastada a possibilidade de que ele vença a eleição. Essa hipótese -ou a improvável derrota de Greenhalgh para outro candidato- representaria uma derrota política para o comando petista (…).’

2 – A cobertura captou desde logo a importância do racha que dividiu o PT com a candidatura dissidente, mas ficou restrita à briga interna do partido, e não soube perceber as conseqüências do fato dentro da Câmara. O foco ficou o tempo todo nas manobras para fortalecer a candidatura oficial e nas ameaças de punição ao candidato dissidente. As outras candidaturas foram ignoradas.

3 – As fontes foram sempre as mesmas: os candidatos petistas e seus entornos, os presidentes e líderes dos partidos aliados ao governo e da oposição assumida (PFL, PSDB e parte do PMDB) e ministros do Planalto. Não há uma reportagem que duvide dos cálculos oficiais e percorra os gabinetes e corredores da Câmara para falar com os anônimos que formam o ‘baixo clero’.

4 – Os jornais, cegos pela certeza de que o candidato do partido majoritário nunca perde, ignoraram os indícios de que as coisas não iam bem para Greenhalgh por conta daquilo que o presidente eleito chamou de insatisfação generalizada dos deputados. E foram vários os indícios. Cito dois mais recentes.

No sábado 12, antevéspera da eleição, o ‘Painel’ da Folha publicou a nota ‘Azarão’: ‘Um fator quase imponderável na corrida de cavalos da Câmara é o desempenho de Severino Cavalcanti (PP-PE). Alguns deputados estimam que o ‘rei do baixo clero’ teria ampliado sua base de apoio nos últimos dias, avançando sobre o eleitorado de Virgílio Guimarães (PT-MG)’.

Na mesma edição, ao reportar uma reunião da campanha de Greenhalgh e a preocupação dos petistas, o jornal informou: ‘O crescimento de Cavalcanti, aliás, foi tema das conversas no encontro. Um dos líderes afirmou que não será surpresa se ele, que tem como bandeira de campanha a elevação do salário de deputados, ganhar de Virgílio.’

5 – Diante desses indícios e da importância da disputa, era de se esperar que no fim de semana os jornais lançassem a campo seus principais repórteres de política para um último trabalho de perscrutação, algo que permitisse oferecer aos leitores, na segunda-feira da eleição, um relato mais preciso do que de fato ocorria na Câmara. Isso não foi feito. As reportagens de segunda são aspas e aspas e não acrescentaram nada.

6 – Por fim, uma crítica que vale para todos os jornais, mas que cabe particularmente à Folha porque abandonou uma tradição de planejamento das edições. O jornal tinha a obrigação de ter publicado no domingo ou na segunda-feira uma apresentação decente dos cinco candidatos. Uma apresentação decente significava informar o que pensam os candidatos, o desempenho que tiveram no Legislativo, os bens declarados à Justiça Eleitoral e um perfil.

Ao longo da campanha, o jornal tentou ressuscitar o caso Lubeca, que envolve o deputado Greenhalgh. Nada contra. Mas o mesmo cuidado deveria ter tido com os outros candidatos. Só depois da eleição os leitores souberam que o deputado Severino Cavalcanti defende idéias conservadoras, que não guarda dinheiro em casa e que passou cheques sem fundos.

A bem da Justiça, a exceção foi a coluna de Janio de Freitas em 20 de janeiro que traçava um breve, mas bem informado, perfil do deputado Severino, prova de que o jornalista levou a candidatura a sério.

Reflexão

Os erros que os jornais cometeram não são exclusividade desta cobertura, mas vêm se repetindo e apontam para a falência de um modelo de acompanhamento da política nacional que domina hoje as grandes e médias Redações do Rio, de São Paulo e de Brasília. Os jornais deveriam aproveitar a oportunidade para uma reflexão séria sobre os rumos do jornalismo político.’

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‘‘Mais fatos, menos declarações’’, copyright Folha de S. Paulo, 20/2/05.

‘Ouvi dois jornalistas a respeito da cobertura política dos jornais.

Maria Cristina Fernandes, editora de Política do ‘Valor’:

‘Endosso as críticas recorrentes ao jornalismo pautado pelas fontes, o declaratório e a ausência de reportagem, mas não acredito que vamos conseguir combatê-las enquanto os jornais não voltarem a ter uma cobertura mais nacional. A maior parte dos jornais tem uma Redação forte na sede e outra grande em Brasília. A capilaridade só aparece em catástrofes, crimes e denúncias. Política mesmo só existe em Brasília, Rio e São Paulo. O país tem uma estrutura federativa e a cobertura de política desconhece o que se passa em 24 unidades da Federação, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Há até uma presença razoável dos governadores nos jornais, desde que eles passem por Brasília e dêem suas versões, dificilmente confrontada com a realidade de seus estados e com o contraditório de seus conterrâneos. Os prefeitos também estão sempre em marcha a Brasília, mas os leitores nunca sabem se suas demandas são justas porque desconhecem a realidade dos municípios. Em resumo, falta Brasil na cobertura de política’.

Valdo Cruz, diretor da Sucursal de Brasília da Folha:

‘Houve uma falha de avaliação da sucursal ao não acreditar no que ela mesma apurou, a possibilidade de vitória do deputado Severino Cavalcanti. A informação foi publicada, mas de forma tímida. Avaliamos que Severino repetiria o seu repertório tradicional: se lançando candidato a presidente da Câmara, mas desistindo na hora final em troca de algum cargo na Mesa Diretora.

Creio que o jornal carece de mais reportagens que aprofundem a investigação do submundo da política em Brasília, de como se dão as negociações -a maior parte delas envolvendo interesses econômicos.

Um caminho para melhorar é aumentar o leque de pessoas ouvidas, evitar o fontismo (falar sempre com os mesmos congressistas e ministros) e gastar mais energia com os setores que parecem alijados do poder, mas que têm força para produzir resultados como agora. Em resumo, fugir, de certa forma, do declaratório -apesar de na política ele ter sua importância- e buscar mais fatos’.’