Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Marcelo Beraba

‘Dois assuntos mexem com os nervos e a paciência dos leitores da Folha: o Oriente Médio e a disputa entre o PT e o PSDB. As campanhas eleitorais parecem dividir o mundo entre tucanos e petistas. A guerra no Líbano, iniciada dia 12, parece dividir o mundo entre árabes e judeus.

A semana que passou foi pródiga em mensagens com críticas e comentários relativos à cobertura eleitoral e à cobertura no Oriente Médio. Em momentos como agora, em que as posições se radicalizam, as páginas do jornal são lidas com lupas.

Já tratei da questão eleitoral em colunas recentes e devo abordar o tema várias vezes nos próximos meses. O ponto hoje é o Oriente Médio, que teve um extenso acompanhamento ao longo da semana passada. Os leitores que escreveram estavam atentos a dois aspectos: a linguagem e o equilíbrio.

A cobertura

A análise da cobertura feita pelo jornal a partir do dia 13 e até sexta-feira mostra um esforço de equilíbrio.

Os relatos dos ataques perpetrados pelos dois lados foram publicados sem atenuantes, e o jornal editou artigos e entrevistas que tentaram explicar os motivos da guerra, os interesses em jogo e as possíveis conseqüências com óticas distintas e algumas vezes antagônicas.

Ao longo da semana, o ponto de vista libanês surgiu em várias ocasiões, inclusive com uma chamada na Primeira Página do domingo passado para o artigo do jornalista Rami G. Khouri. O ponto de vista israelense também foi exposto ao longo dos dias, com destaque para o artigo do escritor Amos Oz, com extrato na capa de quarta-feira.

Há um outro aspecto positivo na cobertura: na sexta-feira, a Folha tinha dois jornalistas nas frentes do conflito, um no norte de Israel e outro em Beirute, o que garantia ao jornal mais independência em relação aos relatos das agências internacionais.

O jornal publicou dois editoriais que condenaram tanto a ação do Hizbollah que desencadeou a reação israelense como a desproporção da resposta de Tel Aviv (‘Frente libanesa’, em 13/7, e ‘Reação exagerada’, em 18/7). Ambos na mesma linha do comentário do secretário-geral da ONU, Kofi Annan: ‘Os atos do Hizbollah são lamentáveis, e Israel tem o direito de se defender. Mas o uso excessivo da força deve ser condenado’.

O ‘Painel do Leitor’ havia publicado, até ontem, 22 mensagens: 12 defendiam os pontos de vista do Líbano ou dos árabes; oito justificavam as ações de Israel, e duas considerei comentários neutros. A desproporção pode indicar um descuido do jornal ou o maior ativismo de leitores pró-árabes.

A linguagem

O outro aspecto é o da linguagem. Por que a captura de um soldado israelense na faixa de Gaza é considerada um seqüestro e a captura de ministros palestinos dentro de seu próprio território, um aprisionamento? Tem alguma razão jurídica que explique a diferença de tratamento?

E como devem ser tratados os libaneses e palestinos que fazem parte de organizações como Hizbollah e Hamas? Terroristas, militantes, resistentes, milicianos? E os ataques contra civis, não deveriam ser classificados todos como atos terroristas -e por isso condenados- independentemente de quem os tenha praticado, se um Estado soberano ou uma milícia religiosa? Quando um Exército entra num país é uma incursão terrestre ou uma invasão?

A linguagem não é neutra. O texto deve deixar claro que o jornal tem um compromisso com uma cobertura isenta. É necessário refletir e repensar o vocabulário que utiliza para a cobertura do Oriente Médio. Não é uma discussão fácil, mas é imprescindível.

Nem sempre os leitores têm razão nas reclamações que fazem. Temas como o Oriente Médio e a disputa entre PT e PSDB tendem às vezes a ofuscar um pouco a razão. Muitas mensagens que recebo vêm de militantes, o que em si não as desqualifica. Mas algumas são grosseiras e nem merecem resposta. Outras, mesmo duras, provocam reflexão.

De qualquer forma, a vigilância dos leitores deveria servir de freio às tentações de parcialidade e alinhamento da imprensa. Nem sempre funciona.’

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‘Espaço e erros’, copyright Folha de S. Paulo, 23/7/06.

‘A reforma gráfica iniciada pela Folha no dia 21 de maio suscitou, por parte de diversos leitores, duas questões que eu não tinha condições de responder na ocasião. A primeira referia-se a erros de português. Muitos leitores manifestaram a impressão de que os erros tinham aumentado com a reforma. A outra questão era relativa ao espaço destinado ao noticiário. Muitos temiam que fosse encolher.

Esperei terminar maio e junho para obter material para uma avaliação.

Erros

Houve realmente um aumento de erros de português, digitação e padronização logo após a implantação da reforma gráfica, provavelmente provocado pela mudança de rotina no fechamento do jornal. Mas em junho a incidência de erros caiu, embora permaneça alta.

O jornal cometeu em maio uma média de 0,76 erro de português por coluna de texto. Isso equivale a aproximadamente 4,5 erros numa página de notícias sem anúncio. Foi um aumento de 12% em relação a abril e de 13,5% em relação a maio do ano passado.

Em junho, o índice caiu para 0,64 erro por coluna, 3,8 erros por página, a segunda melhor marca do ano, acima apenas de 0,58 de fevereiro. O índice de junho representou uma queda de 16% em relação a maio e de 8,5% em relação a junho do ano passado.

Páginas

O jornal já havia admitido que a reforma roubou 1% de texto noticioso e até 20% de texto em colunas de opinião. A minha preocupação era saber se o jornal tinha aproveitado a reforma para cortar páginas de notícia. Isso não ocorreu.

Em maio, o jornal teve 11,2% a mais de espaço noticioso em relação a abril e 4,6% em relação a maio do ano passado. Em junho, teve mais 1,3% de páginas de notícias em relação a maio (o mesmo volume, praticamente) e 6,6% a mais do que em junho do ano passado.

Vale lembrar que o jornal teve de garantir espaço em maio para a cobertura da crise de segurança pública (PCC). Em junho, todas as editorias foram sacrificadas para aumentar páginas para a cobertura da Copa.

Conclusões: houve, de fato, um aumento de erros de português logo após a reforma gráfica, mas em junho o índice caiu; e até agora, o jornal não diminuiu o número de páginas de notícias.’