Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Manchete da Folha de terça-feira: ‘CPI diz ter provas contra 80% dos investigados’. Ou seja, a CPI dos Sanguessugas, que investiga acusações de fraudes nas compras de ambulâncias com recursos públicos, tinha provas contra cerca de 90 parlamentares. Manchete de sexta-feira: ‘CPI diz agora que só tem provas contra 30 parlamentares’.

A imprensa já poderia ter tirado uma conclusão dos trabalhos das CPIs: é impossível confiar nas informações enquanto elas não são oficializadas. Melhor, enquanto não estão aprovadas nos relatórios finais. Até lá, a divulgação das informações está sujeita a interesses pessoais, políticos, partidários ou, como neste momento, eleitorais.

Isso torna o trabalho jornalístico ainda mais difícil. Os meios têm de saber lidar com duas forças que freqüentemente os espremem: a obrigação de produzir um jornalismo vigilante em relação aos poderes públicos (e esse compromisso não pode ser abandonado num país como o nosso, com carência de recursos e altas taxas de corrupção) e a necessidade de não cometer injustiças, de não denegrir, de não expor as pessoas sem provas. A primeira força exige ação; a segunda, cautela. Não são incompatíveis. O bom jornalismo está na produção de reportagens documentadas que possam ajudar a sociedade e o país a se precaverem contra a corrupção.

Os jornais não têm como deixar de publicar informações oficiais, as que são assumidas publicamente pelos parlamentares que têm cargos nas CPIs. Mas:

1 – Deveriam ter frentes de investigações jornalísticas próprias que os permitissem confirmar ou questionar com segurança as informações que passam para os seus leitores. No caso dos sanguessugas, mais uma vez os jornais têm poucas investigações próprias e dependem dos informações repassadas pelos deputados.

2 – As informações não comprovadas, mesmo as oficiais, devem merecer dos jornais o mesmo tratamento de destaque que tiveram quando foram publicadas como se fossem fatos. Como fez a Folha na sexta-feira, com a manchete que redimensionou as provas colhidas pela CPI dos Sanguessugas.

3 – Deveriam ter mais cuidado com as informações vazadas pelos parlamentares, ou seus assessores, que não se deixam identificar. Nesses casos, não deveriam ter pressa. Mais vale o jornal levar alguns dias para confirmar uma informação do que publicá-la de qualquer jeito para não perder a exclusividade. Já temos um longo histórico de notícias originadas nos bastidores anônimos das CPIs e publicadas com destaque que nunca se confirmaram.

Isso vale também para notícias saídas sem identificação de fontes do Ministério Público e das polícias.’

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‘Eduardo Jorge e José Dirceu’, copyright Folha de S. Paulo, 30/07/06.

‘Dois registros:

1 – A Folha foi condenada, em sentença de primeira instância de 11 de julho, a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais para Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral do governo Fernando Henrique Cardoso. Ele considerou ofensivas várias reportagens, publicadas pelo jornal em 2000 e 2001, que o envolviam com o caso do desvio de verbas públicas para a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

O juiz não acatou a defesa da Folha e levou em conta o fato de que a Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário nada comprovou contra Eduardo Jorge.

Registro a condenação porque a Folha não a noticiou. Deveria tê-lo feito. Não entro no mérito da sentença porque não é definitiva. O jornal entrou com um recurso em segunda instância.

2 – José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva, reclamou da forma como a Folha editou a notícia do acordo assinado na Justiça entre ele e João Francisco Daniel, irmão do ex-prefeito de Santo André assassinado em janeiro de 2002. A nota curta – ‘Dirceu e irmão de Daniel fazem acordo na Justiça’ – foi publicada na quarta-feira num pé de página. Na Edição Nacional o texto foi ainda menor.

O deputado cassado tem razão. As acusações de que teria recebido R$ 1,2 milhão em contribuições ilegais de empresas de Santo André, feitas por João Francisco contra o então presidente do PT, em junho de 2002, tiveram ampla repercussão e foram repetidas com destaque ao longo destes anos. Nada mais justo, portanto, que o acordo firmado na Justiça que beneficia José Dirceu tivesse visibilidade.’