Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Marcelo Beraba

‘Cobertura do jornal sobre o noticiário político erra ao publicar informações incompletas e que ainda carecem da devida comprovação

A FOLHA PUBLICOU na quinta-feira, com o título ‘CPIs terminam com muitos indiciados e poucos punidos’, um grande balanço dos resultados das três Comissões Parlamentares de Inquérito que dominaram o noticiário político ao longo do ano passado e deste primeiro semestre, as CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão.

Ficou claro para os que acompanharam as atividades dessas comissões que todas elas se renderam aos acordos partidários, e isso certamente contribuiu para tolher as investigações. A imprensa tem uma responsabilidade parcial nos resultados frustrantes das CPIs. Em raros momentos ela conseguiu escapar da dependência das informações colhidas e manipuladas nos bastidores das comissões e avançar por conta própria.

Ainda agora vemos como a cobertura é falha. Nesta semana a Folha publicou duas reportagens que ilustram bem as nossas deficiências.

Na segunda-feira, o jornal publicou um texto falho a partir do título -’João Paulo pode ter recebido R$ 30 mil a mais de Valério’. João Paulo Cunha (PT) é o ex-presidente da Câmara e Valério é o empresário Marcos Valério de Souza, que ajudou o PT a levantar recursos para distribuição entre parlamentares.

A reportagem se desmancha já no título, que usa o verbo poder como uma possibilidade, mas sem nenhuma segurança. O título já deixa claro que não tem provas. É até possível que o deputado tenha realmente recebido mais dinheiro do esquema, mas as investigações dos técnicos da CPI dos Correios que abasteceram a Folha ainda não comprovam. Na quarta-feira, o jornal publicou uma longa carta do deputado que contesta a reportagem. Não vou entrar no mérito dos argumentos dele, que exercia ali o legítimo direito de defesa e que, se estiver mentindo, mais cedo ou mais tarde será desmentido pelas provas que aparecerão. Mas ele tem razão quando diz que o emprego do verbo ‘poder’ neste caso indica ‘conjectura’.

Outro caso parecido ocorreu na edição de sexta-feira, numa reportagem sobre a ‘lista de Furnas’. A lista é um documento contestado com uma relação de políticos da oposição que teriam se beneficiado de verbas desviadas de Furnas para a campanha eleitoral de 2002. A oposição acusa o governo de ter forjado a lista, que é objeto de investigação da Polícia Federal.

A reportagem da Folha -’Cópia da lista de Furnas difere do original’- é baseada numa ‘carta apócrifa’. Um jornal como a Folha não pode publicar uma reportagem baseada em ‘carta apócrifa’.

Recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, a seguinte explicação: ‘A informação de que o original da lista de Furnas periciado pela PF não é igual ao xerox que o lobista fez circular no final de 2005 foi apurada pela Folha. O jornal não se baseou na carta apócrifa, mas em investigação própria com outras fontes. A carta ‘apócrifa’, que, segundo afirma a mesma reportagem, foi escrita por assessores do PSDB mineiro, apenas registra a mesma informação. Talvez o texto não tenha deixado isso suficientemente claro’.

Na minha opinião, o subtítulo e o texto deixam claro que a fonte do jornal é a tal carta.

Esses dois casos mostram como o jornal está sendo precipitado na publicação de informações não comprovadas. Nos dois casos relatados, ele tinha informações importantes para iniciar uma apuração própria em busca de provas. Mas preferiu publicá-las incompletas. O resultado é o descrédito.’

***

‘O Fórum de Cascavel’, copyright Folha de S. Paulo, 25/6/06.

‘Cascavel, uma cidade jovem do oeste do Paraná a 520 km de Curitiba e com uma população de 280 mil habitantes, segundo o IBGE, tem quatro jornais diários, quatro semanários e várias emissoras de TV e rádio que produzem noticiário local.

A imprensa de Cascavel não é muito diferente da de outras cidades do interior do Brasil, dominadas principalmente por políticos ou grupos econômicos em busca de espaço político. É uma imprensa bem equipada, com foco na comunidade, mas com poucos recursos profissionais e dependente de verbas públicas de publicidade.

A novidade na cidade paranaense foi a criação, no final do ano passado, do Fórum pela Qualidade do Jornalismo em Cascavel. Não conheço outra iniciativa como esta.

O Fórum foi criado, segundo um de seus idealizadores, Emílio Fernando Martini, diretor do jornal ‘Hoje’, com o objetivo de enfrentar a perda de credibilidade da imprensa local, marcada pela publicação de informações desencontradas e pela prática de extorsões.

O Fórum reúne dois diários (além do ‘Hoje’, ‘O Paraná’), um semanário (‘O Impacto’), uma retransmissora da Globo, uma rádio, três universidades com cursos de jornalismo e duas associações de jornalistas.

A carta de princípios que lançou em setembro explicita a principal preocupação do grupo: reverter a visão negativa que a sociedade tem do jornalismo local, ‘no qual, segundo a voz corrente, há muito, mas muito espaço para o achaque (quase sempre contra o empresariado), para a extorsão, para o clientelismo, para a bajulação, para a ofensa gratuita (em desfavor de acusados de violar as leis penais), para a troca de favores (em geral, envolvendo verbas públicas) e tudo mais de pernicioso que uma imprensa recheada de interesses mesquinhos pode conter e disseminar’.

Vale lembrar que a Folha, em duas ocasiões, fez reportagens que mostravam que jornais e revistas do Paraná recebiam dinheiro do governo estadual para publicar propaganda como se fosse reportagem, um desrespeito aos leitores e ao código de ética dos jornais e um crime contra os cofres públicos.

Uma das reportagens mostrou que, em 1991, seis jornais paranaenses enganaram seus leitores com propaganda em forma de reportagem; a outra relacionou 68 jornais e seis revistas com a mesma prática em 2002.

A formação do Fórum faz parte de um movimento desconectado de pressão da sociedade por melhoria da prática jornalística. As iniciativas mais freqüentes têm sido as de formação de observatórios de imprensa, como já mencionei em outras colunas. O alcance dessas iniciativas ainda é muito restrito. Mas é um começo.’

***

‘Carta de princípios’, copyright Folha de S. Paulo, 25/6/06.

‘Aí estão as cinco diretrizes que o Fórum pela Qualidade no Jornalismo de Cascavel pretende que sejam adotadas pelos meios de comunicação da cidade:

‘1ª – Estímulo às práticas cidadãs, como voluntariado e envolvimento com os assuntos públicos;

2ª – Respeito à dignidade e à imagem da pessoa, da família e de qualquer grupo social;

3ª – Prática da concorrência leal entre as empresas jornalísticas;

4ª – Ausência, no meio jornalístico, do achaque, da extorsão e das trocas de favores de qualquer espécie;

5ª – Exercício legal da profissão de jornalista, em todas as suas instâncias’.’