Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mário Magalhães

‘É cedo, cedo demais, o sereno ainda cai e o dia nem amanheceu, para afirmar que um ou mais erros de pilotagem foram responsáveis pela tragédia do vôo 3054 da TAM.

Já ficou para trás, no entanto, o comecinho da noite sombria de 17 de julho, quando o choque do Airbus-A320, bem ao lado de Congonhas, provocou a morte de 199 pessoas.

As incógnitas das primeiras horas recomendavam cautela revigorada ao relacionar as hipóteses de causa do acidente. Hoje se sabe mais. Às favas com a cautela? Pelo contrário.

A Folha acelerou na quarta com a manchete ‘Caixa-preta indica erro do piloto’. Uma ‘linha-fina’, espécie de complemento sob o título, pisou no freio: ‘Gravações do Airbus da TAM sugerem falha de operação, mas erro do equipamento não é descartado’.

O jornal informou que dados do avião mostram que o computador de bordo registrou problema com a alavanca de controle do motor direito.

A falha mais provável, como ocorreu em desastres semelhantes, seria do piloto, embora pane eletrônica possa ter comprometido o manejo correto dos instrumentos.

Considerei legítimo o ‘furo’, confirmado horas depois em sessão da CPI do Apagão Aéreo. É de interesse público conhecer os motivos da tragédia. Nem que seja para se informar sobre a segurança do pouso em Congonhas. Com a boa reportagem, se soube mais do que se sabia antes.

O jornalismo em geral também não restringiu a divulgação da transcrição dos diálogos finais na cabine.

Mesmo que a Folha não tenha ‘condenado’ o piloto -ignora-se qual dos dois estava no comando-, poderia ser mais precavida, conferindo ainda mais visibilidade à possível quebra de equipamento, como fez na quinta. Já na sexta falou em ‘conclusão inicial de falha humana’. Ora, não há conclusão alguma.

Dos cem leitores que me procuraram até anteontem, 97 desaprovaram o jornal. Boa parte deles interpretou a manchete como uma sentença contra vítimas, os pilotos, que não podem se defender em meio a interesses como os da TAM, da Airbus e da Anac.

A Folha deveria considerar o alerta para calibrar o tom. A melhor atitude é encarar o caso como ele é: longe de estar encerrado, com tanta pergunta carente de resposta.

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‘Humor macabro é o ‘top, top, top’ da Folha na tragédia’, copyright Folha de S. Paulo, 5/8/07.

‘Em capa digna de antologia do mau gosto, o caderno Turismo da Folha titulou na quinta: ‘Balança, mas não cai’. O gracejo macabro anunciava temporada de cruzeiros na costa.

Marco Aurélio Garcia cometeu o gesto ‘top, top, top’ em repartição que julgava livre de vigilância e como reação instantânea a uma notícia de TV.

Já o jornal teve tempo para pensar. Desrespeitou quem ainda chora a morte dos seus.

Marta Suplicy disse a frase infeliz (‘Relaxa e goza’) sobre os percalços da crise muito antes do desastre do Airbus.

A Folha publicou a capa depois. Em quadra do grotesco, o jornal deixou sua marca.’

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‘Governo assassina mais de 200’, copyright Folha de S. Paulo, 5/8/07.

‘Com a fumaça ainda enevoando a tragédia, o psicanalista Francisco Daudt, colunista da Revista da Folha, escreveu, fora do seu espaço habitual, um artigo publicado no dia 19 de julho.

Começava assim: ‘Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, ‘GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS’. […] O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime’.

Pelo que se sabe hoje, a gestão aeroportuária não foi determinante para o desastre.

No dia 20, o escritor e piloto Ivan Sant’Anna disse em artigo que o Airbus estava ‘arremetendo’ (tentando levantar vôo) quando bateu. No dia 23, o diretor de teatro Gerald Thomas bancou que o piloto da TAM ‘tentou arremeter’.

Até agora, os fatos divulgados sugerem o contrário.

A Folha ganharia se não restringisse aos seus jornalistas a orientação de não firmar ‘certezas’ técnicas sem comprovação sobre acidentes aeronáuticos. A norma deveria se estender aos articulistas convidados.’

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‘Cansou? Então diga: de quê?’, copyright Folha de S. Paulo, 5/8/07.

‘A notícia foi dada na sexta retrasada em Brasil: ‘OAB lança campanha ‘Cansei’ para protestar’. O Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, apelido ‘Cansei’, reclama de ‘caos aéreo’ e ‘pagar tantos impostos’. Entre os condutores estão advogados, empresários e um arrecadador, João Dória Jr., de recursos para candidato do PSDB. A organização nega partidarismo.

Veio a resposta: ‘Planalto espera reação pró-Lula ao ‘Cansei’’. Mais à frente houve a criação, pela CUT, do ‘Cansamos’ (de ‘trabalho escravo’ e ‘mídia que criminaliza as lutas populares’).

Até anteontem, eram oito dias de informação e opinião sobre o assunto. Se houve mais espaço para entrevistas com apoiadores do ‘Cansei’, os antagonistas também foram ouvidos. O ‘Painel do Leitor’ equilibrou-se com mensagens pró e contra.

Dois colunistas, Janio de Freitas e Fernando de Barros e Silva, criticaram o grupo e seu ideário, defendidos em artigo do presidente da Associação Comercial. Em quatro cartuns, Angeli, Glauco e Jean miraram o movimento (nada demais; houve semanas a fio em que o alvo foi Lula).

Na segunda, a cobertura de manifestação em homenagem aos mortos na tragédia, com a presença do ‘Cansei’, descreveu cartazes anti-Lula. Saiu em Cotidiano. Pelo viés político, poderia estar em Brasil.

Há coisas que cansam. Talvez a cobertura sobre o ‘Cansei’, exagerada, venha a cansar. E você, do que está cansado na Folha e no jornalismo?’