Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Mário Magalhães

‘O furo que derrubou o governador local Eliot Spitzer, enrolado com uma rede de prostituição para endinheirados, renovou as evidências de que, a despeito de vexames recentes, o diário americano ´The New York Times` mantém o vigor. Talvez seja a melhor fonte jornalística para se informar sobre os EUA, é dos melhores jornais do mundo.


Essa condição, contudo, não faz dele um papai-sabe-tudo sobre o Brasil. Muito pelo contrário, o ´NYT` acumula enganos ao se arriscar a falar do Cristo Redentor com a mesma desenvoltura com que aborda a Estátua da Liberdade.


Entre os micos célebres, está a cascata de 2004 sobre a dita preocupação nacional com hábitos etílicos do presidente da República -o que não justifica o despropósito de Lula de querer expulsar o repórter.


No ano seguinte, o ´Times` divulgou uma epidemia de obesidade. Na primeira página, estampou uma Garota de Ipanema com curvas renascentistas. Só que ela não era brasileira, mas tcheca.


O mesmo correspondente assinou reportagem que a Folha traduziu, ´Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA´. No essencial, a notícia havia sido publicada uma década antes. Não foram cumpridos procedimentos como checar todas as informações e ouvir o ´outro lado´.


Não passa muito tempo sem que a Folha e parcela do jornalismo pátrio editem textos encorpados para alardear o que o ´Times` e outras publicações estrangeiras pontificam acerca do Brasil.


O historiador britânico Kenneth Maxwell escreveu dias atrás: ´Uma das coisas mais estranhas sobre o jornalismo brasileiro é o fato de que continue a conferir credibilidade àquilo que os jornais dos Estados Unidos, especialmente o ´New York Times´, têm a dizer sobre o país´.


O colunista da Folha contou um fiasco do ´NYT´: do Reino Unido, o jornal narrou a campanha contra a caça à raposa. A correspondente não flagrou nenhum caçador ou sabujo, o cão que persegue e mata as raposas. Na mesma cidade, Maxwell viu quase 300 sabujos ´inquietos` reunidos.


A jornalista apurou mal. Maxwell comentou, sobre os moradores: ´Não estou certo de que saibam e muito menos se importem com o que seja o ´New York Times´. Uma boa lição para os brasileiros´.


O jornal contou com grandes correspondentes aqui, como Tad Szulc e Alan Riding. Antes de nós, reconheceu importância em Chico Mendes.


Mas tratar com reverência cada citação ao país é sinal de submissão cultural e jornalística. Sugere provincianismo. Às vezes, o complexo de inferioridade impede que se note, por trás da grife do ´Times´, reportagens tecnicamente malfeitas sobre o Brasil.’


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‘Nas charges, o mundo é quase só de machos’, copyright Folha de S. Paulo, 16/3/08


‘A Folha desperdiçou, sábado retrasado, a chance de contar histórias saborosas a partir de estatísticas. Titulou: ´Crescem uniões de mulheres mais velhas que os homens´.


Veicularam-se percentuais, mas não se exibiu um só casal. Reportagem sem gente e encanto. Número não convive com número, não se apaixona.


Alguns leitores tomaram a charge que acompanhou o texto, reproduzida ao lado, como uma afronta às mulheres.


São opiniões legítimas, das quais discordo. Não é função do cartum ser fiel a estudos -velhinhas não são maioria entre as mulheres-, mas pintar o mundo com humor. Não creio que seios rastejantes incitem discriminação.


O autor, Caco Galhardo, é um dos craques do excepcional time de chargistas da Folha. Composta quase só por homens, a equipe acentua a testosterona no jornal.


O editor de Arte, Fabio Marra, comenta: ´A falta de mulheres em charges não é apenas nacional, mas mundial. O curioso é que existem ótimas ilustradoras, mas poucas parecem se interessar pelo humor curto e mordaz das charges e tiras. Apesar dos concursos que fizemos, na Folha temos apenas a quadrinista Chiquinha, no Folhateen, e a argentina Maitena, no Equilíbrio´.’


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‘O jornalismo incômodo’, copyright Folha de S. Paulo, 16/3/08


‘Com uma chamada no rodapé da primeira página, discreta para a contundência da notícia, a Folha informou em 11 de fevereiro: ´O Ministério do Trabalho decidiu repassar R$ 13,5 milhões à CNTM (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos), ligada à Força Sindical, para treinamento e colocação de mão-de-obra em São Paulo´.


´O repasse será feito com verbas do FAT pelo Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador), que administra o dinheiro das contribuições do PIS/Pasep dos trabalhadores. Pelo plano, o gasto por trabalhador desempregado recolocado será de R$ 195,33. É quase o dobro (97%) do despendido ano passado pelo governo do Estado de São Paulo no mesmo serviço (R$ 99,25).´


Concedeu-se espaço para a manifestação das entidades. Logo, dirigentes da Força Sindical, do Codefat e da CNTM se pronunciaram em cartas.


Os leitores tiveram acesso às contestações de quem apontou incorreções. É direito deles conhecer versões opostas para formar juízo.


Estado e município de São Paulo rejeitaram transferir à CNTM centros de treinamento. CUT e Fiesp se opuseram ao convênio. A confederação anunciou aumento do número de beneficiados, o que reduz em 31% o custo unitário.


Sobreveio novo furo, ´PDT é favorecido pelo Ministério do Trabalho´, expondo repasses, cerca de R$ 50 milhões, a entidades associadas a pedetistas. O ministro Carlos Lupi integra o partido. Assegurou-se a palavra a pessoas e organizações mencionadas.


Dias depois, Lupi negou favorecimento e divulgou a criação de um ´grupo de trabalho, formado por servidores de carreira (…), para fazer um pente-fino nos convênios e identificar eventuais irregularidades´. Prometeu um portal na internet com a lista dos convênios e seus valores.


As negativas responderam à Folha e ao jornal ´O Globo´, que igualmente descobriu fatos relevantes sobre o Ministério do Trabalho. Convênios foram cancelados. O esforço de reportagem jogou luz sobre acordos que costumam se desenvolver à margem do escrutínio jornalístico.


As revelações tiveram conseqüências positivas, em decisões de governos e de entidades sindicais. A Controladoria Geral da União decidiu investigar os programas.


O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), ameaçou pulverizar até 2.000 ações judiciais contra Folha e ´O Globo´. Extensa mensagem sua à Folha saiu em Brasil.


O bom jornalismo é crítico e incomoda. O jornal não deveria se intimidar pela hipótese dos processos. Nem enviesar sua cobertura contra o líder sindical, sacrificando a sobriedade vista até agora.’