Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O desafio da imparcialidade

Cathy Areu é jornalista, escritora, fundadora de uma revista voltada a mulheres hispânicas e comentarista de mídia – costuma participar do circuito de debates nos canais de notícias americanos. Ela foi também tema da coluna de domingo [4/7/10] do ombudsman do Washington Post, Andrew Alexander. Ou melhor, Cathy serviu de pretexto para Alexander discorrer sobre os desafios da imparcialidade no jornal.

A jornalista, apesar de não fazer parte da equipe do Post, é muitas vezes identificada nos programas de TV de que participa como ‘editora colaboradora’ do jornal. Ela tem, de fato, uma relação de colaboração com o Post: já realizou entrevistas com figuras públicas e as editou. O diário permitiu que ela usasse o título, e agora leitores cobram respostas diante desta associação.

Falha

O problema são as opiniões e análises feitas por Cathy nos programas de TV. Recentemente, ela afirmou que a ex-governadora do Alasca Sarah Palin dá medo. Em outra ocasião, demonstrou sua posição a favor da juíza Sonia Sotomayar durante os debates sobre sua indicação à Suprema Corte. Alguns leitores escreveram para Alexander para sabe se o Post permite que seus editores emitam publicamente suas opiniões.

O ombudsman diz que a falha na compreensão do ‘cargo’ não é de Cathy: ela pediu permissão para ser identificada como ‘editora colaboradora’, e o Post a concedeu. Com isso, diz Alexander, o jornal confundiu os leitores e deu munição aos críticos. A solução parece fácil: Cathy deve deixar de usar o título de ‘editora colaboradora’, antes que gere mais acusações de parcialidade institucional.

Desafio

Em uma época de redefinição do jornalismo, o caso de Cathy serve como exemplo de um desafio maior à promessa de imparcialidade dentro da redação do Post. Isto fica mais evidente na medida em que o jornal expande sua marca na internet. Se antes os jornalistas eram encorajados a esconder suas opiniões, hoje alguns são contratados para expressá-las na web – o que pode confundir os leitores.

Ezra Klein, um dos mais jovens e talentosos jornalistas do Post, escreve na internet sob uma perspectiva liberal. Sua biografia no site explica que aquele se trata de um espaço de opinião, sobre políticas domésticas e economia. Mas, na seção de economia da edição impressa de domingo, Klein assina uma coluna que não traz uma identificação mais explicativa. Desta maneira, os leitores que não frequentam o site não sabem que ele é liberal.

David Weigel, contratado no começo do ano para escrever um blog sobre conservadores, renunciou ao cargo recentemente depois de ser revelado que ele escreveu comentários inflamatórios em um grupo de discussão sobre personalidades públicas do movimento conservador. A revelação gerou protestos de conservadores, que disseram que os comentários mostraram a parcialidade de Weigel. Além disso, leitores questionaram o papel do blogueiro: ele deveria escrever com uma perspectiva conservadora ou dar sua opinião sobre conservadores?

Confusão

Não são apenas os leitores que ficam confusos. Os jornalistas têm que seguir regras internas alertando para que ‘não deem opiniões pessoais em um blog de modo que não pareçam aceitáveis no jornal’, mas também são encorajados a blogar com atitude e voz, o que parece incompatível com neutralidade. Além disso, embora existam regras internas que alertam para que jornalistas não façam declarações que possam colocar em questão sua objetividade, muitos repórteres participam – às vezes, obrigados – de programas de TV e rádio, onde são pressionados a dar opiniões sobre as notícias do dia.

Em conversa com a redação, apenas um jornalista tinha bastante conhecimento das regras internas. Elas ficam na intranet, mas em um link escondido. Em uma era de mudanças, o Post luta para estabelecer diretrizes para a marca do jornal em novas plataformas de mídia. Para o editor-executivo Marcus Brauchli, ‘a solução é ser completamente transparente sobre o que as pessoas fazem e que cargos ocupam’.