Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Osvaldo Martins

‘O jornalista Elio Gaspari, frasista espirituoso e compulsivo, atribui ao maitre Ferry, do restaurante Bife de Ouro, do hotel Copacabana Palace, essa sentença: ‘Só há qualidade onde há exigência’. Eu acrescento: a qualidade está em cada pequeno detalhe, por insignificante que seja, e na soma de todos eles. Essa era, de resto, a obsessão diária de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, criador e fiscal implacável do ‘padrão Globo de qualidade’.

Gaspari transformou a revista Veja dos anos 80 na mais importante publicação brasileira. Boni colocou a Globo no mapa das principais emissoras do mundo. Ambos fizeram fama pelos métodos duros de comandar, guardadas as diferenças de estilo. O bem–humorado Gaspari até se divertia quando obrigava um editor a telefonar de madrugada, no fechamento da revista, para uma alta autoridade, exigindo determinada informação que, a seu critério, faltava no texto a ser publicado. O rabugento Boni disparava seus memorandos demolidores a todas as chefias e, não raro, cabeças rolavam.

Os dois comandantes mais bem sucedidos da história recente da mídia brasileira tinham em comum a busca da qualidade a que seus públicos têm direito. Em qualquer organização, tal tarefa envolve dois movimentos simultâneos: um na direção da intransigência com o erro originário da incompetência, preguiça ou negligência; outro, no rumo do apuro profissional, da dedicação ao trabalho e da atenção a todos os pormenores.

Uma pequena falha só é suportável quando, além de pequena, for rara. Pequenas falhas todos os dias, em todos os horários, deixam de ser raras e, na soma, viram outra coisa – grande e rotineira. Eu já escrevi neste espaço que o ombudsman não é crítico de TV, nem está aqui para catar pelo em ovo. Uma de suas obrigações, como representante dos interesses do público, é zelar pela qualidade da programação como um todo, evitando o varejo, que mais parece implicância.

Recentemente a TV Cultura fez uma bela festa para comemorar os 18 anos do programa Roda Vida, que estreou novo visual – cenário, vinhetas, etc. Tudo novo, bonito, moderno, perfeito. Duas semanas depois (4/10), logo no início do programa que discutiu os resultados das eleições municipais, dois ‘probleminhas’: o apresentador Paulo Markun chama a matéria com o perfil do entrevistado e entra outra, com números das apurações. Experiente, Markun interrompe o erro, apresenta os entrevistadores e chama a matéria com os números; entra a matéria com o perfil. Falha grave? Aparentemente, não. Mas, se considerarmos que ao longo de 90 minutos de programa entrariam apenas essas duas matérias, tem–se aí 100% de erro. E logo no Roda Viva, o principal e mais conceituado programa da emissora.

‘Probleminhas’ como o do Roda Viva acontecem diariamente, no Diário Paulista e no Jornal da Cultura. Quando não é a matéria que entra na hora errada é o áudio (som) do apresentador que cai, é a identificação do repórter ou do entrevistado com nomes trocados, é a câmera errada no ar, é a péssima dicção de quem deveria falar de maneira mais pausada…

Vamos para o intervalo. Todas as chamadas de programas estão velhas. Uma delas, a do programa Conjuntura Econômica (com a moça loura vestida de preto), está no ar há pelo menos três meses. Idem as chamadas do Diálogo Nacional, do Projeto Brasil e de muitos outros programas. Isso é um problema grave? Tomado isoladamente, nem tanto. Mas, observado em seu conjunto, verifica–se que não existe a preocupação de renovar constantemente as chamadas. Logo elas, que deveriam dar dinamismo aos intervalos, funcionando como vitrines atraentes das novidades da programação.

Desse conjunto de pequenos tropeços, freqüentes e até previsíveis, resulta um grande tombo: seu nome é negligência, desatenção, preguiça ou incompetência. Apertar o botão errado duas vezes, quando se tem apenas duas vezes para apertar, deveria acender uma luz vermelha – de rubor, no mínimo. Qualquer pequena falha deveria valer cartão amarelo. A menor desatenção teria de ser tratada como a última, pois a próxima será imperdoável. Nenhum bom produto conquistou excelência – na televisão ou em qualquer outro campo – com base na condescendência, no ‘deixa pra lá’ e no ‘isso sempre foi assim mesmo’.

É claro que a Cultura faz muita coisa boa, e aí estão os prêmios internacionais para atestar. Não faltam, sem dúvida, programas produzidos com esmero, e que dão à emissora o prestígio que tem. Esse acervo está na galeria das soluções, enquanto os problemas se situam no dia–a–dia frenético que exige inteligência, agilidade e camisa suada.

Para combater falhas de qualquer tamanho a única fórmula conhecida, e eficiente, é a obsessiva exigência de qualidade, à la Gaspari&Boni.’

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‘De Olho no Disco?’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 3/11/04

‘A Cultura repetiu no segundo turno das eleições municipais a boa cobertura do primeiro turno, no programa De Olho no Voto. Uma maratona ao vivo, cinco horas no ar. O âncora Celso Zucatelli, com desempenho elogiável, demonstrou fôlego e segurança. O analista político Carlos Novaes exibiu, mais uma vez, amplo conhecimento do mapa político brasileiro e grande facilidade para trocar em miúdos o quadro eleitoral. Tudo teria sido impecável não fossem as surpreendentes, dispensáveis, inoportunas, inadequadas e até insólitas apresentações musicais de (bons) artistas a promover seus discos.’