Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Osvaldo Martins

‘Dez anos depois de criar a primeira emissora de televisão da América Latina, a PRF-3 TV Tupi, Assis Chateaubriand pôs no ar a TV Cultura, com um projeto ambicioso: oferecer uma programação qualitativamente diferenciada, voltada para um público mais intelectualizado e mais exigente. Eu conheci a TV Cultura, em seus estúdios na rua Sete de Abril, em São Paulo, no mesmo prédio sede dos Diários e Emissoras Associados. Os estúdios funcionavam em um andar do prédio com três metros de pé direito, com aqueles panelões de iluminação pouco acima das cabeças das pessoas. Não deve ter recebido alvará do Corpo de Bombeiros – e Chatô não era homem de se preocupar com esses detalhes.

Anos depois, na gestão Abreu Sodré, o Governo do Estado de São Paulo comprou dos Associados as emissoras Cultura (rádio e TV), construiu modernas instalações no bairro da Água Branca e instituiu a Fundação Padre Anchieta. Estive na nova sede antes da inauguração, em 1969, ciceroneado pelo jornalista Juarez Bahia, já falecido. Fiquei maravilhado com o que vi. Era a primeira emissora de TV com prédios construídos para essa finalidade. O restaurante dos funcionários era um luxo.

Eu, que já era telespectador da TV Cultura Associada, continuei a assisti-la quando virou estatal-educativa e, depois, pública. Sempre considerei a idéia de São Paulo oferecer ao Brasil uma TV de qualidade um exemplo de amor ao país e ao seu povo.

Passados 35 anos, nesse mesmo endereço e ainda às expensas do Tesouro paulista, que responde por 80% de suas receitas, a TV Cultura se vê diante de uma encruzilhada. Sob nova direção, tenta agora conquistar uma posição no mercado publicitário como forma de obter recursos extra-erário. Registre-se: durante os últimos 35 anos, a TV Cultura não teve posição alguma no mercado publicitário. Nos primeiros 25 anos porque a legislação não permitia; nos últimos dez anos, por falta de iniciativa e de criatividade.

O mercado publicitário, como se sabe, destina as verbas de seus clientes, os anunciantes, basicamente conforme os índices de audiência de cada emissora. Como a Cultura sempre viveu de mesada, nunca se empenhou para melhorar seus índices. Durante a maior parte destas três décadas e meia cultivou até um certo orgulho por ter baixa audiência, mas com uma programação ‘de qualidade’. Levada ao extremo, essa filosofia poderia conduzir à decisão de desligar o transmissor, demolir a torre e produzir uma excelente televisão em circuito fechado, para deleite de uns poucos felizardos.

Ocorre que televisão de sinal aberto é um meio de comunicação de massa. Subvencionada pelo dinheiro público, então, tem sim a obrigação de tentar alcançar o maior contingente possível da população, produzindo conhecimento, cultura, informação e tudo o mais que se entenda por sua ‘missão’. Não basta receber elogios da Unesco – que, aliás, não contribui com um centavo para os cofres da Fundação Padre Anchieta. Não bastam os prêmios internacionais para programas infantis, se o prestígio auferido não reverter em aperfeiçoamento contínuo em benefício do distinto público.

Essa é a encruzilhada, esse é o desafio: como alavancar os índices de audiência com conteúdos de qualidade? Se fosse fácil já teria havido tempo, em 35 anos, para conseguir a solução. No ano passado, uma pesquisa encomendada pela Cultura mostrou alguns indícios que podem levar a respostas àquelas indagações. Entrevistados que não vêem a Cultura alegam não ter o hábito e explicam suas razões: a TV não é ‘atraente’ ou ela é ‘chata’, o que dá no mesmo.

No dia 18 de outubro passado, o 18º aniversário do Roda Viva, que teve excelente divulgação prévia, foi comemorado com uma grande festa, transmitida ao vivo antes, durante e após o programa. Políticos, artistas, empresários e celebridades de primeiro time marcaram presença, numa demonstração de grande prestígio da emissora. Pois bem, o Roda Viva começou às 22h30 com 1 ponto no Ibope e a cobertura do evento terminou

à meia-noite e 15, com traço. Na mesma semana os índices do Ibope mostravam que os nossos campeões de audiência, com míseros 3 pontos, são os infantis Castelo Ra Tim Bum, Tintim, Rupert, Cocoricó e Caillou. Nossos telejornais variaram de traço a 1 ponto, enquanto programas como Observatório da Imprensa, Diálogo Nacional e Conjuntura Econômica amargaram traço, traço, traço.

Será a ‘falta de hábito’ um vício do padrão popularesco de TV que algumas emissoras ‘comerciais’ adotam para obter audiência a qualquer preço? Ou será, como eu penso, defeito da TV pública, que ainda não aprendeu a fazer da qualidade um produto televisivo atraente? De um modo geral, o público que assiste a Cultura até parece satisfeito com o que tem. Mas, a questão é outra: por que esse público não é cinco ou seis vezes maior, como deveria ser?’

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‘Inacreditável e imperdoável’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 19/11/04.

‘O Jornal da Cultura da quinta-feira, 18/11, ignorou o assunto mais importante do dia – talvez, do ano: o êxito do transplante de células-tronco adultas em uma vítima de derrame cerebral, simplesmente um dos maiores feitos da medicina brasileira em todos os tempos. O sucesso do revolucionário tratamento, que foi desenvolvido no Rio de Janeiro, mereceu grande destaque e cuidados especiais de edição em todos os telejornais, de todas as emissoras ‘comerciais’, dada a relevância da bem sucedida experiência (inédita no mundo). Algo com dimensão para ganhar Prêmio Nobel de Medicina. É inacreditável, mas aconteceu: o jornalismo da nossa TV pública foi o único a desprezar o tema. Imperdoável.’

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‘Oportunidade perdida’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 17/11/04.

‘O que tem de especial a indústria aeronáutica brasileira (leia-se Embraer), a ponto de o presidente da China ir a São José dos Campos visitar a fábrica? Com tanta oferta de aviões pelo mundo a fora, por que os brasileiros? Preço? Qualidade? Tecnologia? O Jornal da Cultura do dia 15/11 (um feriado) perdeu uma boa oportunidade de aprofundar o assunto, limitando-se a uma cobertura factual, declaratória, burocrática – respeitando, embora, o guia de princípios do jornalismo da emissora. Uma demonstração a mais de que princípios não bastam. O diferencial da TV pública deveria ser a informação de qualidade, com aquele algo mais que as emissoras ‘comerciais’ (também) não deram.’

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‘Ibope, ponto e traço’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 16/11/04.

‘A respeito do comentário ‘O desafio da audiência’, telespectadores da Cultura perguntam o que representam, quantitativamente, os pontos do Ibope – e o que significa traço. Vamos lá. Os índices citados no comentário dizem respeito à audiência na região da Grande São Paulo (38 municípios, mais a Capital), que tem 4,95 milhões de domicílios com televisores. O Ibope tem permanentemente instalados, em 750 domicílios, aparelhos que informam qual canal a família está assistindo (informação minuto a minuto). Pelas técnicas de amostragem, esses 750 domicílios representam o universo dos 4,95 milhões. Um ponto de audiência no Ibope é igual a 1% do universo, ou seja, 49.500 domicílios sintonizados em determinado canal. Abaixo desse número é traço.’