Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Osvaldo Martins

‘Está mais do que na hora de se promover no Brasil um debate a sério, pra valer, sobre a necessidade e a importância de se manter no país uma TV pública digna desse nome. São Paulo criou há 35 anos uma TV educativa, a Cultura, e até hoje o Tesouro paulista destina anualmente recursos da ordem de 100 milhões de reais para mantê-la. É louvável, mas é pouco. A Cultura engrossa suas receitas com publicidade e com a prestação de serviços a terceiros e, com isso, arrecada mais 20 milhões. Não é suficiente.

A operação de uma TV pública à altura de prestar os serviços que dela se espera requer orçamento pelo menos cinco vezes maior. Como criar condições para quintuplicar os recursos é, exatamente, o desafio a ser enfrentado.

Fora de cogitação a hipótese de fazê-lo pela via da tributação. A carga tributária brasileira, uma das mais altas do mundo, torna insuportável qualquer nova taxa. Parece-me igualmente inviável copiar modelos como o da Thirteen, a TV pública de Nova York, que põe na tela: ‘Se você gostou deste programa, deposite 1 dólar na nossa conta’ – e, horas depois, tem 1 milhão de dólares a mais no banco.

Além do mais, há no Brasil dispersão de esforços e distorção de finalidade. Começando por esta: muitos governos estaduais aplicam recursos em suas TVs regionais, estatais, pseudo-educativas, mas que servem mesmo a interesses políticos. Nem merecem ser chamadas de TVs Públicas. Quanto à dispersão de esforços: o governo federal mantém o sistema Radiobrás e a TV E, com sede no Rio de Janeiro, que também luta com a falta de verbas.

Para um país cujos governantes, em todos os níveis, vivem a lamentar a escassez de recursos, melhor seria concentrá-los em uma única – e boa – TV pública. Os interesses políticos, também em todos os níveis, até hoje não permitiram sequer a discussão do problema e a busca de solução desse tipo. Em política ninguém abre mão de nada, muito menos a favor do Brasil.

Paralelamente à contribuição dos cofres públicos, se entendimento para isso houvesse, uma nova fonte de receitas poderia ser discutida: a proveniente das emissoras comerciais. Absurdo? Depende de como se analisa a questão. As atuais concessões que o Estado dá a empreendedores privados poderiam transformar-se em concessões onerosas. Ou seja, cada beneficiado com uma concessão de rádio ou de TV para exploração comercial destinaria um percentual para a rádio e a TV pública.

Isso já existe em outros setores públicos. Em São Paulo, por exemplo, as concessões rodoviárias são onerosas. Cada concessionário, ao receber uma rodovia para operar, cobrando pedágio, obriga-se a realizar as obras que constarem do contrato de concessão. Nos últimos 8 anos as empresas privadas que exploram rodovias fizeram investimentos superiores a 3 bilhões de reais.

Se isso vale para o empresário rodoviário, por que não para o empresário televisivo? Afinal, para que serve a concessão de um serviço público, como a radiodifusão? Para enriquecer os amigos do poder? Parece que sim.

Nada contra as TVs comerciais. Mas a televisão e o rádio são meios de comunicação poderosos que poderiam estar, em parte, a serviço da informação, da educação, da difusão do conhecimento. Eu sempre penso duas vezes antes de cobrar da TV Cultura a qualidade a que o público tem direito, que é o meu dever, pois sei – todo mundo sabe – que os recursos para isso são irrisórios. Acho estranho quando pessoas bem informadas traçam paralelo com a BBC, dona de um orçamento anual de 6 bilhões de dólares. Mais estranho ainda quando propõem formas de arrecadação semelhantes à do Reino Unido – e que hoje o Parlamento britânico não teria condições de aprovar, se fossem propostas.

Melhor que sonhar com utopias seria abrir um debate nacional, amplo, com a participação de todos os setores envolvidos, para chegar-se a uma solução possível dentro da realidade brasileira. Deixo aqui essas duas sugestões: a concentração dos recursos públicos e a concessão onerosa. Se outras idéias melhores que essas, surgidas de uma discussão sobre o tema, prevalecerem e vingarem, terá valido a pena.’