Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Osvaldo Martins

‘Começa hoje e vai até quarta-feira, em São Paulo, a 26ª Conferência Anual da ONO – a Organização dos Ombudsmans de Notícias –, reunindo 42 profissionais de 14 países. É a primeira vez que a ONO se reúne no Hemisfério Sul e isso só acontece graças ao empenho e persistência de Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de S. Paulo e diretor da entidade. A ONO foi criada nos Estados Unidos por ombudsmans de jornais, que são maioria em seus quadros – e os americanos são até hoje maioria nessa maioria.


No ano passado participei da Conferência em Londres, onde havia o dobro do número de jornalistas que estão em São Paulo. São, quase todos, veteranos da imprensa. A Conferência discute menos o papel do ombudsman e mais os problemas da imprensa, sobretudo os da mídia impressa permanentemente ameaçada, ‘no futuro’, pela concorrência dos meios eletrônicos. Hoje o fantasma é a internet e, com ela, os portais e os blogs. Jornais e revistas já sabem que o rádio e a televisão não decretaram a sua morte, tantas vezes anunciada.


Fui convidado a fazer uma explanação a respeito da atividade de ombudsman na televisão brasileira, uma iniciativa pioneira da TV Cultura lançada em junho de 2004. No Brasil a idéia da Folha, iniciada em 1989, não pegou. O número de ombudsmans na imprensa brasileira não passa de meia dúzia. Na TV Cultura a idéia pegou pela metade. Vou informar à ONO que sou um meio-ombudsman.


Para quem implica com esse nome estranho, de origem sueca, preferindo ouvidor, cabe aqui mais uma vez aquela breve explicação. Muitas empresas, públicas e privadas, têm ouvidores. Eles cumprem o importante papel de intermediar as relações dessas empresas com seus públicos, ou clientes, funcionando como facilitadores de informações e, em muitos casos, influindo no aperfeiçoamento da gestão em benefício da clientela.


Ombudsmans de jornalismo, em veículos de informação, também fazem isso – e algo mais. Eles manifestam suas opiniões nos próprios veículos, que lhes garantem espaço para os seus comentários e lhes asseguram total independência. Além disso, os ombudsmans de jornalismo têm mandato, em geral de dois anos, durante o qual não podem ser demitidos ou substituídos por outro profissional.


A TV Cultura me dá ampla, total e irrestrita liberdade de expressão. Descobri em Londres que, pelo mundo a fora, nem sempre é assim. Ouvi várias queixas de ombudsmans reclamando de pressões sofridas de parte da direção do veículo para o qual trabalham. Com certeza não é o meu caso. A direção da Cultura jamais interferiu no meu trabalho. O que escrevo, publico – sem intermediários. E nunca me pediram, nem sequer insinuaram, que deveria abordar esse ou aquele assunto, dessa ou daquela maneira.


Por que, então, eu sou um meio-ombudsman? Porque não expresso minhas opiniões no veículo para o qual trabalho – ou seja, na tela da TV Cultura. Meu espaço de manifestação é este aqui, nesta página escondida no site da Cultura. Eu não tenho nem cinco minutos semanais, na grade de programação da nossa TV pública, para dizer nela o que escrevo aqui. A Folha de S. Paulo tem um ombudsman por inteiro – ele publica sua coluna todos os domingos, no seu jornal. Não seria a mesma coisa se publicasse sua coluna apenas no site da Folha.


Não conheço a razão de a TV Cultura esconder o seu ombudsman. Ela nunca me foi explicitada. Suspeito que seja a mesma razão pela qual outros grandes órgãos da imprensa brasileira não seguiram o exemplo da Folha: horror à crítica e à autocrítica. A Cultura entrou para a história da televisão brasileira por sua iniciativa pioneira, o fato teve à época larga e positiva repercussão, mas ele não se consumou por inteiro. Não existe na programação da TV Cultura nem mesmo um aviso a respeito da existência do ombudsman, muito menos a divulgação do seu endereço eletrônico. Esta página sequer merece um link na home page do site da emissora. Mais escondido, impossível.


Sei que meus pares na Conferência da ONO não ficarão chocados. Se o mesmo acontecesse com o ombudsman do The New York Times, seria um escândalo. Mas, não nos esqueçamos, o Brasil e a TV Cultura habitam o Hemisfério Sul.’