Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Machado

‘Na sociedade contemporânea a imprensa constitui-se em um dos principais espaços para o debate democrático das questões que geram conflitos em seu cotidiano. A intolerância às diferenças é uma dessas questões. Dependendo da qualidade da cobertura da imprensa a sociedade pode ganhar ou perder em termos de consciência coletiva sobre os preconceitos que cultiva em seu seio. O poder da imprensa, enquanto instrumento para a formação de opinião, pode tanto ajudar a reforça-los quanto ajudar a destruí-los. A qualidade da informação qualifica o debate e pode ser decisiva para a superação das contradições que levam à hipocrisia coletiva.

O fato de uma estudante ter sido quase linchada por seus pares por se vestir e se expressar de maneira diferente do habitual entrou na pauta dos principais veículos de comunicação, principalmente depois que a aluna foi expulsa da universidade particular que a condenou por ‘atitude provocativa da aluna, que buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar’. A instituição ignorou nossa Constituição no que tange à liberdade de pensamento e de expressão.

A Agência Brasil apenas entrou no caso 17 dias depois de ocorrido o fato. O leitor Daniel Brisolara escreveu para esta ouvidoria: ‘Será que o assunto da forte hostilidade ocorrida na faculdade UNIBAN contra a aluna Geyse Arruda não seria um assunto importantíssimo? Visto que revela ainda o machismo, o sexismo de boa parte das pessoas, homens e mulheres. Com a decisão de expulsar a aluna a universidade acaba por desprezar por completo o texto encaminhado pela ministra Nilcea Freire dizendo que nenhuma justificativa: seja ela roupa, provocações, etc; serviria como justificativa para essa barbárie. E foi justamente em cima disso que os responsáveis pela UNIBAN a expulsaram. Caso claro de sexismo institucional.’

Até o dia 9 de outubro a ABr publicou cinco matérias e quatro notas repercutindo o assunto com especialistas, autoridades, entidades de classe e ativistas dos direitos humanos. Ao leitor respondemos que ‘concordamos que é um assunto importante e que foi abordado por diferentes ângulos pela Agência Brasil como ele pode constatar com a leitura das seguintes matérias: (relação dos links de todas as matérias)’.

A repercussão na mídia e a reação inicial da sociedade já surtiram os primeiros efeitos pois a universidade, vendo sua imagem empresarial prejudicada, reviu a decisão de expulsar a estudante. Esse pode ter sido um primeiro resultado desse debate que ainda não se aprofundou nas razões que levaram: a ‘turba’ enfurecida a reagir como reagiu e a universidade a punir a vítima e a acobertar seus agressores.

Dependendo da continuação dessa cobertura e da qualidade da informação que trouxer para a esfera pública a imprensa poderá proporcionar uma importante discussão sobre o caso, sobre os direitos envolvidos na questão e sobre as possíveis reações do Estado e da sociedade para superar o preconceito e a intolerância, ou para reafirmá-los como valores petrificados. O papel da universidade e suas funções sociais e constitucionais para com a democracia e a cidadania também precisam ser analisados à luz dos acontecimentos.

Para Geyse Arruda, a vítima, conforme designou uma das fontes ouvidas pela ABr, restarão os traumas e a lição por ter ousado. O fato é que, no Brasil do século XXI, ousar ser diferente ainda pode custar assédio moral, constrangimento, estupro, linchamento ou até mesmo a vida, como no caso do índio Galdino – queimado por jovens da classe média brasiliense por ser índio e dormir em praça pública à luz das estrelas. Até quando?

Até a próxima semana.’