Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paulo Machado

‘Na internet, o valor depende do local onde ela estiver publicada. Se for na página da Agência Brasil ela é gratuita. Gratuita? Não exatamente, pois a agência pública é mantida com o dinheiro do contribuinte, logo, todos os cidadãos pagam pela sua produção, publicação e manutenção na base de dados, podendo ser acessada livremente, por qualquer leitor, a qualquer tempo.


No entanto, se exatamente a mesma informação, for copiada e colada em um portal de notícias pertencente a uma empresa de comunicação privada, ela passa a ter um outro preço a ser pago pelo leitor – que indiretamente já pagou por aquela informação produzida pela agência pública. Esse preço inclui a assinatura mensal do portal + o aluguel dos olhos do leitor que é obrigado a ver dezenas de propagandas e chamadas publicitárias que ficam piscando sobre a notícia quando você acessa a página. Ou seja, essas empresas que vendem o olhar dos leitores para os anunciantes – tenho tantos mil acessos por hora e portanto cada centímetro quadrado de minha página custa tanto, dizem eles ao negociar com os anunciantes, tal como fazem com o tempo na televisão, no rádio e em outras mídias, apropriam-se de algo que não lhes pertence.


Aproveitando-se da ‘gratuidade’ da informação produzida pela agência pública, portais de notícias privados apropriam-se dela e a vendem como conteúdo para seus leitores e anunciantes, ou seja, privatizam a informação e ainda lucram com ela.


Indignado, o leitor Banto Palmarino escreveu para esta Ouvidoria: ‘ Curioso, estava eu procurando conteúdo sobre o Fórum Social Mundial em Belém e encontrei um com o título ‘Fórum Social Mundial Pan-Amazônico deve ser recriado’ na folhaonline e eu não posso copiar o conteúdo porque no rodapé está escrito: copyright Folha Online. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha Online. Embora o mesmo conteúdo tenha sido copiado do site da Agência Brasil que libera seu conteúdo com a licença Creative Commons Atribuição 2.5. Brasil, ou seja, a primeira não respeita os direitos autorais da segunda, que feio!’.


A Agência Brasil respondeu: ‘O leitor, no caso, pode usar a matéria da Agência Brasil.’


Não satisfeito o leitor pediu explicações ao ombudsman da Folha, que respondeu: ‘Caro leitor.


Agradecemos por sua mensagem a respeito da Folha Online. Esclarecemos que as atribuições do ombudsman se referem à sua versão impressa. Assim, tomamos a liberdade de encaminhar suas considerações para conhecimento e avaliação do editor da FOL, que responde: `O copyright é evidentemente sobre o conteúdo da Folha e da Folha Online. Se o material está assinado pela Agência Brasil já significa de antemão que não é nosso. Mas mesmo assim a página, a url () é de nossa propriedade’. Ou seja, a informação uma vez publicada na página eletrônica do Grupo Folha, passa a ser propriedade deles por estar ocupando espaço em sua página eletrônica.


Banto, agradecendo à atenção da Ouvidoria da ABr, concluiu: ‘creio que assim como esse artigo outros de vocês estão sendo violados. Se mandam prender pessoas do MST por causa de violação de propriedade, creio que esse é o mesmo crime’.


Já a BBC, agência pública britânica, mantida com o dinheiro dos contribuintes ingleses, tem outra postura quanto à reprodução de seu conteúdo. No artigo 4 das regras de uso ela estabeleceu que: ‘Todos os direitos de propriedade literária/artística, marcas, direitos de desenhos, patentes e os demais direitos de propriedade intelectual (registrados e não-registrados) dentro e no bbc.co.uk e todos os conteúdos (inclusive todas as aplicações) localizados no site permanecerão empossados na BBC ou nas entidades que lhe concedem autorizações (que incluem outros usuários). Você não pode copiar, reproduzir, republicar, desmontar, descompilar, executar engenharia reversa, baixar, postar, transmitir, comunicar, tornar disponível ao público ou usar os conteúdos do bbc.co.uk de qualquer outra maneira salvo para seu próprio uso não-comercial. Você também concorda em não adaptar, modificar ou criar uma obra derivativa de qualquer conteúdo do bbc.co.uk salvo para seu próprio uso não-comercial. Qualquer outra utilização dos conteúdos do bbc.co.uk precisa da autorização prévia por escrita da BBC.’ Ou seja, o seu conteúdo é livre para acesso e uso pessoal, mas o uso comercial depende de autorização expressa, por escrito.


Preocupados com a queda nos lucros, empresas de comunicação dos Estados Unidos da América, proprietárias de grandes veículos que geram conteúdos, criaram o Fair Syndication Consortium (consórcio por uma republicação justa, em tradução livre), em abril, que reúne mais de 1.500 empresas jornalísticas e tem como meta defender ‘uma economia de conteúdo on-line justo e aberto’.


Tal consórcio realizou um estudo que acompanhou 101 mil textos publicados por 157 jornais ao longo de 30 dias, entre 15 de outubro e 15 de novembro. Essa massa noticiosa deu origem a 112 mil reproduções na íntegra e 520 mil reproduções parciais em 75 mil sites que não tinham autorização para tal. Quem mais lucrou com a prática foi o Google, empresa que administrou 53% dos anúncios encontrados nas páginas com noticiário não autorizado, seguido de Yahoo!, com 19%, e Microsoft e Audience Science, com 5% cada uma. Embora o levantamento não calcule quanto as companhias noticiosas deixaram de ganhar com essa prática, outro estudo, feito em janeiro entre as 25 maiores empresas de mídia dos EUA, estima que esse grupo tenha deixado de faturar US$ 250 milhões com o uso indevido de conteúdo, diz o ‘Financial Times’.


Segundo matéria publicada pela própria Folha Online ‘Esse estudo vem a público num momento em que os grupos de mídia começam a se mexer contra o uso de conteúdo noticioso original, que tem custo alto e leva tempo para ser produzido, por sites que nada pagam por isso e lucram com anúncios veiculados junto das reportagens reproduzidas sem autorização. A ideia do Fair Syndication não é tanto impedir a reprodução dos artigos, e sim cobrar uma porcentagem de empresas como o Google, que lucram com ela. Isso ajudaria a pagar pela operação da apuração de notícias, que, no `New York Times`, por exemplo, custa mais de US$ 200 milhões por ano.’


Essa é a lógica do mercado: quando essas empresas, que vivem da venda de informação, são vítimas da reprodução de seus conteúdos, sem receber por eles, se organizam para dar um jeito e faturar algum em cima de quem os reproduziu, mas quando são elas que reproduzem conteúdos de outros, nada precisam pagar. Chamam isso de ‘uma economia de conteúdo on-line justo e aberto’.


Em face do exposto, caberia perguntarmos: ‘quem ajuda a pagar pela operação da apuração de notícias da EBC que custa mais de R$350 milhões por ano? O Sistema Único de Saúde, por exemplo, arrumou um jeito de ser ressarcido pelas empresas privadas quando presta atendimento médico a pessoas que pagam planos de saúde particulares.


Enquanto a EBC, empresa pública de comunicação, matem o conteúdo da Agência Brasil licenciado para reprodução gratuita, desde que citada a fonte, a indústria que explora a venda da informação, associada à autoridades reguladoras nacionais e internacionais como o Conselho Europeu de Publishers, lançaram em junho a ‘Declaração de Hamburgo’, para pedir leis que protejam o conteúdo dos textos jornalísticos. O documento foi endossado pela Folha e por outros jornais brasileiros.


Trazendo esse debate para suas páginas (*), com nítidos interesses na questão, a Folha ouviu a comissária da União Europeia para Sociedade de Informação e Mídia, Viviane Reding, responsável pela política de mídia do bloco, que declarou ‘Uma das questões mais complexas da sociedade da informação pelo mundo é como garantir modelos de negócios bem-sucedidos para a mídia em uma época de mudanças tremendas na tecnologia e no comportamento dos consumidores’.


Assim os leitores, referidos no debate apenas em sua dimensão de consumidores, são tratados como objeto a ser explorado por um ‘modelo de negócios’. Em nenhum momento os ‘especialistas’ e interessados, agentes do mercado da informação, levam em consideração o direito dos cidadãos de acesso universal, livre e gratuito à informação e ao conhecimento como bens imateriais da humanidade, concepção que justifica a existência dos veículos públicos de comunicação. Fazer valer esses direitos e tornar esses bens propriedade coletiva da humanidade é o grande desafio que se coloca neste momento histórico em que vivemos, pois só assim eles podem cumprir sua função social de nos levar a uma nova sociedade mais justa e igualitária.


Tratá-los como mercadoria de um comércio altamente lucrativo para um pequeno grupo de pessoas, pode ser um ‘modelo de negócios’ que está com os dias contados pois o valor da informação pode estar muito acima do que os ‘negociantes’ imaginam e podem pagar. Basta que os seus legítimos donos reivindiquem sua propriedade após séculos de expropriação. O comércio de escravos também foi um negócio legal e legítimo dos escravocratas, enquanto durou. Precisamos todos nos engajar em um novo movimento abolicionista que liberte a comunicação do trafico de informações e de conhecimento.


Até a próxima semana.


(*) – acesso exclusivo para assinantes: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0612200915.htm’