Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘O leitor Matheus Dalsente Krause chamou a atenção desta Ouvidoria para as informações veiculadas pela Agência Brasil por meio da notícia Agronegócio responde por 25% do PIB e um terço dos empregos, publicada no dia 04 de outubro de 2010.


Segundo ele: ‘É preciso prestar atenção à alguns detalhes nessa notícia. Tem se tornado um equívoco muito comum utilizar uma metodologia de cálculo inadequada para medir a participação de um determinado setor no PIB. Quem participou do debate sobre o Plebiscito Nacional sobre o Limite da Propriedade de Terra viu a Dr. Eliane Tomiasi desconstruir estes valores, mostrando como se dá a adição ao PIB das atividades industriais a jusante agropecuária e de parcela do valor adicionado das indústrias fornecedoras de insumos à agropecuária e do setor de serviços e distribuição, artifício normalmente usado para fazer inflar o valor do PIB de determinado segmento. Na prática o que acontece é que nesses 25% citados, foram incluídos muito mais do que os valores referentes à produção agrícola propriamente dita, como aqueles vindos das produções de madeira mobiliária, elementos químicos, indústria têxtil, artigos do vestuário e fabricação de calçados e de pneus. Outro equívoco, não menos grave, é utilizar o termo agronegócio, ao invés por exemplo de agropecuária ao se referir à participação do setor no PIB do país. No Censo 2006 pela primeira vez houve um caderno especial, referente à agricultura familiar. Não é preciso mais do que alguns minutos, e a análise de poucas tabelas para perceber a importância dos pequenos agricultores, os agricultores familiares, tanto na composição do PIB, como no fornecimento de alimentos na mesa do brasileiro. Este documento está disponível para download no site do MAPA, e sua leitura é de fundamental importância para qualquer um que queira se tornar um engenheiro agrônomo, por expor de maneira clara a realidade do campo brasileiro na atualidade.’


O leitor cita ainda o estudo ‘A participação do agronegócio no PIB brasileiro: controvérsias conceituais e propostas metodológicas’ (*) realizado por técnicos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, para justificar suas preocupações com o conteúdo da matéria da ABr.


A Agência Brasil respondeu ao leitor: ‘Favor informar ao leitor que a metodologia de cálculo para medir o PIB do Agronegócio, criticada pelo leitor, é a realizada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea), da Esalq/USP, e adotada como oficial pelo governo. Sim, os números não levam em consideração apenas a atividade agropecuária propriamente dita, mas tudo o que envolve o setor, como os insumos essenciais para a produção. Além disso, no que se refere à importância da agricultura familiar, ela é inegável, tanto que ela tem grande participação nesses números do agronegócio. A definição de agronegócio utilizada na matéria é aquela utilizada por fontes oficiais, que engloba dentro deste segmento três partes: os produtores rurais, sejam pequenos, médios ou grandes; a indústria e comércio que fornecem insumos (fertilizantes, defensivos, equipamentos) para a produção agropecuária; e os frigoríficos e outros distribuidores de alimentos que levam os produtos agropecuários até o consumidor final. Desta forma não vemos necessidade de ajustes à matéria publicada.’


Realmente a matéria não contem erros propriamente ditos, mas ela omite, por exemplo, a fonte das estatísticas que apresenta, alem de não esclarecer o leitor que os números são provenientes de apenas uma das formas de se quantificar o PIB do agronegócio, deixando de alertar que há outras que divergem substancialmente dos resultados apresentados, embora sejam tão ‘oficiais’ quanto essa.


Nas conclusões do estudo do IPEA sobre o tema encontramos as seguintes observações: ‘No entanto, seguindo a crítica presente no estudo do Banco Mundial, discutido no presente relatório, calcular o tamanho da contribuição do agronegócio ao produto nacional e a sua participação relativa no PIB, pela simples agregação ao agronegócio de todo o valor adicionado das atividades a ele relacionadas, acaba por superestimar a importância do PIB do agronegócio no PIB do Brasil. Ora, imagine o que ocorreria se vários outros setores da economia brasileira decidissem estimar a sua ‘real’ contribuição ao produto nacional agregando à atividade núcleo todo o valor adicionado das atividades a ela relacionadas. Com certeza, a posição do Brasil no ranking das maiores economias do mundo melhoraria substancialmente, porém, artificialmente. Isso ocorreria porque ao PIB de qualquer indústria pode ser atribuída a contribuição de vários setores de atividade’. (idem, página 19)


Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a participação de cada setor na geração da renda nacional é calculada da maneira tradicional, ou seja: Setor Primário, envolvendo agricultura e pecuária, participa com 5,2%; a Industria com 21,8% e o Setor de Serviços com 58,9%. Os restantes 14,0% são atribuídos aos impostos arrecadados pelo governo sobre os produtos e serviços gerados.


Na discussão levantada pelo leitor nota-se que há pelo menos duas formas de se calcular o chamado PIB do agronegócio e tudo dependerá do quanto o Setor Agropecuário se apropriará de riquezas geradas ou atribuídas aos demais setores da economia. Se tomarmos por base os cálculos para o ano de 2003, por exemplo, feitos por cada uma das duas metodologias separadamente, verificaremos que a diferença pode chegar a ordem dos dez pontos percentuais: 30,6% para o CEPEA e de 20,3% para o IPEA.


Para ilustrar as diferenças nos resultados de acordo com a metodologia adotada, podemos citar um trecho do referido estudo: ‘…enquanto no presente estudo [IPEA] apenas cerca de 45% do valor adicionado da atividade Celulose, Papel e Gráfica é considerado parte do PIB do agronegócio, representando aproximadamente R$ 10 bilhões, com a metodologia [da CEPEA] esse valor vai a mais de R$ 22 bilhões, uma vez que nesse caso todo valor adicionado da atividade é considerado PIB do agronegócio’. (página 18)


Isto significa, por exemplo, que se o leitor estivesse lendo esta Coluna num suporte impresso (jornal, revista) em vez de num meio eletrônico, todo o valor adicionado pela Editora da publicação seria acrescentado ao PIB do agronegócio, de acordo com os critérios da metodologia da CEPEA, enquanto apenas 45% deste valor seria acrescentado pelos critérios da metodologia do estudo dos pesquisadores do IPEA.


Por que um PIB do agronegócio?


Segundo os pesquisadores do IPEA:


‘Na medida em que os países se desenvolvem e o setor rural se moderniza, aumenta a integração intersetorial ao longo da cadeia de suprimentos entre as indústrias que ofertam para a agropecuária (insumos e equipamentos) e entre a agropecuária e a indústria de processamento, marketing e distribuição. Nesse processo, ocorrido nas últimas décadas, a agricultura brasileira deixou de ser um setor relativamente autônomo e independente dos demais, para inserir-se de forma muito mais profunda no sistema econômico. Em conseqüência, os limites entre agricultura, indústria e serviços são cada vez menos nítidos e vão, paulatinamente, perdendo relevância analítica. Hoje, talvez faça mais sentido analisar a economia seguindo a lógica das cadeias produtivas, que englobam as diversas etapas do processo produtivo.


Por essas razões, muitos pesquisadores têm buscado definir um conceito ampliado para a agropecuária, que incorpore essa nova realidade. Desde Davis & Goldberg (1957), autores que cunharam o termo agribusiness, a principal razão para essa busca é que ao tomar o conceito tradicional de setor primário, presente nas contas nacionais, por exemplo, subestima-se a real contribuição do setor ao produto nacional, emprego e renda, uma vez que se desconsidera a interdependência entre a agropecuária e os setores a montante e a jusante. Dessa forma, ao utilizar o termo agronegócio para se referir à ‘soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas; das operações de produção na fazenda; do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles’ chega-se a um conceito mais amplo da atividade agropecuária e abre-se a possibilidade de uma nova abordagem sobre papel desse setor na economia.’ (idem, página 2, Introdução)


Ao tentar marcar a importância de sua presença na economia nacional, o Setor Agropecuário, principalmente por meio da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, vem patrocinando estatísticas como as apresentadas pela CPEA. Suas intenções e seus interesses em influenciar nas políticas públicas para o setor não ficam claras na referida matéria, porém, a referência à possíveis modificações no Código Florestal Brasileiro deixam a pensar. Sabe-se que uma importante parcela dos produtores rurais encontram-se à margem daquela lei e inclusive já foram condenados a pagar multas significativas pelos danos ambientais que cometeram. O Setor vem tentando de todas as maneiras influenciar na revisão do referido código por parte do Congresso Nacional, contando inclusive com uma possível anistia pelos crimes outrora cometidos.


Os danos ambientais não entram na conta do PIB do agronegócio. Nem tampouco os gastos governamentais financiados pelos contribuintes para manter portos e estradas, cujo desgaste se deve em grande parte ao transporte das cargas cujo faturamento a CNA inclui nos cálculos do PIB do agronegócio. Neste e em outros segmentos da infraestrutura pública utilizados pelo agronegócio, os investimentos do governo entram no PIB através das atividades das empresas dos setores da Industria e de Serviços contratados para executar as obras, sem contudo aparecer na contabilidade da cadeia produtiva do agronegócio, a não ser pelo valor dos impostos (líquidos menos os subsídios) pagos pelos diversos componentes da cadeia. As cadeias produtivas representam uma nova maneira de enxergar e analisar a economia.


Toda cadeia, porém, precisa de ser estendida ao ponto onde seu real impacto seja devidamente dimensionado. No caso do PIB do agronegócio poderíamos debitar ainda o custo das degradações: do solo pelo seu uso intensivo; da biodiversidade pela monocultura; da qualidade da água, do ar e da saúde das pessoas pela contaminação com agrotóxicos. Do mesmo PIB caberia ainda debitar as riquezas e os empregos gerados pela Agricultura Familiar (disponível aqui) – já não está na hora dela ter seu próprio PIB?


Até a próxima semana.


Pesquisa: David Arthur Selberstein