Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Machado

‘O que motivou uma mensagem enviada pelo cidadão Paulo Timm para esta Ouvidoria foi uma entrevista com o professor Reinaldo Gonçalves, veiculada no jornal Notícias da Manhã, levado ao ar diariamente das 6h às 8h, pela rede de emissoras de rádio da Radiobrás. Segundo ele, a entrevista envolve um controvertido assunto relativo à política econômica do governo. Tendo em vista ter sido um comentário crítico à essa política seria oportuno, ao mesmo tempo, ouvir alguém do governo. O assunto será tratado no quadro Ouvidoria no Ar, no referido jornal, nesta sexta-feira (25).

No final de sua mensagem, Paulo Timm generaliza a crítica estendendo-a aos jornalistas da Radiobrás, comentando o seguinte: ‘O jornalismo econômico no Brasil foi uma das áreas que mais se desenvolveram e qualificaram nas últimas décadas tornando-se, até pelos seus veículos especializados, leitura obrigatória por parte de empresários, acadêmicos e políticos; mas isto exigiu qualificação dos profissionais de jornalismo; não se faz jornalismo econômico amadoristicamente. A Radiobrás deve qualificar melhor seus repórteres através de cursos especializados de economia para jornalistas afim de que conheçam melhor as questões envolvidas nas matérias e tenha profissionais capacitados para explicá-las.’

Enviamos essas críticas e recomendações do cidadão para o Departamento de Rádio, mas também enviamos para a Agência Brasil, onde estão lotados os repórteres responsáveis pela produção das notícias veiculadas pelas rádios da empresa.

A Agência Brasil respondeu: ‘entendemos que são muito pertinentes as observações sobre o jornalismo econômico praticado pela Radiobrás. Nosso objetivo sempre foi traduzir para o cidadão os termos e as visões econômicas mais diversas, apresentando as divergências existentes na área. Para isso, temos recorrido a uma série de entrevistados qualificados. Entretanto, de fato, na economia não basta um especialista qualificado, mas também um jornalista qualificado, capaz de revidar argumentações com perguntas pertinentes e, também, capaz de traduzir para a linguagem comum o ‘economês’. Diferentemente de veículos especializados, o público alvo da ABr é todo cidadão brasileiro. O desafio, portanto, é também levar a ele as discussões teóricas mais profundas, sob uma linguagem clara e precisa. No final do ano passado e já em 2007, por exemplo, fizemos algumas séries sobre Execução Orçamentária e Entenda o Orçamento, inclusive com infográficos. A Agência Brasil também busca, na medida do possível, capacitar seus jornalistas nos temas de cobertura. Os jornalistas já participaram de seminários relacionados às discussões do Orçamento e Dívida Pública, entre outros.’

Esta Ouvidoria estendeu sua análise sobre o tipo de jornalismo que cobre política econômica, a que o cidadão se refere, em notícias do rádio e também em matérias da Agência Brasil, uma vez que são os mesmos profissionais que produzem para os dois veículos.

Na Agência, foi publicada em 27 de abril uma matéria sob o título: Daqui a pouco ninguém mais vai falar em juros, diz Mantega. Ela começa com uma declaração do ministro da Fazenda dizendo que a inflação nunca esteve tão sólida e controlada e que, por isso, ‘não há razão para grandes preocupações com a taxa básica de juros’.

Quantos leitores sabem qual é a relação entre inflação e taxa de juros? Se não sabem, na matéria citada não há explicação alguma que desvende esse mistério. E a matéria continua com mais uma declaração de Guido Mantega: ‘Daqui a pouco ninguém mais vai falar em juros, porque vão caminhando para sua posição correta’. A informação de como a discussão sobre os juros vai desaparecer não está na matéria. Quais são os fatores que justificam a afirmativa do ministro?

Solta, no meio da mesma matéria está o seguinte período: ‘A taxa Selic está em 12,5% ao ano. No último dia 18, caiu 0,25 porcentual, sem viés’. Não se sabe por que esse período está lá. O que significa ‘0,25 porcentual’? Essa medida, que não existe em estatística, em matemática ou em qualquer ciência conhecida na atualidade. E o ‘sem viés’? Viés, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Francisco Vieira Bueno, significa oblíquo, de lado, torto e só se usa na expressão de viés ou para formar o vocábulo enviesar. Assim, empregado da maneira que está na frase acima, o termo é praticamente desconhecido na língua portuguesa. Mas talvez a matéria esteja escrita na língua ‘economês’, a que a resposta da Agência para o leitor, se refere.

A matéria prossegue com outra afirmação do ministro que clama por uma explicação: ‘Para ele, a taxa de juros não atrapalhará a produção, e sim estimulará’. Como se dará isso o jornalismo econômico não informa. Faltou estabelecer qual é a relação entre a taxa de juros e o investimento na produção.

Como essa, as matérias da Agência Brasil sobre temas de política econômica, geralmente, não conseguem traduzir o ‘economês’. Os exemplos de séries sobre Execução Orçamentária e Divida Pública, citados na resposta ao cidadão, são exceção, e não a regra. Outra exceção digna de destaque são as matérias produzidas nas últimas semanas para explicar as quedas diárias na cotação do dólar. Nessas matérias a Agência conseguiu inovar, principalmente ao procurar fontes de informação diferentes daquelas que geralmente costumam opinar em suas matérias sobre política econômica. As pessoas consultadas explicaram, didaticamente, como o preço da moeda americana pode variar em função de diversos fatores, internos e externos à nossa economia. Tudo isso falado e escrito mais em português do que em ‘economês’.

Já comentamos em outras colunas como a linguagem pode apartar o cidadão dessa discussão. Os temas econômicos não conseguem chegar ao cotidiano da cidadania, não por não serem importantes ou por não mexerem com a vida das pessoas, mas por não serem traduzidos para uma linguagem acessível, por não serem apresentados dentro do contexto do dia-a-dia, por não apontarem nenhuma perspectiva visível.

Será que o jornalismo econômico realmente se desenvolveu, como afirma o leitor, ou se enclausurou em uma redoma de acesso restrito a empresários, acadêmicos e políticos que conversam entre si observados por jornalistas que anotam suas declarações e as reproduzem nas matérias?

A informação é fonte de poder à medida que permite ao cidadão tomar decisões. Sem informação o cidadão não toma decisões ou decide de maneira equivocada. Às vezes, até mesmo contra seus próprios interesses. Sem compartilhar as informações, empresários, acadêmicos e políticos também não precisam compartilhar o poder de definir quais rumos a economia deve seguir. Isso tem sido mostrado pela história nas últimas décadas.

Segundo o Manual de Jornalismo da Radiobrás, na base de tudo está o direito à informação. ‘A idéia é muito simples, vem das utopias democráticas do século 18: informar-se é direito de todos. Está escrito no Artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 26 de agosto de 1789: ‘A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem’. A informação só é um direito do cidadão porque, na democracia, todo poder emana do povo e em seu nome é exercido – e é para delegar o poder que o cidadão tem o direito de estar bem informado’. E eu acrescentaria: inclusive sobre os assuntos econômicos.

Para o jornalismo da Radiobrás, a informação deve ser oferecida igualmente a todos, de modo claro, impessoal, preciso, sem direcionamentos, sem interesses ocultos. Ou seja, sem nenhum tipo de viés. Com certeza, a democracia agradecerá.

Até a próxima semana.’