Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘Na Coluna do Ouvidor de 15 de junho de 2007, intitulada ‘Por trás dos números há seres humanos’, tratei da demanda da leitora Carolina Bonando sobre a divergência entre o preço de mercado que ela pagou pela primeira dose da vacina contra o vírus HPV e a portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que estabelecia um preço máximo para o medicamento. Naquela coluna formulei uma série de questões, com base no depoimento da leitora, que as matérias da Agência não respondiam, como: a empresa pode estabelecer o preço que quiser para o medicamento? Ou será que o processo [na Justiça] já tramitou e por isso o laboratório iniciou sua comercialização pelo preço de R$ 590, pago pela leitora? Com base nas declarações dela ainda podemos perguntar: para que serviu a decisão da Anvisa sobre o preço da vacina se o mercado não a respeita?

Também levantei outras questões depois da análise das 12 matérias produzidas pela Agência até aquela data: é uma epidemia? O que representa o fato de a doença atingir 12 milhões de brasileiros neste momento? Como a doença chegou a esse número de infectados? Como a sociedade pode participar desse debate, em que se discute se o governo deve ou não disponibilizar gratuitamente uma vacina? E as outras formas do vírus HPV contra as quais a vacina não imuniza? O que está sendo feito para combatê-las?

Após a publicação da referida coluna, foi a vez de a Associação Brasileira de Imunizações se manifestar alertando para incorreções tanto de informação na tabela da Anvisa, quanto de interpretação da portaria por parte da Agência Brasil, reproduzidas também nesta Coluna.

A partir daí, o jornalismo aprofundou a apuração sobre o assunto. O resultado das apurações foi publicado em três matérias no dia 9 de julho. Nessas matérias, a Anvisa, procurada pela reportagem, não só corrigiu a informação sobre o valor da vacina contra o vírus HPV, acrescido do devido imposto de circulação de mercadorias como também admitiu que sobre esse valor, pode ainda incidir os serviços prestados pelas clínicas particulares de imunização.

A Agência Brasil fez um levantamento em 11 clínicas particulares de vacinação em sete estados do país e divulgou o resultado da pesquisa orientando o consumidor sobre os preços máximos e mínimos encontrados e recomendando que o usuário pesquise antes de comprar o medicamento.

Outra informação importante para o cidadão que consta nessas matérias são os contatos para que o consumidor que se sinta lesado denunciar o fato à Ouvidoria da Anvisa.

A política pública, ou melhor, a sua ausência, também foi debatida pelas fontes ouvidas nas matérias. Assim, o leitor pode saber que, segundo a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), não há prazo para a distribuição gratuita do medicamento nas redes públicas de saúde, mas que o assunto está na pauta de discussões entre o Ministério da Saúde, a Anvisa e a bancada feminina do Congresso Nacional. As parlamentares já formularam um projeto de lei que obrigará a distribuição do medicamento nos postos do Sistema Único de Saúde (SUS), se aprovado.

O fato é que o depoimento da leitora, acrescido dos esclarecimentos de uma entidade da sociedade civil, conduziu o jornalismo a buscar as informações necessárias para orientar o cidadão em seu processo de tomada de decisões. O foco no cidadão significou tratá-lo também como protagonista da história.

Nessa parceria, todos saem ganhando, o debate público enriquece, a qualidade da informação melhora e a comunicação completa seu ciclo, fazendo do receptor emissor de informação sobre sua realidade cotidiana.

Mas a história não acabou. O processo histórico em curso ainda tem muita coisa para ser decidida e cabe a Agência continuar aprofundando a apuração.

O governo vai assumir a responsabilidade pela distribuição do medicamento gratuitamente nos postos dos SUS, imunizando a população que corre o risco de se contaminar? Como andam as pesquisas das vacinas para combater os outros tipos de vírus HPV? Como fica a questão das patentes sobre esses medicamentos? A imunização continuará sendo um privilégio daqueles que podem pagar mil e tantos reais por ela? Quais são os custos sociais e econômicos para as famílias, para a sociedade e para o governo em manter milhões de brasileiros contaminados?

Esperamos que a leitora Carolina Bonando tenha conseguido tomar a segunda dose e que tenha recursos financeiros para tomar a terceira.

Até a próxima semana.’