Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘A política habitacional do governo divide-se em mais de uma dezena de programas que contemplam desde saneamento básico até urbanização de favelas, passando inclusive pelos programas de aquisição de moradia. Estes últimos, por sua vez, subdividem-se em inúmeros outros, de acordo com a origem dos recursos e o público a que se destinam. Geralmente, a cobertura da Agência Brasil sobre o assunto não consegue separar uma coisa da outra, generalizando o anúncio de ações e medidas do governo sem dizer efetivamente a quem se destinam e como o cidadão deve fazer para ter acesso a elas.

Indignado, o leitor William Eduardo escreveu para a Ouvidoria protestando contra o que ele chamou de ‘mentira pura’ sobre as notícias que tratam dos recursos de financiamento da casa própria para a população de baixa renda. Ele sugere que seja comparado o valor da mensalidade de um financiamento ao valor do aluguel na apuração que a imprensa deveria fazer para saber se grande parte da população tem condições de pagar uma prestação do dito financiamento habitacional para famílias de baixa renda.

Como já é de praxe nesse tipo de reclamação, a Ouvidoria fez uma análise das 47 matérias publicadas na Agência Brasil entre 26 de março e 6 de agosto sobre o assunto. A mais recente, especificamente sobre esse tipo de financiamento, é datada de 11 de julho.

Apesar de a matéria anunciar: ‘Famílias de baixa renda terão acesso a mais R$ 600 milhões do FGTS para compra da casa própria’, não há nela uma só linha que diga como as famílias terão acesso ao dinheiro. Mais parecido com um relatório técnico, o texto diz que os recursos ‘serão destinados à concessão de descontos nos financiamentos de habitação popular’. Descontos em quê? Se a matéria não fala como as famílias terão acesso ao financiamento como ela pode falar em descontos?

Ao dizer: ‘O objetivo, segundo o secretário executivo do Conselho, Paulo Furtado, é igualar a velocidade de gasto dos chamados recursos não-onerosos – que não são devolvidos ao governo – à liberação dos recursos para empréstimos, que serão reintegrados ao Fundo com o pagamento das parcelas’, a Agência esquece que do outro lado da tela do computador tem um leitor que eventualmente pode estar precisando dos ‘recursos onerosos’ para financiar sua casa própria.

O trecho: ‘As medidas vão melhorar a execução orçamentária, para que esses R$ 600 milhões sejam suficientes até o final do ano, sem precisar de mais nenhuma suplementação’, pode ser uma informação interessante para um auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), mas não para o cidadão.

A matéria ‘Famílias com renda de até cinco mínimos são maioria nos financiamentos de imóveis da Caixa’, publicada em 24 de maio, dá a impressão de que as famílias de baixa renda estão finalmente sendo atendidas pelos financiamentos da Caixa. Isso é apenas uma parte da verdade, pois a matéria não fala que dos 96,3% que ganham até cinco salários mínimos, beneficiados pelos financiamentos da Caixa Econômica Federal, 90,3% ganham até três salários mínimos. Portanto, a ‘maioria’ a que se refere o título da matéria são apenas aqueles que ganham entre três e cinco salários, ou seja, correspondem a menos de 6% do déficit habitacional e constituem uma ‘minoria’ frente aos outros 90,3%, que ganham até três salários, a verdadeira ‘maioria’, que, provavelmente, não tem salário para pagar as prestações.

No dia 30 de março, em minha segunda Coluna do Ouvidor, ‘Dá para comprar casa própria?’, tratei desse assunto. Dois dias depois, a Agência Brasil conseguiu apurar com o Ministério das Cidades e com a Caixa Econômica Federal que havia oito linhas de financiamento para a casa própria, que poderiam, potencialmente, contemplar pessoas de baixa renda. A matéria intitulada ‘Famílias com renda de até cinco salários têm oito caminhos para melhorar habitação’, publicada em 2 de abril, foi um avanço em relação ao que se havia publicado até então.

Mas, apesar do avanço, nesses últimos cinco meses a cobertura voltou a tratar do assunto prioritariamente do ponto de vista do governo. Dentre outras 47 matérias publicadas no período, apenas 12 tratam da questão dos financiamentos para média e baixa renda.

Apesar de nenhuma conseguir desvendar os caminhos que o dinheiro percorre entre Brasília e o cidadão, passando pelos inúmeros tipos de intermediários, como: agentes financeiros, construtoras, cooperativas, estados e municípios, elas conseguiram dar pistas de onde se localizam os principais entraves para que as políticas públicas se realizem na prática.

Uma delas, ‘Municípios já podem apresentar projetos para ter acesso aos recursos do PAC para moradia’, publicada no mesmo dia da Coluna do Ouvidor, 30 de março, dizia: ‘Apesar de os recursos já estarem à disposição nos cofres do governo para programas de moradia, muitas prefeituras de pequeno e médio porte enfrentam problemas na hora de elaborar o projeto: não contam com recursos, nem pessoal capacitado para a formulação das peças técnicas’.

Enquanto não conseguir desvendar os mistérios da política habitacional do governo, a Agência Brasil provavelmente continuará recebendo demandas do público para que o faça. Cidadãos indignados como William Eduardo continuarão a protestar com afirmações como: ‘O que vejo hoje são veículos de informação prestando serviço de desinformação’, ou com declarações como: ‘Ainda acredito na liberdade de imprensa, mas liberdade de imprensa não para mostrar o que quer, mas sim o que deve’.

E as reclamações do leitor já produziram algum resultado. A Agência Brasil se comprometeu a direcionar o foco de sua cobertura sobre o acesso das populações de baixa renda às políticas habitacionais do governo.

Até a próxima semana.’