Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘A sociedade contemporânea se torna cada dia mais complexa. Essa complexidade se traduz em opções para o ser humano se alimentar, vestir, locomover, informar ou até mesmo se divertir. Para o cidadão fazer as escolhas necessárias a cada momento, é preciso que tenha informação.

As informações são tão complexas quanto a realidade que elas retratam. Ao jornalismo compete buscar no Estado, no governo e na sociedade essas informações, organizá-las em forma de notícias e servi-las ao público para que tome decisões. Foi isso que a Agência Brasil fez no caso da reportagem multimídia sobre o ´Consumo consciente` que pode ser acessada na seção de Grandes Reportagens.

No caso dos organismos geneticamente modificados (OGMs), genericamente chamados de transgênicos, essa informação se torna vital, literalmente falando, pois o que está em jogo é o direito à vida, à segurança alimentar e a um meio ambiente equilibrado.

Há pouco mais de 50 anos o brasileiro médio se alimentava de arroz, feijão, carnes, frutas e verduras, tudo in natura. Praticamente não existiam comidas congeladas ou industrializadas. E muito menos alimentos preparados com ingredientes geneticamente modificados.

A população continua contando com o bom e velho jornalismo para se informar sobre o que faz bem ou faz mal à saúde ou ainda sobre o que se descobriu ou falta descobrir a respeito de determinado alimento, forma de preparo ou uso de ingredientes modificados. Muitas dessas informações deveriam estar nos rótulos dos produtos, mas ainda não estão por razões diversas, apesar de a Lei de Biossegurança* obrigar os fabricantes a fornecer esses dados.

Mas será que o jornalismo se preparou para acompanhar o ritmo das inovações e a complexidade da sociedade de consumo pós-industrial?

As expressões utilizadas no título desta coluna e os respectivos conceitos que as envolvem foram cunhados nas últimas décadas – também não existiam há 50 anos atrás. Seu significado ligado à vida (bios, em grego), reflete a complexidade que ela atingiu na sociedade contemporânea desde que o homem resolveu modificar as cadeias genéticas das espécies originadas há milhões, bilhões de anos pela natureza em equilíbrio.

Essas formas de vida, transformadas pela ação científica do homem, disputam espaço, tanto nas prateleiras do supermercado, quanto nas cadeias alimentares das diferentes espécies que ainda sobrevivem.

Ao Estado compete regular e fiscalizar essas transformações genéticas promovidas por empresas ligadas ao fornecimento de insumos para a agricultura e ao setor de alimentos. Ao jornalismo cabe informar sobre as pesquisas, a regulação, a fiscalização e as possíveis conseqüências para o homem e para meio ambiente, proporcionando ao cidadão condições de participar desse debate e tomar decisões.

Para participar desse debate, o cidadão precisa se apropriar dessa linguagem biológica, entender o significado e os conceitos e, principalmente, os interesses econômicos e políticos que envolvem a questão. Com exceção de alguns poucos grupos de ambientalistas, de cientistas e de gestores públicos, observa-se que a sociedade tem se mantido e vem sendo mantida apartada dessa discussão.

Não cabe no espaço, nem nos objetivos desta coluna, discutir os motivos por que as coisas estão acontecendo dessa maneira e não de outra. A questão aqui é como o jornalismo da Agência Brasil vem cobrindo o assunto para possibilitar a inclusão do tema na agenda da cidadania.

O Estado brasileiro vem criando uma multiplicidade de leis e de órgãos, muitos deles disputando entre si competências e responsabilidades para regular e fiscalizar o assunto. Esse foi o caso que envolveu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) a respeito da consulta pública realizada pela Anvisa para estabelecer normas e procedimentos de fiscalização do uso de organismos geneticamente modificados e seus impactos na saúde humana. O fato foi retratado na matéria Regulamento da Anvisa sobre transgênicos será documento consultivo, publicada em 10 de agosto.

Mas, se a cobertura tem obtido êxito em noticiar os fatos desse processo, a sua contextualização tem deixado a desejar no que tange mostrar as relações entre os diversos protagonistas e os interesses que os motivam ou que defendem.

Reportar opiniões de um lado e de outro envolvidos na disputa é importante, mas explicar em que contexto essas opiniões se inserem é fundamental para que o cidadão forme a própria opinião.

A cobertura da Agência Brasil sobre transgênicos tem refletido as controvérsias entre os grupos representantes das indústrias de insumos agrícolas, produtoras de sementes transgênicas e agrotóxicos e os ambientalistas nas decisões tomadas pela CNTBio sobre a liberação de variedades geneticamente modificadas para consumo humano e animal. O episódio mais recente retratado pela Agência envolveu a liberação comercial da primeira variedade de milho transgênico pela CNTBio.

As matérias não contêm nenhuma referência mais específica às pesquisas nas quais a CTNBio baseou a avaliação da biossegurança do plantio do milho transgênico Liberty Link. A reportagem se limitou a colher as opiniões pessoais dos técnicos e dos representantes das partes interessadas como se houvesse apenas dois lados na questão.

Foram publicadas 104 matérias desde julho de 2006 até agora. Algumas das dificuldades em tratar do tema puderam ser verificadas no dia 8 de outubro, quando foi publicada a seguinte errata:

´As matérias ‘Comissão de biossegurança libera milho transgênico’, ‘Aprovação de milho transgênico ainda precisa da ratificação do Conselho Nacional de Biossegurança’, ‘CTNBio aprova nova liberação de milho transgênico para venda no país’ e ‘Comissão de biossegurança libera terceiro tipo de milho transgênico’, publicadas respectivamente em 16 de maio (as duas primeiras), 16 de agosto e 20 de setembro, permaneceram com uma informação errada até as 20h44 de hoje (8). As matérias identificavam equivocadamente o órgão pelo qual passam as decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Trata-se do Conselho Nacional de Biossegurança, e não do Comitê Nacional de Biotecnologia. A correção foi feita a partir de contato de leitor com a Ouvidoria da Radiobrás.´

A mensagem do leitor André Soares Oliveira, que deu origem à correção do erro, foi a seguinte: ´Devo registrar alguns erros nas notícias da Agência Brasil sobre os transgênicos. Uma vez aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), eles seguem para ratificação pelo Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que é o órgão formado pelos ministros e presidido pela Casa Civil. O Comitê Nacional de Biotecnologia não tem nada a ver com esse processo. Gostaria que vocês corrigissem as notícias e tomassem conta desse detalhe importante.´

Se até os jornalistas têm dificuldades em utilizar nomes, siglas e conceitos, imaginem o cidadão. Todavia, a complexidade do tema não pode ser uma desculpa para que ele não seja devidamente esclarecido. É necessário um esforço muito maior do que o feito até agora para conseguir aprofundar a apuração dos fatos e dos interesses que estão por trás deles, traduzir os conceitos e incluir a população nesse debate. Esse é o desafio que se coloca neste momento para os profissionais da Agência Brasil. Talvez, para dar conta do assunto com a atenção e a importância que ele requer, seja necessária, até mesmo, certa especialização dos profissionais e das estruturas de produção do jornalismo.

Até a próxima semana.

(*) A Lei da Biossegurança pode ser acessada em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm e o decreto que a regulamentou em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5591.htm

Participe do 3º ENCONTRO REGIONAL DE OUVIDORIAS PÚBLICAS – REGIÃO SUL –

´A Construção da Ouvidoria Pública no Brasil´, que se realizará nos dias 25 e 26 de outubro de 2007, em Porto Alegre.

Mais informações: http://www.cgu.gov.br/Eventos/Ouvidoria_Sul/Index.asp