Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Machado

‘O leitor Claudio Lauro escreveu protestando sobre o conteúdo de nossa ultima coluna: Como se constrói um preconceito: toque de recolher para a juventude. Segundo ele ‘Aqueles que são contra não têm argumentos ou os argumentos são muito fracos ou até desviam o foco. Por acaso, uma criança ou um adolescente pode, caso queira, ficar até a hora que quiser na rua? O menor tem direito de ir e vir, fazer o que quiser? Oras, não é a própria lei que diz que o menor de idade NÃO É RESPONSAVEL POR SI MESMO? Não é a própria lei que diz que o menor NÃO RESPONDE POR SEUS ATOS? Então, que direito de ir e vir é esse? Só um exemplo: o que uma criança ou adolescente, em idade estudantil vai fazer na rua durante a semana após a meia-noite? O TOQUE DE RECOLHER vai acabar com a criminalidade? Claro, que não. NADA vai acabar com a criminalidade. Sempre haverá nas sociedades a criminalidade. Esta é uma norma com o objetivo de educar, de dar limites às crianças e adolescentes, já que estes NÃO respondem por seus atos. A função de educar os filhos não é só dos pais, mas também da sociedade como um todo. A princípio, se inicia em casa, mas a escola e o convívio em sociedade vão educando os jovens que têm que se adequar às leis e às normas existentes. Causa-me muita estranheza órgãos que dizem defender crianças e adolescentes irem contra o TOQUE de RECOLHER. Sabemos hoje, que na maioria das famílias os pais não conseguem impor limites aos jovens. E, por isso, os perigos estão todos aí nas ruas. Drogas, assédios, assaltos, maus comportamentos etc. Um menor de idade deve, sim, ter horário pra chegar em casa, e esta lei vem pra contribuir pra que isso aconteça. Crianças e adolescentes devem ter proteção dos pais e do Estado. O Toque de Recolher é uma ótima iniciativa, mais 90% dos pais são a favor. E isto é o que deveria importar mais. O lugar de jovens à noite é a sua casa. É chegar em casa cedo, ter mais convívio com os pais, dormir cedo para enfrentar com disposição o dia de aula seguinte.’

Quanto às considerações do leitor achamos importante salientar que em nenhum momento esta Ouvidoria se posicionou a favor ou contra a determinação judicial, pois não é nossa função emitir opinião. Apenas nos limitamos a analisar a forma como o assunto foi abordado pela Agência Brasil e a possibilidade das informações estarem induzindo o leitor a tomar partido a favor da medida, uma vez que não foram ouvidas fontes que contextualizassem o assunto de forma mais ampla, dentro dos preceitos constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. Procuramos também ressaltar a responsabilidade da mídia em geral ao conduzir esse debate, podendo, eventualmente, contribuir para a construção de um preconceito social contra a juventude.

Por outro lado, o leitor fornece em sua mensagem argumentos que justificam a razão de nossa pergunta sobre o papel do Estado e da sociedade na educação dos jovens: ‘Uma dentre outras numerosas possíveis abordagens da questão por uma agência pública de notícias seria verificar como anda a execução das políticas públicas para a infância e adolescência nos municípios citados nas matérias. Afinal, a medida do juiz também não deve ser interpretada como um indicador de que elas falharam e de que o Estado está desistindo de educar e prevenir a violência, preferindo punir indiscriminadamente?’.

Cabe ainda lembrar ao leitor que, se o jovem não é responsável por seus atos perante a lei, isso não significa que seus direitos fundamentais de cidadão não devam ser respeitados, pois perante a mesma lei, somos cidadãos desde que nascemos.

‘Piratas’ da Somália

A leitora Vera Rubia Nunes enviou uma mensagem perguntando: ‘Será que esses piratas são mesmo o que os ingleses pintam?’, referindo-se à matéria Navio ucraniano saído do Brasil é seqüestrado por piratas somalis, publicada no dia 3 de maio. Apesar de a EBC manter correspondente no Continente Africano, a notícia foi elaborada com base em informações fornecidas pela BBC Brasil. Além da agência britânica, a quase totalidade da cobertura da mídia sobre o assunto é pautada por agências noticiosas internacionais como Reuteurs, Associated Press, AFP, France Presse e a espanhola EFE.

Ou seja, as visões eurocêntricas e norte-americanas prevalecem e abordam a questão do ponto de vista dos interesses dessas nações. Essas agências tratam os somalis como ‘piratas’, bandidos e terroristas que atrapalham o comércio internacional ao sequestrarem navios que passam pela região. Os motivos para proceder desta maneira não são esclarecidos.

No entanto, um repórter do jornal inglês The Independent, publicou uma matéria (*) em janeiro deste ano dando conta de algumas razões para os ataques somalis. Ao ouvir o outro lado da questão, coisa que a mídia em geral não se preocupou em fazer, ele apurou que os protestos são uma resposta ao fato de navios estarem despejando lixo atômico, químico e industrial de empresas européias e norte-americanas nos mares daquele país, além de terem suas águas territoriais invadidas por grandes barcos pesqueiros de outras nações, que sugam e destroem a fauna marítima, principal fonte de sobrevivência de milhares de pescadores artesanais.

Sobre o assunto, com um pouco de paciência e busca pudemos localizar o artigo(**) Somália: A Armada não É Solução publicado num site somali, dando conta da situação política e econômica daquele país, que vive em guerra civil há 18 anos. Além de mostrar as dificuldades por que passa o Estado, administrado por um governo provisório, o artigo levanta dúvidas sobre a legitimidade dos governantes para tratar dessa e de outras questões relativas à soberania nacional: ‘Contudo, exceto alguns poucos veículos (por exemplo, a rede CBC TV do Canadá), nenhum jornal ou jornalista está investigando para informar as verdadeiras causas que se ocultam na pirataria na Somália. Entre essas causas nunca investigadas pelos jornais e jornalistas estão o fracasso do Estado, a pesca ilegal, os depósitos clandestinos de lixo nuclear, a miséria e outras e outras.’

Portanto, entendemos que o fato de haver outras versões, diferentes da apresentada pela BBC Brasil, motivou a pergunta da leitora sobre a notícia da Agência Brasil.

Dia do Trabalho ou do Trabalhador?

A leitora Tânia Mara, professora, enviou a seguinte mensagem: ‘Ouvidor, por favor faça uma avaliação da cobertura do Dia Internacional do Trabalhador. Que a mídia comercial queria apagar dos corações e mentes dos trabalhadores que o dia é nosso – da classe trabalhadora e não da classe burguesa, queira dizer que é Dia do Trabalho, que o dia é para comemorar o ‘trabalho’ e não um dia para ‘reafirmar a luta dos trabalhadores’, nós até entendemos. Mas que uma agência pública de comunicação faça isso é prejudicar o entendimento dos cidadãos e simplesmente ignorar que a sociedade é dividida em classes.’

Atendendo ao pedido fizemos a análise da cobertura e uma pergunta nos veio à mente: no próximo domingo, dia 10 de maio, comemoraremos o Dia das Mães ou o Dia da Maternidade?

A ABr publicou 15 matérias entre os dias 28 de abril e 3 de maio utilizando 18 vezes o termo Dia do Trabalho, três vezes Dia do Trabalhador, e ainda Dia Internacional do Trabalhador, três vezes. Nenhuma das formas é oficial, pois na relação de feriados divulgada pelo Ministério do Planejamento o termo correto seria Dia Mundial do Trabalho.

Lembramos que, durante a ditadura, os militares trabalharam duro no sentido de descaracterizar a data como um dia de protesto e de reflexão sobre as condições de vida da classe trabalhadora, sentido este ao qual a leitora se referiu, e que, ao que parece, também foi esquecido pelas entidades sindicais desde a década de 90. Um sintoma disso não seria o fato de transformarem as manifestações em shows com artistas famosos e sorteios de variados prêmios para quem comparecesse aos atos? Não seria esse também um sintoma de falta de legitimidade dos sindicatos para mobilizar os trabalhadores em torno de seus reais interesses de classe? Apesar da ausência desse contexto na cobertura da ABr, a falta de um conteúdo mais substancial talvez deva ser atribuído ao próprio esvaziamento e transfiguração do sentido da data promovidos pela liderança sindical com eventos muito mais folclóricos do que reivindicatórios, muito mais de entretenimento do que de reflexão e protesto.

Talvez a leitora provavelmente esperasse encontrar na cobertura da agência pública não somente os fatos, a cobertura da efeméride, mas o processo histórico da luta da classe trabalhadora, lembrando o verdadeiro sentido da data e que promovesse o debate sobre os possíveis ‘desvios’ ou mudanças de rumo, cumprindo com sua função e contribuindo para formar cidadãos críticos.

Na matéria Dia do Trabalho é comemorado com manifestações culturais e políticas pelo país, a Agência Brasil informava que: ‘No Rio de Janeiro, o ato unificado entre seis centrais sindicais será realizado na Quinta da Boa Vista, a partir das 10h. Além dos shows de Beth Carvalho, Diogo Nogueira e Dudu Nobre, também haverá uma manifestação política promovida por sindicatos filiados, dirigentes e militantes.’

Recorremos então à matéria Rio comemora Dia do Trabalho com samba e cidadania, que deveria dar conta da ‘manifestação política’ citada na notícia acima. O que encontramos foi o seguinte: ‘O 1º de Maio no Rio de Janeiro é comemorado com atividades de lazer e serviços gratuitos à população. Os jardins da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, antiga residência da Família Imperial Brasileira, serviram de palco para uma série de ações culturais e de cidadania. Quem participou da festa pôde tirar documentos, concorrer a vagas de empregos, consultar saldos do seguro desemprego e abono salarial em estandes do Ministério do Trabalho e Emprego. A tenda com sessões gratuitas de massagem era uma das mais requisitas, mas o estande mais procurado durante todo o dia foi o de encaminhamento para 2 mil vagas de emprego.’ Portanto o leitor ficará sem saber se os trabalhadores desistiram da ‘manifestação política’ ou se foi apenas a ABr que desistiu de noticiá-la.

Será que, neste momento, em que atravessamos uma crise mundial do sistema capitalista e das relações capital-trabalho, a data não deveria servir para a classe trabalhadora rever seu papel, revisitar a história das festividades e sua responsabilidade na gestação da crise, seja por ação ou, principalmente, por omissão? Nos últimos 20 anos parte do empresariado cumpriu seu papel, concentrando renda, acumulando capital e especulando no mercado financeiro. E a classe trabalhadora? Essas são apenas algumas das possíveis perguntas para as quais a ABr poderia ter buscado respostas, permitindo aos seus leitores conduzirem o debate.

Em resposta à leitora a Agência Brasil disse: ‘Sobre o comentário da leitora, mandamos abaixo os links do material publicado no dia 1 de maio. Também seguem os links de um material publicado no dia 2 de maio. Por último, está o link de entrevista com o sociólogo Ricardo Antunes, veiculada no dia 25 de abril, uma semana antes do Dia do Trabalho. Recomendamos ainda à leitora uma visita à série Crise: o que Fazer’, na qual mostramos como várias regiões do país estão enfrentando os efeitos de crise internacional.’

Até a próxima semana.

(*) – Johann Hari: Estão-nos mentindo sobre os piratas, The Independent, UK, 5/1/2009

(**) – Muuse Yuusuf: Somália: A Armada não é solução. Ver também, com informação sobre o mesmo assunto, ‘Piracy in Somalia: An Act of Terrorism or a Territorial Defense Mechanism?’, WardheerNews, Editorial, 7/12/2008, em http://wardheernews.com/Editorial/editorial_54.html’