Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘A Agência Brasil segue utilizando em suas matérias a expressão ‘gripe suína’. Em 12 de maio a leitora Aline Serra, produtora da TV RBA, protestou: ‘Vocês ainda estão usando gripe suína, quando o termo correto, agora, é Gripe A.’ Em 18 de maio, foi a vez do leitor Marcelo Guazzelli perguntar: ‘Reparei que vocês continuam chamando de ‘gripe suína’. O termo recomendado pela OMS não passou a ser ‘gripe A, (H1N1), nova gripe’ ou coisa parecida?’

Para ambas as demandas a resposta da Agência Brasil foi a mesma: ‘Continuaremos a usar a terminologia ‘gripe suína’ adotada inicialmente pela OMS para facilitar a comunicação, em função do alerta feito pelas autoridades mundiais sobre a gravidade da doença: uma mudança de nome poderia levar a muitos leitores a entender que se trata de uma nova doença, e para outros, a impressão de que a ‘gripe suína’ desapareceu.’

No entanto, se a Agência considerou válida a terminologia adotada inicialmente pela OMS para ‘facilitar a comunicação’, ela preferiu ignorar o fato de que, desde de 30 de abril, a Organização Mundial de Saúde havia decidido mudar o nome da gripe devido ao temor manifestado pelas indústrias do setor alimentício em face de uma queda nas vendas de carne suína e de defensores dos animais, preocupados com eventuais sacrifícios de porcos: ‘Estamos abandonando a denominação de gripe suína por gripe A (H1N1) porque o vírus está cada vez mais humano e cada vez menos tem a ver com o animal’, disse Dick Thomson, porta-voz da OMS.

Outras agências noticiosas informaram na mesma data que a Federação dos Veterinários da Europa (FVE) havia comunicado que o vírus ‘nunca foi detectado nos porcos’ e que, por isso, a doença deve ter o nome alterado para ‘nova gripe’.

Repercutindo a decisão da OMS, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes declarou: ‘Não há nenhum problema em se comer carne suína. A grande preocupação nossa é que se crie a ideia de que comer carne de porco faz mal, e não faz. Transmite a ideia de que é o suíno que transmite o vírus aos humanos, o que também não é verdade. Com certeza vou convidar o presidente da República, na próxima semana, para irmos a um restaurante ou fazermos um porco no rolete. Com certeza nós vamos fazer, ou então vamos consumi-lo na Embrapa’, informou a Folha Online em 30 de abril.

No mesmo dia, 30 de abril, a ABr se restringiu a informar na matéria OMS dá nome do vírus H1N1 à gripe suína, que: ‘A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou hoje (30) que vai deixar de se referir à doença provocada pelo vírus H1N1 como gripe suína e passará a chamá-la de gripe A (H1N1).’

Outra matéria, publicada logo em seguida: Começa campanha em aeroportos para prevenção contra gripe AH1N1 , dava conta de que: ‘A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começarão nesta sexta-feira uma campanha conjunta em portos e aeroportos para incentivar as pessoas a lavarem as mãos com frequência. A parceria pretende minimizar as chances de contaminação pelo vírus causador da gripe suína, rebatizada de gripe A (H1N1) pela OMS.’

Na matéria FAO defende consumo da carne de porco, publicada no mesmo dia 30, a Agência informava sobre uma das preocupações que levaram à mudança no nome da gripe: ‘Mesmo diante da elevação do nível de alerta, o representante no Brasil da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Tubino, faz coro com as autoridades que afirmam que o consumo da carne suína não representa ameaça à saúde da população. ‘É preciso evitar o pânico e efeitos econômicos desastrosos’, destacou Tubino.’. Tudo indicava que a ABr adotaria a nova nomenclatura, inclusive no título das matérias. Mas daí em diante, nas centenas de notícias sobre o assunto, a única exceção que encontramos, que respeitava a orientação da OMS, foi a matéria OMS mantém nível 5 de alerta de pandemia, mas adverte para risco de mutação do vírus H1N1, publicada em 18 de maio, que não falou em gripe suína e também não usou a expressão em seu título. Todas as demais notícias indicam que a Agência Brasil não se convenceu dos argumentos das autoridades e dos produtores de carne suína, pois continuou usando indiscriminadamente o termo.

Em 19 de maio ela respondeu aos leitores que protestaram : ‘Por determinação da chefia, passaremos a usar, a partir de hoje (19), influenza A (H1N1) – gripe suína -… Nos títulos, usaremos gripe suína.’ Ou seja, mesmo que as autoridades não mais utilizassem o termo, a Agência se encarregaria de fazê-lo, pelo menos ao colocar o título nas matérias.

Essa prática de interpretar o que as fontes declaram foi adotada desde o começo da cobertura. Por exemplo: sob o título Vacina contra gripe suína não será solução a curto ou médio prazo, diz OMS, publicada em 16 maio, a matéria faz uma interpretação da fala de suas fontes no título pois nenhuma das pessoas ouvidas citaram o termo gripe suína: ‘O mundo não deve se descuidar das medidas de alerta já empregadas para conter o avanço da gripe A, na esperança de que a aguardada vacina contra o vírus causador da doença vá resolver o problema a curto ou médio prazo’, disse uma autoridade da OMS no corpo da notícia.

Em 19 de junho, o leitor Moisés de Freitas, jornalista que cobre a área de saúde, também escreveu para a Ouvidoria protestando: ‘Estou incomodado com a insistência da Radiobrás [EBC] e da Agência Brasil em usar o termo gripe suína, que já foi descartado há meses pelas autoridades. O nome correto é gripe A, ou gripe A (H1N1). Apesar de ter parecido estranho inicialmente, o nome é mais suave, mais adequado e correto.’ Ele ainda perguntou: ‘Que tal se voltássemos a dar aqueles velhos nomes aos grupos de risco da AIDS [aidético], lembra-se ? Ou se voltássemos a chamar as crianças com Síndrome de Down de mongolóides?’.

A Agência Brasil respondeu ao leitor: ‘Na verdade estamos usando gripe suína, H1N1’, ou seja, ignorou suas considerações e não respondeu a suas perguntas.

Levar em conta as opiniões dos leitores é uma escolha que pode influenciar na qualidade da informação e uma obrigação prevista na legislação que criou a EBC. Pelo menos no que se refere à doença, a Agência tem cometido imprecisões e interpretações que não fazem parte dos princípios e objetivos da comunicação pública.

Até a próxima semana.’