Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paulo Machado

‘As políticas públicas chegam até os cidadãos por meio de serviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou outorgados por este a empresas privadas, cabendo à mídia a função de verificar como são executados, informando aos cidadãos sobre sua eficiência e eficácia em atingir as metas e os objetivos estabelecidos e em atender às necessidades das populações a que eles se destinam. Assim, a mídia, seja ela privada, estatal ou pública, torna-se um espaço para argumentação e discussão das políticas públicas em face dos interesses dos cidadãos em busca do bem-estar comum.

Na Agência Brasil, como agência pública de notícias, essa missão torna-se imprescindível, pois nenhuma outra agência tem condições de fazer esse papel de verificação com tanta liberdade e isenção, uma vez que ela não depende do patrocínio de empresas privadas para sobreviver. São todos, os cidadãos que pagam por sua manutenção, e, portanto é um espaço público que não pode ser utilizado para discutir o interesse de alguns ‘privilegiados’ em detrimento do interesse de todos.

Foi contra o que considerou uso indevido do espaço público que protestou o leitor Victor Santos Vigneron em sua mensagem enviada à Ouvidoria, em 29 de janeiro, referindo-se à matéria Oi determina fim de multa por rescisão de contrato ou mudança de planos’. Segundo ele: ‘esse texto está um pouco fora do lugar numa agência pública de notícias. Parece até uma propaganda institucional da empresa! Frases como ‘A Oi já tinha sido pioneira (…)’ só reforçam a sensação de que a notícia serve antes à empresa do que à função informativa (pública!) da EBC. O tema da portabilidade numérica aparece apenas de forma marginal.’

Em resposta ao leitor a ABr argumentou que: ‘Acreditamos que a notícia de que uma operadora de telefonia tenha tomado uma atitude que beneficia os consumidores, como o fim de pagamento de multa por rescisão de contrato, interessa a todos os cidadãos brasileiros, especialmente aos leitores da Agência Brasil. […]Nesse sentido, informar os cidadãos das oportunidades que lhes são oferecidas é dever de uma agência pública.

Não podemos esquecer de que as empresas de telefonia são concessões públicas e, na condição de operadoras deste serviço, é direito do cidadão ter acesso às informações sobre inovações tecnológicas das empresas. Como nenhum cidadão consegue viver hoje sem telefone, é seu direito saber se a tarifa cobrada pelos serviços é adequada à tecnologia oferecida pela empresa. O início da vigência da portabilidade numérica trouxe grandes benefícios aos consumidores, pois permitiu a troca de operadora com a manutenção do número do telefone. Porém, as regras não prevêem o fim da multa por rescisão de contratos de fidelidade, o que dificulta ao cidadão exercer plenamente a sua liberdade de escolha.A informação de que a empresa de telefonia Oi ‘já tinha sido pioneira ao estabelecer a venda de aparelhos desbloqueados’ serve para informar aos leitores qual a política da empresa, e para não fazer ‘propaganda institucional’.

É preciso muito cuidado ao se discutir interesses privados em espaços públicos. A abordagem de um assunto a partir do ponto de vista de uma única fonte é, por si só, parcial e tendenciosa. Geralmente faz o leitor desconfiar do por quê ouviu-se apenas um diretor de uma empresa privada empenhado em promover seus produtos. Seria essa a melhor fonte para tratar da questão?

O direito à portabilidade (possibilidade de mudança de operadora, de plano de serviço ou de local de instalação de um telefone, sem ter que mudar de numero) abordado por essa única fonte faz parecer que é mais uma concessão, uma política da empresa para com seus clientes, um benefício especial para quem usa seus serviços, ou seja, só para alguns ‘privilegiados’. Continuando nesse tipo de abordagem, a Agência discute o impacto da medida nas receitas da empresa. Qual é a importância dessa informação para o usuário que sabe que paga uma das tarifas mais altas do mundo por um dos serviços de pior qualidade?

A ABr vinha cobrindo o assunto desde agosto do ano passado. No conjunto da cobertura foi discutida a política pública sob diferentes pontos de vista e de interesses. Mas ao retomar a questão, na matéria citada pelo leitor, em nenhum momento é lembrado que a portabilidade é uma política pública do Estado brasileiro, regulamentada pela Anatel (http://www.anatel.gov.br), que estabelece direitos e deveres de usuários e empresas, além de um cronograma com prazos limites para sua implantação. Também não informa que o assunto está didaticamente esclarecido em uma cartilha (*) disponibilizada na página eletrônica da agência reguladora para distribuição gratuita. Os leitores poderiam ter sido informados, por exemplo, de que as prestadoras de serviços de telefonia em geral, e não uma em particular, estão simplesmente cumprindo uma determinação do governo federal, dentro do prazo legal estabelecido, e que visa a atender uma antiga demanda dos usuários contra os interesses das empresas.

Ou seja, a ABr poderia ter aproveitado a oportunidade para fazer uma avaliação sobre a implantação dessas medidas ouvindo novamente as autoridades, usuários, órgãos de defesa do consumidor e até os representantes de empresas concessionárias, como fez no ano passado por ocasião do lançamento da discussão sobre o assunto. Dessa forma, todos os lados envolvidos estariam contemplados e o leitor poderia tirar suas próprias conclusões sobre a eficiência e a eficácia das medidas tomadas pelo governo para benefício da população em geral, sob o ponto de vista de seus direitos e do bem comum e não particularmente sobre o ponto de vista de uma das operadoras sobre os ‘benefícios’ oferecidos exclusivamente para ‘seus clientes’. A maneira de como enfocar um assunto pode ser decisiva para o leitor saber se ele deve confiar ou desconfiar das informações.

As recentes medidas sobre a portabilidade e o desbloqueio de telefones celulares precisam ser discutidas e avaliadas dentro de um contexto mais geral. Em que medida as multas pela rescisão de contratos impedem que os usuários usufruam o direito à portabilidade numérica? Qual seria a eficácia dessa política pública em termos da qualidade dos serviços prestados e da liberdade de escolha do consumidor? Essas preocupações, presentes na resposta da ABr ao leitor, estão ausentes na matéria.

Até a próxima semana.’