Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘Esta Ouvidoria tem recebido muitas mensagens questionando a linha editorial da Agência Brasil. As principais demandas sobre o assunto são aquelas que acusam a ABr de imprimir um caráter ideológico contrário ao governo nas notícias sobre economia.

Por exemplo, para o leitor José Ivan Aquino, gestor governamental, , as matérias sobre os índices de inflação: Inflação oficial tem em 2008 maior resultado dos últimos quatro anos e Meirelles diz que controle da inflação reflete política de juros adequada, publicadas nos dias nove e dez de janeiro, ‘não diferenciam os repórteres e jornalistas da Radiobrás [EBC] dos demais no trato impróprio contra o governo nas questões econômicas. São pessimistas e catastróficos para alimentar o pânico como fazem O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, apenas para enfraquecer o presidente Lula e para fortalecer a oposição.’

Outro leitor que se referiu às notícias sobre economia foi João Franzin, jornalista e assessor sindical: ‘…para divulgar notícia negativa nós já temos O Globo, Estadão, TV Globo e outros mais. Não precisa ser chapa-branca. Mas será que não há notícia positiva a ser divulgada?’, referindo-se à matéria Indústria de máquinas e equipamentos sofre com inadimplência e queda nas vendas, publicada no dia 15 de janeiro.

No mesmo sentido, o leitor Luiz Moura protestou, dizendo-se assombrado com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre demissões e geração de empregos no ano de 2008, publicados na matéria País cria 1,4 milhão de postos de trabalho em 2008. Para ele ‘o repórter deve prestar mais atenção ao que lê e escreve’ e pergunta: ‘Será que não é suficiente termos que tolerar a mídia golpista deste país manipulando informações a torto e a direito?’.

Em resposta aos leitores a ABr informou que: ‘Por definição- dentro de sua missão de produzir informação pública voltada ao cidadão- a Agência Brasil não pode se pautar, como os leitores sugerem, por uma visão ideológica , de defesa ou ataque as políticas de governo: o nosso jornalismo é pautado pela notícia que vai influir na vida do cidadão, seja na cobertura de um assunto de economia, de meio-ambiente, de gestão pública, de direitos civis,de etnias etc. É nosso dever produzir informação -sem qualquer tipo de interpretação- de acordo com a realidade dos fatos e com opiniões de todas as partes envolvidas, dentro de uma prática cidadã.’

Em todos os casos citados a Agência limitou-se a divulgar dados estatísticos produzidos por órgãos governamentais. Em nenhuma das matérias publicou qualquer opinião ou juízo de valor. As fontes ouvidas foram apenas institucionais desses mesmos órgãos (presidente do Banco Central, ministro do Trabalho e técnicos do IBGE). A única exceção, que não pertence ao governo, foi o vice-presidente da Associação Brasileira de Indústrias de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Nogueira, que falou sobre os efeitos da crise financeira internacional para o faturamento do setor que representa. Sequer especialistas que poderiam, eventualmente, apresentar alguma crítica à política econômica do governo, foram ouvidos.

Então devemos nos perguntar: do que reclamam os referidos leitores? O que eles querem ler? Será que querem que as informações que consideraram ‘negativas’ para o governo sejam omitidas e que a ABr publique apenas ‘as notícias positivas’, como sugere um deles?

A Agência Brasil sempre tem apresentado ao lado de uma notícia ‘negativa’, outras ‘positivas’, ou pelo menos, matérias em que autoridades governamentais explicam os dados e os justificam, ressaltando o lado positivo do fato. Na questão dos índices de inflação o presidente do Banco Central aproveitou a oportunidade para justificar a política de juros elevados; na do emprego, o ministro do Trabalho ressaltou que o resultado foi o terceiro melhor da série histórica; e na da crise do setor de máquinas foi ouvido, no mesmo dia 15 de janeiro, o próprio presidente Lula que reiterou que ‘o Brasil é o país mais preparado para enfrentar a crise’.

As queixas dos leitores parecem mais relacionadas às suas expectativas e desejos quanto ao posicionamento da Agência Brasil do que a uma tendência ‘golpista’ objetivamente observável nas matérias citadas. No entanto, não se pode negar que o modelo de cobertura de assuntos econômicos possa inspirar as mais diversas leituras, assim sendo, talvez o problema seja outro.

Dados, estatísticas e pesquisas não falam por si só. Permitem diversas leituras e interpretações a partir do uso político ou ideológico que se fazem deles. Do ponto de vista do interesse público, da vida, do cotidiano do cidadão, dizem pouco ou mesmo nada. A sua divulgação geralmente é pautada por quem os produziu ou encomendou, que por sua vez emprestará sua versão aos números obtidos. São pautas nas quais é ouvida apenas uma fonte institucional, uma autoridade de plantão, portadora da verdade unívoca que fica em seu gabinete esperando que o repórter vá buscá-la.

O emprego e o desemprego são tratados apenas como cifras, números estáticos que fazem parte de uma realidade virtual deslocada e descolada do cotidiano dos trabalhadores, da qualidade do emprego, do nível de renda, principalmente daqueles mais de 50% empregados informalmente, e que as estatísticas oficiais insistem em ignorar. Talvez os índices de inflação, objetos de adoração de economistas e autoridades, possam explicar tudo para eles mesmos, mas não refletem a carestia e as dificuldades que o cidadão sente para colocar um alimento de qualidade na mesa de sua família.

A própria crise financeira internacional é servida ao leitor sempre sob o ponto de vista de banqueiros, autoridades monetárias, financistas, empresários e especuladores, apresentando-se de maneira quase incompreensível para o cidadão. Este último, leitor da ABr, parece estar procurando certezas em meio a tantas informações desencontradas. Em quem confiar? No que diz o presidente ou o ministro? No que diz o empresário? No que diz o banqueiro? No que diz a mídia ‘golpista’?

Todas essas dúvidas parecem agravar-se principalmente quando a linguagem (ou seria um dialeto?) utilizada nas matérias é totalmente incompreensível para a maioria dos mortais. É o ‘economês’, puro e sofisticado, amplamente utilizado pela academia e pelos círculos financeiros. É uma linguagem que aparta, que exclui o cidadão desses assuntos, como a lhe dizer – mantenha-se afastado, não se preocupe, deixe que os especialistas e as autoridades pensem por você!’.

Como exemplo do que estamos falando, diversos leitores se manifestaram sobre a matéria: Analistas prevêem queda de 0,75% na taxa de juros nesta quarta-feira, publicada no dia 19 de janeiro. Em apenas 15 linhas a notícia apresenta 25 índices e 19 siglas ou termos econômicos, que vão desde a taxa básica de juros até a Dívida Liquida do Setor Público, passando por dois indicadores de inflação, estimativas de investimentos estrangeiros e da produção industrial, dentre outros. Tudo isso para o leitor processar em alguns segundos e, provavelmente, concluir que não sabe nada sobre economia. Então perguntamos: para que serve uma notícia dessa? Com quem a ABr está falando? Com economistas? Com banqueiros? Certamente não. Esses têm fontes especializadas para se informar, até porque, segundo o leitor Luciano Meira, a matéria contem ‘uma tonelada de erros’.

Até que ponto não foi exatamente esse tipo de cobertura, que exclui a opinião pública dos assuntos econômicos, uma das principais responsáveis para que o chamado ‘mercado’ construísse o caos financeiro em que estamos atolados? Uma crise sem precedentes, provocada por poucos que lucraram muito com a conivência de governos e de Estados, e que agora estamos todos sendo chamados para pagar a conta.

A Agência Brasil, como espaço público, tem a missão de prover o cidadão de informações úteis para as decisões que ele toma no dia-a-dia, ao ter que administrar a escassez de recursos, para formar uma opinião crítica sobre a realidade, e para entender sua existência no mundo em que vive. Se não facilitar essa compreensão, para que serve a cobertura de assuntos econômicos na ABr? A resposta a essa pergunta precisa estar clara, pois as pedras virão de todas as direções e a ABr será apenas mais uma vidraça.

Até a próxima semana.

Leia aqui a resposta da Agência Brasil:

‘ O notíciário de economia, de fato, tomou mais espaço nas páginas da Agência Brasil pela dimensão da crise financeira internacional. Entendemos como uma obrigação informar ao leitor todas as decisões adotadas pelas autoridades na área fiscal e monetária. Apenas para ilustrar um de seus aspectos, pode trazer consequências graves sobre o empregos e a renda das populações mais pobres. O cidadão tem o direito de ser informado sobre decisões do aumento dos juros, que pode influir nos seus compromissos financeiros ou mesmo sobre a queda dos empregos. Aí temos um grande desafio. Como uma Agência em tempo real somos obrigados a publicar imediatamente as decisões de juros, inflação, desemprego etc. Em geral são textos mais objetivos dando a informação, como fazem todos os veículos. O que procuramos fazer, em um segundo momento, é contextualizar a decisão de governo fazendo uma apuração com as diversas partes envolvidas. Na última semana publicamos um amplo material, a partir de conversas com trabalhadores, empresários e economistas, sobre os números de empregos do Caged, do Ministério do Trabalho. Da mesma forma, Agência Brasil vem registrando todos os indicadores relativos aos efeitos da crise mundial no Brasil. São informações de órgãos do governo (Banco Central, Ministério da Fazenda, institutos de pesquisa (IBGE, Ipea, Iedi), organismos internacionais (OIT, FMI, Banco Mundial OCDE), entidades empresariais (CNI, Fiesp, associações setoriais), sindicatos de trabalhadores. &-Um caso interessante foi a notícia Economia brasileira foi a menos atingida pela crise econômica mundial, diz OCDE (ver aqui), veiculada no dia 12 de janeiro de 2009. Os jornais de grande circulação ignoraram a notícia de uma entidade (a OCDE) que está fora da discussão política interna brasileira. O único a publicar a notícia foi o Valor Econômico, que reproduziu na íntegra o material da Agência Brasil. ‘’