Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Rogério

‘É costume de um tolo, quando erra, queixar-se dos outros. É costume de quem procura instrução, queixar-se de si mesmo.’ (Sócrates)

Terça-feira, 23 de fevereiro. O POVO noticia na página 19 (Política) a morte de Luiza Gurjão Farias, mãe do ex-guerrilheiro Bergson Gurjão, assassinado em 1972. A manchete ‘Da missão cumprida ao adeus’ relembrava a luta e uma mãe na busca dos restos mortais do filho. Tudo ia muito bem, não fosse um problema. A foto estampada em duas colunas mostrando uma senhora de cabelos brancos, sorriso cativante e olhar profundo não era de Luiza Gurjão. O POVO acabava de matar uma mãe de outra família.

O erro foi descoberto no dia seguinte. Através do Erramos, o jornal pediu desculpas às famílias envolvidas pelo ‘lamentável equívoco’ e publicou a foto correta de Luiza Gurjão. A outra senhora, ‘assassinada pelo jornal’, era na verdade, Zelinda Torres de Araújo. Tudo resolvido? Não. Depois de ser morta na terça-feira, dona Zelinda ressuscitou na quarta-feira com outro sobrenome: Lucena no lugar de Araújo. Na quinta, o ‘erramos do erramos’ finalmente corrigiu tudo. Mas ainda tinha outro erro: o crédito do fotógrafo & no lugar de Igor de Melo, o verdadeiro autor da foto, saiu Fco Fontenele. O ‘erramos do erramos do erramos’ não saiu até hoje.

Efeito dominó

Essa catastrófica sucessão de erros não tem muita explicação. Foi efeito cascata. Começa na falta de identificação da foto por parte dos fotógrafos, segue no descuido do Banco de Dados e termina na falha total do editor. Todos são culpados. O editor de fotografia, Alcides Freire, admite que o setor errou na hora de informar o Banco de Dados ao identificar todas as fotos de forma genérica com o nome de ‘Restos mortais do guerrilheiro cearense Bergson Gurjão Farias são enterrados no Parque da Paz’. Era o primeiro ato.

Segundo ato. No momento de enviar as fotos solicitadas ao editor da página, o Banco de Dados escolheu uma série de imagens de pessoas fotografadas durante o enterro dos restos mortais de Bérgson Gurjão, em outubro de 2009. Todas com a mesma legenda & Luiza Gurjão. ‘Nosso departamento gostaria de desculpar-se publicamente às famílias citadas neste episódio’ afirmou Maria Tereza Lima Ayres, coordenadora do Banco de Dados.

Terceiro e quarto atos

Enviadas as fotos coube ao editor completar a ópera bufa. ‘Como não conhecia a dona Luiza, vali-me de uma checagem rápida junto a um colega da Redação que tinha estado com ela’ conta Guálter George, editor do núcleo de Conjuntura, responsável pela editoria de Política. Foi o terceiro ato. O jornalista falou com dona Zelinda, pediu desculpas, anotou as novas informações e fechou o quarto e último com maestria ao publicar o sobrenome dela errado. ‘Troquei o ‘Araújo’, que seria o certo, pelo ‘Lucena’, que não sei de onde tirei’ relembrou ele.

De toda essa opereta ficaram duas lições: a de transparência pelo jornal admitir os erros e de que há muitas falhas no processo para serem sanadas. ‘Há problemas no nosso processo de identificação. Digo isso não para transferir responsabilidade, que reafirmo minha, mas, para mostrar o quanto a questão é delicada’ finalizou Guálter

Voyeurismo x imprensa

Por erros como esse é que o artigo de Roberto Monteiro, secretário da Segurança Pública do Estado do Ceará, publicado na edição do dia 23, foi um dos mais comentados da semana. No texto, ele explica a importância em preservar as imagens dos presos & uma determinação constitucional & e critica a imprensa por usar a violência como forma de aumentar a audiência. O médico Manoel Dias da Fonseca Neto foi incisivo. ‘Assinaria embaixo, com grande prazer intelectual. Inclusive a crítica, em alto nível, ao próprio jornal O POVO’, afirmou ele em e-mail enviado ao ombudsman.

O leitor Célio Ferreira Facó lembrou que o desrespeito é antigo, principalmente na televisão. Ireleno Benevides e Vicente de Paula também aprovaram as palavras do secretário que citou Padre Antônio Vieira e Leonardo Boff para embasar ‘desejo de voyeurismo’ da sociedade.

Desafio

E lançou a questão: O que ganhou a sociedade cearense em saber como ficaram as partes íntimas daquela coitada? & em referência ao O POVO ter divulgado laudo detalhado do estupro e assassinato da menina Alanis. Eu respondo: nada, embora saiba que uma grande parte da sociedade goste do material, defenda a pena de morte e eleja parlamentares/comunicadores ligados a este tipo de comunicação. O artigo completo pode ser encontrado no endereço: http://opovo.uol.com.br/opovo/opiniao/956161.html.

Único no Brasil

Até abril, O POVO passa a ser o único veículo impresso do Brasil a ter um ombudsman à disposição dos leitores. O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, que ocupava o cargo na Folha desde 22 de abril de 2008, escreveu sua última coluna dia 21 de fevereiro, despedindo-se de suas funções por motivos pessoais. Dia 24 de abril a jornalista Susana Singer, ex-secretária de Redação, assume o cargo. No Brasil, além do O POVO e a Folha & jornais & somente mais três veículos possuem ombudsman: UOL (site de notícias); TV Cultura e Agência Brasil.’