Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Do leitor Antonio Teles de Carvalho, advogado, recebo correspondência criticando a manchete de primeira página – ‘Habemus Bento’ (temos Bento) –, edição de quarta-feira, anunciando a eleição do cardeal Joseph Ratzinger como o novo papa, Bento XVI. Antonio Teles afirma ter deixado a manchete ‘a nítida impressão’ de ser O Povo ‘um jornal católico’, contrariando o ‘paradigma republicano’, que estabelece a ‘laicidade do Estado’. Para ele, o máximo permitido ao jornal seria dar como manchete algo como ‘Os católicos têm Bento’. Não sendo assim, pergunta ele, ‘como ficam os evangélicos, os sem-igreja, os ateus, e os demais (não-católicos)?´

O diretor da Redação, Arlen Medina, começa por dizer que o respeito a todos os credos é ‘questão fundante’ no Código de Ética do O Povo. Continua: ‘A escolha de um papa é um evento de real significado histórico. A nossa opção editorial seguiu essa linha. E a escolha (da eleição) do papa, como manchete, foi a mesma seguida por todos os jornais importantes do mundo’. Arlen afirma que ‘a opção pelo ´Habemus Bento´ em nada é excludente, como o leitor sinaliza’. Para o diretor da Redação, a manchete ‘registra um momento de escolha de um líder espiritual, que também é líder de Estado. Colocar outros dizeres, como sugere o leitor, não faria diferença essencial’.

Essa polêmica também ocupou boa parte da reunião do Conselho de Leitores do O Povo este mês (ocorrida depois da morte de João Paulo II e antes da eleição do novo papa). A opinião dos conselheiros ficou dividida: uns ‘incomodados’ com o ‘monumentalismo’ do noticiário, criticando o ‘exagero’ no destaque de assuntos ligados à ‘Igreja Romana’; outros, elogiando a cobertura, considerada ‘boa e completa’, afirmando que o jornal não poderia ficar ‘dessintonizado com o seu tempo’, pois, segundo essa visão, uma cobertura abrangente e intensiva estava na ordem do dia pela importância do assunto (também no plano político), e era de interesse dos leitores.

Tirando um ou outro excesso (pecado do qual nenhum jornal escapou), considero boa a cobertura do O Povo em relação ao assunto. O jornal deu voz a críticos da hierarquia da igreja, mobilizou um correspondente na Europa, e produziu material interpretativo na própria Redação, o que poucos jornais regionais têm capacidade de fazer com qualidade. Nesse debate, é preciso levar em conta que o Brasil é um País majoritariamente católico, e tudo o que diz respeito a essa religião desperta amplo interesse. Portanto, apenas o destaque ao assunto, não basta para caracterizar o jornal de ‘católico’.

Ainda, a eleição de um papa reveste-se, não só de interesse espiritual para os seguidores do catolicismo, mas é um ato de conseqüências políticas para o mundo. A comitiva de importantes chefes de Estado e de governo nos funerais de João Paulo II, e outra, do mesmo nível, que estará na entronização de Bento XVI são provas eloqüentes disso. O papado de João Paulo II, para citar apenas um exemplo, foi crucial para empurrar de vez o comunismo nos países do leste europeu ladeira abaixo. Se um hierarca de outra religião tivesse a mesma importância política, não creio que em situações importantes, os jornais teriam como reduzir-lhe o destaque.

Quanto ao ‘Habemus Bento’, talvez se possa catalogá-lo entre os pecadilhos da imprensa, mesmo porque jornalistas não resistem a um jogo de palavras. O jornal O Globo (Rio de Janeiro) ao noticiar a morte do papa, cometeu o trocadilho ‘Adeus, João de Deus’. Essas observações não dispensam os jornais de aprofundar a reflexão sobre o assunto. Têm razão os leitores sensíveis a possíveis desvios da imprensa, que não está livre de pressões em um País em que mais de 70% da população se declara católica, e no qual é comum ver-se símbolos dessa religião nos principais prédios público, apesar de a Constituição estabelecer que o Brasil é um Estado laico. Aqui, se um político ousar se declarar sem religião ou ateu, certamente, sofrerá uma severa discriminação dos eleitores.

Na França, o oposto é motivo de problemas. O fato de uma jornalista ter chamado o papa de ‘santo padre’ (um de seus títulos), provocou polêmica, e a presença do presidente do País em uma missa pode ser causa de escândalo. Artigo que aborda esse assunto, ‘A França que não diz amém’, de Leneide Duarte-Plon, pode ser visto no site do Observatório da Imprensa, edição de 12/4 (www.teste.observatoriodaimprensa.com.br). São diferenças culturais importantes que, certamente os jornais também levam em conta no momento da cobertura.

Lutando com as palavras

Na quarta-feira recebi telefonema a respeito da nota ‘Que seja benvinda a ONG de serra’, publicada na coluna Política. O leitor dizia que ‘bem-vindo’ (no sentido de bem recebido) só poderia ser grafado dessa forma, com hífen. Concordei imediatamente com ele, e anotei o ‘erro’ no comentário interno à Redação. O titular da coluna, Fábio Campos, me mostrou que o dicionário Houaiss anotava ‘benvindo’ como ‘forma não preferencial’ de ‘bem-vindo’, portanto, também correta. Compulsei o Aurélio e o Michaelis (eletrônicos), que só registram a forma ‘bem-vindo’. Mas com o Houaiss não se discute. Apenas observei que o jornal deveria padronizar o uso de ‘bem-vindo’, por ser mais aceito. Como se vê, as palavras sempre nos reservam surpresas.

O jornal e a física

O professor Mírcio, que leciona Física para alunos da rede pública, me telefona para apontar um erro no título ‘Avenida terá dois pontos de 40 km’ (editoria Cotidiano, edição de 18/4). Ele diz que a forma anotada sugere a interrupção da avenida em dois pontos, de 40 km cada um. Para ficar correto, deveria estar escrito km/hora (quilômetro por hora), a unidade de medida de velocidade. O professor diz usar erros dos jornais como mote para explicar a disciplina a seus alunos. Agradeci a correção e fiz votos que um dia ele pudesse utilizar também os acertos dos periódicos para ilustrar os estudantes.’