Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘A relação conflituosa que muitas vezes se estabelece entre jornalistas e fontes ou pessoas envolvidas em notícias tem aflorado na cobertura da imprensa ao roubo ao Banco Central em Fortaleza. Vejamos alguns casos.

Episódio 1

Na edição do O Povo de 11/8, no artigo ‘Educação não quebra sigilo’ (pág. 7), a repórter Dalviane Pires queixa-se de uma suposta ‘falta de educação’ da assessoria de imprensa do Banco Central, que teria lhe dado ‘um monte de respostas vazias e arrogantes’ e reclama da pessoa com quem falava, que teria desligado o telefone sem o ‘tradicional tchau’. No comentário interno à Redação para a edição do dia, observei que a assessoria do Banco Central, ainda que, eventualmente, tenha agido da maneira descrita, fora exposta desnecessariamente no jornal e sem direito a defesa. Receber uma resposta atravessada, um gesto de má educação, são ossos do ofício, com os quais o repórter têm de lidar – e o jornalista não deve ficar incomodando o leitor com suas diatribes.

Episódio 2

Na edição de 13/8, o Diário do Nordeste publica notícia com este título: ‘Repórter do Diário é coagida na Brilhe Car’ (pág. 17), tendo como chamada de capa ‘Jornalista do Diário agredida na Brilhe Car’. (Dois dos proprietários da empresa estão entre os suspeitos de participar do roubo ao Banco Central.) Pelo relato da notícia, a repórter, depois de tentar, sem sucesso, entrevistar funcionários na sede da revendedora de carros, passou a fazer anotações sobre as características dos veículos expostos. Ela teria sido então ‘cercada’ por ‘três ou quatro homens’ que teriam lhe tomado o bloco de anotações. (No dia seguinte, a empresa publicou uma nota paga nos jornais desculpando-se pelo ocorrido.)

É certo que a repórter tinha o direito de buscar informações e também de anotá-las; os funcionários da loja erraram ao agir como fizeram. No entanto, quando se escreve, cada palavra tem, ou deveria ter, um significado preciso. A forma como foi feita a chamada de capa sugere que a repórter teria sido agredida fisicamente, o que não corresponde à realidade dos fatos, mesmo entendendo-se o constrangimento pelo qual ela passou. Na sua edição de sexta-feira, por exemplo, O Globo relata que uma equipe do jornal fazia plantão nas proximidades da residência do deputado José Dirceu (PT-SP), em Brasília, quando cinco seguranças da Câmara dos Deputados (um deles com uma pistola na mão, segundo a reportagem) aproximaram-se do carro, obrigaram os jornalistas a sair de mãos para cima, revistaram-nos e também ao veículo. O texto não usa o termo ‘agressão’, não adjetiva o fato, apenas o relata. A qualificação da conduta dos seguranças fica por conta do leitor.

Episódio 3

No artigo ‘De costas para a ética’ (edição de 18/8, pág. 6), a repórter do O Povo Raquel Chaves nos conta o que presenciou. Na sede da Polícia Federal, em uma sala cheia de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas esperando por informações, duas mulheres – que não tinham nada a ver com o roubo ao Banco Central – precisam passar entre os jornalistas para sair do prédio. Elas pedem para não serem filmadas nem que se façam fotos, pois nada tinham a ver com o assunto. Segundo o relato de Raquel, um dos repórteres (de TV) elevou a voz para dizer que eles estavam lá ‘a serviço do povo’ e que, sendo o local público, elas ‘perdiam o direito à imagem’. Socorridas por outros jornalistas, as mulheres passaram ilesas entre os repórteres, mas antes de sair uma delas se dirigiu ao autonomeado ‘representante do povo’: ‘Além do curso de jornalismo, você deveria ter feito o de boas maneiras’. Também deveria ter aproveitado melhor as aulas de legislação e ética jornalísticas, acrescento eu. (O ‘direito à imagem’, ninguém o perde por estar em lugar público.)

O direito de informar

É certo que o jornalismo é uma atividade de natureza social. Em uma sociedade democrática, o jornalista tem assegurado o direito de buscar e divulgar informações, principalmente quando o interesse público está em jogo. Mas há limites para a sua atividade, tanto na forma de procurar as notícias, como também no modo de escrevê-las. O jornalista não está acima de lei, da ética, e nem mesmo das normas da boa educação que balizam a vida das pessoas ‘comuns’. Não é aceitável a falta de escrúpulos ou de respeito sob o pretexto de um suposto ‘mandato’ que teria o jornalista para ‘representar o povo’. O jornalista, mesmo o mais modesto, tem o poder que o cidadão comum não tem: o poder de publicar. E esse poder pode transformar-se, tortuosamente, no ‘sabe com quem está falando?´ de alguns jornalistas mal-preparados.

O leitor vê

Ao contrário do que alguns pensam, esse comportamento não passa despercebido e nem é aceito por pessoas que se interessam por uma imprensa de qualidade. Reproduzo trechos de e-mail do leitor José D. Castro, a respeito do artigo de Raquel Chaves: ‘(O que a jornalista relata) é também visto pelos leitores e telespectadores como uma profunda falta de educação. Vemos os abusos cometidos por alguns repórteres desses programas, ditos policiais (nas TVs). Muitas vezes os repórteres ao entrevistarem pessoas detidas, as interrogam com uma arrogância que nem mesmo os delegados utilizam. O desrespeito quanto à exibição da imagem sem consentimento é corriqueiro, muitas vezes expondo pessoas que ainda não foram julgados nem condenados, mas são (condenadas) por repórteres despreparados para a função jornalística’.

Ao que o leitor escreve, eu acrescentaria que tal tipo de ‘jornalista’ age assim somente com pessoas pobres e desprotegidas.’