Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Responda rapidamente: quando o leitor depara com este título no jornal – ‘Troca o beberrão, Luizianne!’, em tom de apelo à prefeita de Fortaleza, o que ele pensa?

Depois de algumas linhas no início do texto, em que a ‘brincadeira’ continua, o redator esclarece quem seria o ‘beberrão’: ‘A nova administração da Prefeitura de Fortaleza quer dar fim a um beberrão pomposo que se mantém às custas do dinheiro público. Mas não tire conclusões apressadas! É que a prefeita quer trocar o carro oficial (…), que faz somente quatro quilômetros por litro (de gasolina), por um veículo nacional, menos luxuoso e mais econômico’. A notícia, ocupando uma página, publicada na editoria Veículos (edição de quarta-feira), passa então a relacionar vários carros que poderiam substituir o automóvel gastador.

Na crítica interna, observei ser o título um trocadilho de mau gosto, forçando um duplo sentido depreciativo à imagem da prefeita. Disse ainda ser necessário cuidado, pois nas mãos de pessoas pouco hábeis um texto pretensamente espirituoso descamba facilmente para a grosseria.

Vi também preconceito e desrespeito, pois afirmei ter dúvidas se o título e o texto seriam escritos da mesma maneira se o chefe do Executivo municipal fosse homem. Experimentem completar a frase com o nome de qualquer político (homem) de destaque no Ceará: ‘Troque o beberrão, …!’. Que tal?

O editor do Núcleo de Negócios (inclui a editoria Veículos), Marcos Tardin, escreveu-me o seguinte: ‘Leio, releio, penso, converso, ouço e continuo sem resposta: onde diabos nosso ombudsman viu preconceito e desrespeito?’ Ele garante que daria o mesmo título se o prefeito fosse homem, pois ‘a matéria se propôs a abordar o tema de uma maneira leve, descontraída’. (Eu apontei ter o texto passagens confusas, incoerentes ou mal construídas; nisso houve certa concordância entre os que me responderam.)

A chefia da Redação (Fátima Sudário, Arlen Medina e Carlos Ely) concorda com a visão de Tardin, e escreve: ‘Não consideramos que houve preconceito, grosseria ou mau gosto com Luizianne (…), no Ceará, beberrão é um termo aplicado a carro que consome muito combustível’. Ainda: ‘É certo que o título é um dos principais pontos de entrada de leitura (as primeiras coisas que as pessoas lêem ou vêem em uma página de jornal). A foto também (ao lado do título há a foto de um carro em 4 colunas e 12 cm de altura). Qual leitura semiótica, da manchete com a foto, resistiria a tanta especulação que você faz e sempre com um viés extremamente negativo?’

Antes de escrever esta coluna, falei com vários companheiros da Redação. As ilações, a partir da leitura do título, foram as mais diversas possíveis. Cada qual imaginava um sentido diferente. Mas, reconheço, a maioria não viu ofensa à prefeita. É de se anotar, porém, que jornalismo não se propõe a charadas e adivinhações; não se propõe a confundir, semear dúvidas e meias palavras – mas a esclarecer.

Marcos Tardin termina seus argumentos com a seguinte frase:

‘O julgamento quem faz são os leitores. Sempre eles!’ Pois bem.

O SENTIDO DAS PALAVRAS

Escreve-me o leitor Antonio Estácio de Sousa: ‘O POVO tem alguns colunistas que se referem ao presidente como ‘Lula da Silva’. Chamá-lo de presidente Lula, ou simplesmente Luiz Inácio Lula da Silva, parece ser reverente demais. Então, o sr. Themístocles de Castro e Silva passou a chamá-lo de Lula da Silva. Parece ser bem mais adequado se se pensa em reduzir-lhe a importância. Numa espécie de contágio de preconceito, o sr. Walter Gomes e a colunista Sonia Pinheiro aderiram à designação. É impressionante como, ao se ler o texto dessas pessoas, é possível sentir-se o ranço da inveja, do despeito, do preconceito que os impregnam. O POVO, pela tradição que tem, deveria enquadrar esses jornalistas em algum manual de redação’.

Os colunistas e articulistas têm certa liberdade para fugir dos padrões recomendados nos manuais de Redação. Mas é certo que, em alguns casos, instalou-se uma espécie de vale-tudo. Não parece ter sido o jornalista Elio Gaspari o inventor disso, mas certamente foi um dos maiores disseminadores, por meio de sua coluna, ganhando dezenas de epígonos. Ele escrevia FFHH (para nomear o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), usava então, e continua a usar ‘ekipeconômica’ para se referir à equipe econômica do governo. Dá-se ao luxo de escrever ‘çábios’ (sábios) quando cita a suposta falta de inteligência de alguém. E chama os auxiliares do presidente Lula de ‘comissários’. (Referência aos ‘comissários do povo’ denominação que tinham os ministros da Rússia, depois revolução comunista de 1917.) Abusar disso para depreciar alguém, ou se diferenciar da ‘patuléia’ (expressão usada por Gaspari) parece ser a intenção desses jornalistas; alguns poderiam dispensar tal expediente, pela estatura que têm.

TRANSPOSIÇÃO DO RIO E DAS ÁGUAS

Publiquei, semana passada, texto do leitor J.D. Castro em que dizia ser errado escrever-se ‘transposição do rio São Francisco’. Para ele, o correto seria ‘transposição das águas do São Francisco’, já que o rio não vai mudar de lugar. O professor Myrson Lima respondeu ao apelo da coluna, explicando: ‘Tanto faz dizer a transposição das águas do rio São Francisco ou a transposição do rio São Francisco. Nessa segunda opção, apelou-se para o processo metonímico de amplo uso em todas as línguas. A metonímia, em linguagem bem acessível, consiste no uso de uma palavra por outra com a qual possui estreita relação, como o símbolo pela coisa simbolizada; o lugar pelo objeto;

o autor pela obra; a marca pelo produto; o continente pelo conteúdo, como no exemplo a transposição do rio São Francisco’.

FAX E SECRETÁRIA

O fax da sala do ombudsman já está funcionando. Também uma ‘secretária eletrônica’, ligada ao telefone, a partir de hoje, para receber recados fora dos horários de atendimento.’