Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Há algum tempo, em comentários internos, venho alertando a Redação do jornal sobre dois assuntos da cobertura policial a merecer maior esforço de reportagem. O primeiro, é a constância com que policiais ‘de folga’ envolvem-se em tiroteios. O outro, é a freqüências das queixas do governador do Ceará, Lúcio Alcântara, e do comandante geral da Polícia Militar, coronel Deladier Feitosa, sobre a suposta facilidade com que a Justiça concede liminares reintegrando policiais expulsos da corporação, devido a crimes cometidos.

Os policiais e as folgas

Levantamento do Banco de Dados do O Povo mostra que, neste ano, oito policiais militares ‘de folga’ envolveram-se em troca de tiros. A versão publicada é sempre dos policias envolvidos ou de seus superiores. Em praticamente todas essas ações há feridos ou mortos. O modo como esses fatos acontecem, de acordo com o que é publicado, segue um padrão invariável. Vejam dois casos aleatórios: ‘(O assaltante) foi surpreendido pelo soldado do Batalhão de Choque (…) que estava de folga e passava pelo local. Mesmo à paisana, o soldado deu voz de prisão ao acusado. Houve reação e troca de tiros… (edição de 3/9, pág. 9). ‘O soldado (…) foi baleado ontem, durante tentativa de assalto a um mercadinho, na Vila União. O PM estava de folga e teria entrado em luta corporal com dois assaltantes… (edição de 11/5, pág. 3). Tirante a forma acrítica de como se reproduz a versão policial, ainda há impressionante repetição de tais fatos. Mesmo sem nenhum prejulgamento, é inevitável a pergunta: não estariam esses policiais fazendo segurança privada clandestina?

Sem responder diretamente ao questionamento, o coronel Laércio Macambira, secretário adjunto da Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania, afirma que a legislação veta atividades paralelas aos policiais, mas ‘uma coisa é o que prevê a lei, outra é o que ocorre na realidade’, reconhece. ‘Nós sabemos que muito policiais, para complementar a renda, terminam participando dessas atividades (a segurança privada). O secretário diz não ter como ‘fiscalizar 100% a ‘atividade ilegal’ dos policiais. E que, ‘em vez de partir para a repressão’, preferiu-se buscar uma alternativa para ajudá-los a complementar a renda. A forma de fazer isso, segundo ele já aprovada pelo governador do Estado, seria a própria Secretaria da Segurança remunerar as folgas para os policiais que se dispusessem a trabalhar nesses dias. Para Macambira, seria uma forma de atender o ‘interesse individual do policial, ao mesmo tempo em que se direciona o trabalho para a sua atividade fim (a segurança pública).

As expulsões e a Justiça

‘Eu botei para fora um delegado corrupto, cujo processo data de 1998. E quero tirar mais três ou quatro que estão com liminar da Justiça nas mãos de desembargador’. Declaração de Lúcio Alcântara, publicada na edição de 15/7, em notícia sob o título ‘Governador promete tirar bandidos da Polícia’ (pág. 3). Em notícia sobre a prisão por porte de drogas de um soldado excluído da Polícia Militar e reintegrado por força de liminar judicial (edição de 30/8, pág. 3), o comandante geral da PM, coronel Deladier Feitosa, declarou lamentar ‘certas situações em que a Justiça manda reintegrar policiais expulsos da corporação’. E completou: ‘Temos vários militares, inclusive oficiais, que se mantêm na corporação por determinação judicial’. A notícia, destacada na primeira página tinha o título de ‘Soldado da PM é preso com pedras de crack’.

O desembargador José Maria de Melo, presidente da Associação Cearense de Magistrados, diz não ter nenhuma dúvida de que o problema existe, mas evita falar de casos concretos. ‘Eu não quero me ater ao passado. Prefiro sugerir um encontro do secretário da Segurança Pública com o presidente do Tribunal de Justiça e com o diretor do Fórum Clóvis Beviláqua, para se encontrar uma saída, em que se possa tratar definitivamente do problema do inquérito policial (investigação criminal) e da parte da ação penal. Esse ajuste eu acho que é inadiável’. Para ele, é preciso ‘fazer uma aferição’, verificando-se ‘se a culpa é da Polícia Judiciária ou da polícia militar (em possíveis falhas no inquérito e processo disciplinar) ou do Judiciário, para se buscar a verdade disso’. Possíveis falhas em inquéritos e processos disciplinares, poderiam estar entre os motivos a possibilitar a concessão de liminares judiciais.

O jornal e a notícia

Resta ainda uma pergunta. Por que O Povo deixa de aprofundar tais assuntos de interesse público? No caso dos policiais que se envolvem em violência em seus dias de folgas, uma boa pesquisa no Banco de Dados mostrando a freqüência com que isso ocorre, já seria revelador de que algo pode estar errado. Sobre as queixas do Poder Executivo em relação ao Judiciário, um levantamento do número de policiais expulsos e a quantidade daqueles a obter decisões judiciais para retornar ao serviço, daria uma idéia do tamanho do problema. A análise dos inquéritos também poderia revelar se a polícia faz a lição de casa com competência, o que poderia dificultar decisões judiciais favoráveis aos punidos.

O diretor-executivo da Redação, Carlos Ely, afirma já ter pautado a questão dos policiais reintegrados por força de decisões judiciais. Segundo ele, os repórteres encontraram dificuldades para obter informações em vários órgãos públicos. E, por ter sido obrigado a reforçar a cobertura do assalto ao Banco Central, ainda não teve como insistir no caso, mas garante que o tema será ‘retomado em breve’. Sobre a reincidência dos casos de policiais envolvendo-se em confronto com supostos assaltantes, fora do horário de trabalho, Carlos Ely diz que o jornal ‘não se omitiu da cobertura’, mas ainda não teve ‘condições estruturais para dar início a ela’. Ele destaca que ‘a consistência e constância da cobertura dos assuntos ligados à segurança pública, que são uma marca do O Povo, devem deixar os leitores tranqüilos de que estes dois assuntos serão devidamente analisados e discutidos nas páginas do jornal’.’