Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Plínio Bortolotti

‘No jargão jornalístico, release (palavra de origem inglesa, com pronúncia aproximada de ‘relise’) é uma comunicação institucional enviada à imprensa sobre algum fato que se pretende ver publicado. Valem-se dos releases, normalmente preparados pelas assessorias de imprensa, os mais diversos segmentos, como empresas, governos, partidos políticos, sindicatos, organizações não-governamentais, etc. Tais comunicados, com freqüência, são redigidos em linguagem exagerada, para destacar algo positivo. É raro tais informes abordarem aspectos negativos, a não ser como reação defensiva. Diariamente, os jornais são entulhados por releases, impressos ou via e-mail.

Talvez devido a isso, os jornalistas mais pernósticos dizem desprezar os releases, sugerindo mandá-los diretamente à cesta de papéis inservíveis ou à lixeira do computador. Mas o fato é que tais comunicados podem indicar bons assuntos a serem investigados. Porém, a boa técnica jornalística recomenda que os releases sejam pontos de partida para a pauta – evitando-se a sua reprodução literal ou apenas a mudança desta ou daquela palavra para adaptá-los ao estilo do jornal, o que, reconheça-se, é comum acontecer. Além dos já mencionados, órgãos técnicos como o IBGE e outros institutos de pesquisa, também divulgam seus comunicados. Esses trazem uma dificuldade adicional: a leitura dos números e estatísticas nem sempre é feita adequadamente pelos jornalistas.

Pacote

No dia 24 de agosto, a editoria de Economia publicou notícia sob a manchete ‘Fortaleza é a preferida’ (pág. 25). O resumo, abaixo do título informava: ‘Pesquisa do Ministério do Turismo revela que Fortaleza é o destino turístico mais visitado do país. A Secretaria do Turismo (do Estado) e os agentes que compõem a cadeia do turismo no Ceará comemoram’. A abertura do texto dava uma informação um pouco diferente, provocando confusão (pelo que se verá abaixo): ‘A capital cearense é o pacote turístico mais vendido do país. O levantamento (…) revela que Fortaleza é o destino nacional mais procurado pelos brasileiros que viajam através (sic) de agências’.

Na edição de 2 de setembro, nota da coluna Fair Play (Vida&Arte, pág. 5), assinada pelo jornalista Paulo Linhares, assinalava o seguinte: ‘A leitura da pesquisa do Ministério do Turismo de que o Ceará é o destino número um dos turistas brasileiros é falsa como uma nota de três reais. O Ceará lidera o segmento pacotes de viagem, que representa apenas 17% das viagens turísticas’. O jornalista diz que o percentual de venda por pacotes lhe foi informado por empresários do setor. (Para que o leitor entenda: um ‘pacote’, no linguajar usado no negócio turístico, inclui a compra vinculada de passagem e hospedagem, em hotéis pré-determinados pela operadora de turismo. E, na maioria das vezes, também alguns passeios no lugar de destino.)

Release

No dia anterior à publicação da notícia no O Povo, o portal do Ministério do Turismo (http://institucional.turismo.gov.br) divulgara release detalhando uma pesquisa, elaborada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), abordando vários aspectos do setor turístico. Para a realização da pesquisa foram entrevistados 1.200 turistas em aeroportos e consultadas agências e operadoras turísticas em todo o Brasil.

Verifiquei o comunicado do Ministério do Turismo e, apesar de seu título também induzir ao erro – ‘Fortaleza é o destino campeão no Brasil’ – lá estava escrito claramente: ‘Fortaleza é o destino turístico mais procurado no Brasil, na venda de pacotes no mercado interno e externo. Nos roteiros nacionais, a capital do Ceará é a campeã na escolha dos turistas’. Ou seja, Fortaleza é o destino mais procurado pelos que compram pacotes. Na pesquisa também há a informação revelando que 71% dos turistas afirmam viajar ‘por conta própria’, isto é, fora dos pacotes. Portanto, a conclusão evidente é que os que viajam com pacotes são minoria no universo de turistas.

É fato que o comunicado do Ministério do Turismo deixa de informar, com todas as letras, que ter a preferência dos que viajam com pacotes, não significa ser Fortaleza a cidade mais visitada pelos turistas de modo geral. Mas os termos técnicos têm de ser interpretados corretamente pelos jornalistas para que o assunto seja transmitido de forma clara ao leitor. O jornal Folha de S. Paulo também publicou notícia sobre o assunto no mesmo dia em que O Povo o fez, mas observou em seu texto: ‘Fortaleza não é o destino mais procurado pelos brasileiros para viajar, já que muitos turistas passeiam por conta própria. Rio e São Paulo encabeçam essa lista (das cidades mais visitadas).

Portanto, a notícia publicada pelo O Povo induziu leitor ao erro, a partir do título e do resumo, ao anotar que Fortaleza era ‘o destino mais visitado do país’. E, para aqueles que compreendem os jargões do segmento, o texto provoca confusão, ao considerar a mesma coisa a ‘venda de pacote’ e pessoas que viajam comprando em agências de viagens. O fato de a viagem ser feita por meio de uma agência de turismo, não obriga ninguém a comprar um ‘pacote’. O cliente pode fazer seu próprio roteiro, ou comprar apenas a passagem, ou a hospedagem, ou um passeio.

Agências

Falando em nome do Núcleo de Negócios (responsável pela editoria de Economia), o editor executivo Marcos Tardin disse que o texto publicado foi enviado pela Agência Brasil, uma agência noticiosa do governo federal. ‘Publicamos como o fazemos diariamente com os textos de outras agências de notícias’, disse o editor. Ou seja, a Agência Brasil interpretou um release de forma errada e O Povo reproduziu o erro, sem consultar a fonte original da notícia.

Como já fui editor, sei que, de fato, é difícil verificar-se todas as informações que chegam à Redação por meio de agências de notícias (cada uma manda cerca de 100 informes por dia). Mas isso não isenta o jornal da responsabilidade sobre o que publica. Nesse caso, há um agravante. Desde o dia (2/9) em que vi a contradição entre a notícia publicada e o comentário da coluna Fair Play, venho pedindo ao Núcleo de Negócios para fazer as verificações, esclarecendo o assunto ao leitor. Isso não foi feito. Turismo é uma atividade essencial para a economia do Ceará e uma informação errada pode também induzir a negócios errados.’