Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Plínio Bortolotti

‘Em sua edição de terça-feira, o jornal Diário do Nordeste, por meio da coluna ‘Comunicado’, fez uma crítica direta a este ombudsman devido ao meu artigo de domingo passado, com o título ‘Condutas impróprias’. O jornal considerou que eu escrevi o texto para ‘justificar’ o ‘furo’ que O Povo teria levado nas investigações em torno do assassinato do comerciante Valter Portela e a seqüência de crimes que se seguiu. Levar ‘furo’, no jargão jornalístico, é deixar de dar determinada informação, apurada com exclusividade por outro jornal. A acusação seria apenas ordinária, não fosse também de má-fé: desafio alguém a encontrar, nas 115 colunas (incluindo esta) escritas nos meus dois anos e meio nesta função, uma linha sequer justificando algum erro ou falha deste jornal, que me paga para criticá-lo.

Sustento o que escrevi na semana passada: a responsabilidade primeira pelo vazamento do depoimento de Ana Bruna de Queiroz, e a falta de proteção a ela, depois das graves informações confiadas à Polícia Civil e ao Ministério Público Estadual – desídia que levou ao seu assassinato –, foi do Estado, representado por essas duas instituições. No entanto, assinalei, isso não isentava o Diário do Nordeste por expor a adolescente de 17 anos (edição de 10/4), dando indicações que permitiam claramente identificá-la.

Iniciei os procedimentos para escrever a coluna anterior com a leitura da declaração do promotor Jarlan Barroso Botelho, do modo como este jornal a reproduziu, acusando a ‘imprensa’ de ter responsabilidade no assassinato de Ana Bruna. Parti do pressuposto que O Povo estaria incluído entre os meios de comunicação citados por ele, e comecei a pesquisa disposto a criticar este jornal, se julgasse que assim deveria ser feito. Ao falar com o promotor, ele esclareceu não ter-se referido genericamente à imprensa, mas, especificamente, ao Diário do Nordeste. Se eu estava disposto a criticar O Povo, não haveria motivo para recuar ao chegar ao nome de outro jornal, pelo contrário, fazê-lo seria desonestidade intelectual.

A nota da coluna ‘Comunicado’ pode levar a supor que eu deixei de dar oportunidade ao Diário do Nordeste de se explicar em meu texto, mas o caso não é assim. Conversei por telefone com o diretor-editor do jornal, Ildefonso Rodrigues; ele, além de se recusar a falar publicamente sobre o assunto, pediu para não ser citado – de nenhum modo – na coluna do ombudsman, o que respeitei. Se exponho a situação agora, é para deixar absolutamente claras ao leitor as circunstâncias sob a quais escrevi e as conclusões a que cheguei.

A pretexto dos 90 dias do assassinato de Valter Portela – ainda sem solução –, em matéria de página inteira, na última quarta-feira, o Diário do Nordeste volta ao assunto. Agora, uma raridade em se tratando do jornal, discutindo abertamente o seu procedimento. Foi a primeira vez que o Diário do Nordeste fez isso, neste caso, pois não registrou em suas páginas nem mesmo a acusação direta que o promotor lhe fez de ter parcela de responsabilidade na morte de Ana Bruna. A preocupação do jornal em se explicar chegou ao ponto de tomar depoimento do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (CE), Hélio Leitão, e da presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará, Déborah Lima, avalizando a sua conduta.

O Diário do Nordeste não esclarece para o seu leitor que a matéria de quarta-feira é uma resposta à coluna do ombudsman do O Povo, mas isso se torna absolutamente claro para quem acompanha os acontecimentos. Mesmo sem o contraditório, e independentemente das considerações que fiz, saúdo, sinceramente, a disposição do diário em discutir a situação. A imprensa é sempre melhor quando tem a coragem de debater abertamente o seu modo de atuar, expondo publicamente os seus procedimentos.

Na matéria, o Diário do Nordeste também afirma que seus repórteres estão sendo ‘pressionados’ e sofrendo ‘coação’ em seu trabalho devido a intimações da Corregedoria e da Procuradoria Geral de Justiça para prestarem depoimentos. Essas instituições não foram ouvidas na matéria, mas, se assim for, providências para a defesa dos jornalistas têm de ser tomadas. Procedimentos legais são aceitáveis; seu uso para coagir, têm de ser repelidos. O jornal avalia ainda que ‘houve uma inversão de prioridades: a apuração das mortes ficou em plano secundário’ e a preocupação teria passado a ser com o ‘vazamento’ das informações.

Tenho ouvido questionamento, inclusive de colegas, por qual motivo cito outros jornais em meus textos, se sou ombudsman do O Povo. Se alguém verificar as minhas colunas, verá que a esmagadora maioria trata de assuntos relativos a este jornal, mas, a rigor, não vejo mérito especial nisso. O jornalismo é uma atividade pública e está sujeita ao escrutínio dos leitores, de qualquer cidadão, da sociedade. Portanto, eu não estou obrigado a restringir os meus comentários a este jornal. Fazer isso seria reduzir a importância do trabalho do ombudsman, que vejo como um crítico da mídia, e não de um jornal específico. Colunas de crítica à mídia, infelizmente, são muito raras no Brasil; se as que existem inibirem a amplitude de suas preocupações, quem sairá perdendo será o leitor.

Falha

Na coluna da semana passada, devido a um erro técnico – segundo explicou a editoria responsável pela diagramação do jornal – por duas vezes, onde estava grafado o nome do jornal Diário do Nordeste, saiu impresso apenas ‘do Nordeste’.’