Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

“O que parecia ser uma bomba contra a candidatura de José Serra ao governo de São Paulo, transformou-se em um petardo que atingiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT – com a sobra de pesados efeitos colaterais para a revista IstoÉ. Em sua edição da semana passada, antecipada para noite de quinta-feira (normalmente a circulação inicia-se no fim de semana), o semanário trouxe uma entrevista com Darci e Luiz Antônio Vedoin (pai e filho), donos da Planam, apontados como os chefes do que se convencionou chamar de ‘máfia das sanguessugas’, uma organização criminosa especializada em superfaturar o valor de ambulâncias destinadas a municípios, por emendas de parlamentares ao Orçamento da União. Na entrevista, os Vedoins falam que a ‘melhor época’ para eles, em termos de liberação de recursos, teria sido o período em que José Serra foi ministro da Saúde.

Mal as informações da revista começaram a circular, no sábado a Polícia Federal prende Valdebran Padilha e Gedimar Passos, representantes do PT, que intentavam comprar um dossiê com acusações supostamente incriminadoras a José Serra e ao candidato a presidente Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. Com os militantes petistas foi apreendido R$ 1,7 milhão, em moeda nacional e dólares. Eles estavam em um hotel na capital paulista e teriam encontro com um intermediário dos Vedoins. O fato provocou mais uma crise no PT e a queda de vários auxiliares muito próximos a Lula, todos, em maior ou menor grau, envolvidos com a compra do dossiê.

Se sobre a nova crise envolvendo petistas muito já foi dito – o tema não sai das primeiras páginas dos jornais e nem das manchetes dos noticiários de rádio e TV, desde que o assunto foi revelado –, cabe refletir um pouco sobre o envolvimento da IstoÉ no caso, pois é de interesse da imprensa e dos leitores debater o assunto.

IstoÉ

Em sua declaração à Polícia Federal, Gedimar Passos disse que o dinheiro para a compra do dossiê seria oriundo do PT e de ‘uma revista’. A entrevista que a IstoÉ publicou assemelha-se ao conteúdo do dossiê que seria vendido: algumas fotos e um vídeo mostrando José Serra e Geraldo Alckmin em uma cerimônia de entrega de ambulâncias no Mato Grosso. Juntando-se as peças, a pergunta que surge é se haveria algo mais, além do interesse jornalístico, para a revista ter publicado a entrevista com os donos da Planam – e se estaria envolvida na compra do material contra Serra e Alckmin.

É preciso lembrar que não é a primeira vez que a revista IstoÉ envolve-se em situações difíceis de explicar. Com a nota ‘Gutenberg e o dossiê’, o jornalista Marcelo Soares, no blog Deu no Jornal, da Transparência Brasil, relaciona dois casos em que a revista ficou sob a suspeita de vender reportagens: para o governo do Paraná (2003) e quando foi divulgado um grampo telefônico em que um publicitário e um diretor da Schincariol conversavam sobre a compra de uma capa da IstoÉ Dinheiro, quando a cervejaria estava sob pressão do fisco (2005). No primeiro caso, a revista disse que se tratava de pagamento por reimpressão de reportagens; no segundo o publicitário disse ser a conversa apenas ‘bravata’.

O jornalista Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, principal espaço de crítica à mídia no Brasil, no artigo ‘IstoÉ revive imprensa marrom’, não usa meias palavras para classificar o comportamento da revista: ‘A matéria de capa da IstoÉ nº 1926 é uma maracutaia política e um trambique jornalístico. Cascata clássica assinada pelo redator-chefe da revista, Mário Simas Filho. Ao contrário da explicação divulgada pela família Alzugaray, aquelas sete páginas não constituem ´uma cobertura jornalística´. São uma falcatrua, armação sensacionalista.’

Domingo Alzugaray, diretor-responsável e editor da IstoÉ, divulgou uma nota dizendo que a revista ‘não compra e nem nunca comprou dossiês ou entrevistas’, sendo a reportagem ‘resultado de trabalho jornalístico da sua própria equipe’. Por sua vez, o jornalista Mário Simas disse ao jornal Folha de S. Paulo (19/9) não ter ‘nenhuma informação que envolva dinheiro’ no processo. ‘Da minha assinatura para trás não sei o que aconteceu.’ O texto completo da nota oficial e a matéria da Folha de S. Paulo podem ser vistos no link anotado no parágrafo anterior.

Imprensa

Como era de se prever, uma certa forma preguiçosa e equivocada de fazer jornalismo baseada em ‘dossiês’ – ou dando-se crédito a qualquer declaração ou rumores sem investigá-los – mostra o seu potencial destrutivo para a própria imprensa, corroendo-lhe a credibilidade. Dossiês, grampos e gravações clandestinas, são produzidos nos laboratórios do submundo que cercam a atividade política – e estes precisam de um veículo para animar aos mostrengos que criam. Ao divulgá-los, sem lançar-se à investigação, a imprensa lhes da vida, transformando-se, voluntária ou involuntariamente, em cúmplice do abominável e, muitas vezes, torna-se responsável por injustiças irreparáveis, como já aconteceu por diversas vezes. Isso não quer dizer que toda a mídia deve pagar pelos malfeitos da IstoÉ, se ela os fez, mas deve servir de alerta: se os meios de comunicação cobram ética dos políticos, tem o dever de olhar para o seu próprio terreiro, aplicando as mesmas medidas saneadores que exigem para outros setores da sociedade. Purgando-se de comportamento duvidosos, apegando-se ao método jornalístico, tornar-se-á melhor, preservando a sua relevância.

Crise

Petistas cobram que se investigue o conteúdo do dossiê, é justo, mas é exagerado queixar-se dos meios de comunicação pelas conseqüências que o partido vem sofrendo. Há uma seqüência ininterrupta de escândalos envolvendo petistas que abala até os militantes mais devotados. Atente-se também que a ‘crise do dossiê’ não foi inventada por inimigos do partido, nem a imprensa tem responsabilidade pelo seu surgimento: o monstro foi gestado no âmago do próprio PT.”