Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Na coluna da semana passada, comentei a entrevista da cantora Rita Lee ao Vida & Arte, na qual ela confirmava, com exclusividade para O Povo, que os Mutantes voltariam a tocar, depois de 30 anos separados; no entanto, o jornal deixou de dar o destaque merecido à declaração.

Caso parecido aconteceu na editoria de Cotidiano, na edição de 22 de abril (pág. 9), com um assunto mais relevante, devido à sua importância social. Sob o título ‘Tauá ganha a primeira cidade digital do Ceará’, o texto começava com um ‘nariz-de-cera’ (no jargão do jornalismo, um parágrafo genérico e desnecessário): ‘Um projeto inovador e inédito no Estado promete mudar a vida dos habitantes do município de Tauá, localizado a 344 quilômetros de Fortaleza’. Apesar do entusiasmo do redator, os leitores ficaram sem explicações claras sobre o significado do projeto, a não ser por um quadro burocrático que reproduzia informações fornecidas pela prefeitura da cidade.

A editoria não dimensionou a importância do assunto: Tauá, com pouco mais de 50 mil habitantes, é a terceira cidade do Brasil e uma das poucas do mundo a oferecer o serviço aos seus moradores. Além de outros benefícios, projetos deste tipo incluem a instalação de um provedor público, possibilitando a qualquer pessoa na cidade o acesso gratuito à internet banda larga, bastando a instalação de uma antena de rádio para captar o sinal ou o uso da tecnologia Wi-Fi (sem o uso de fios). Além disso, são instalados computadores para uso público em bibliotecas, quiosques, etc, possibilitando o uso do equipamento àqueles que não podem comprar o computador.

A inclusão digital abre portas para o mundo: o MSN Messenger (programa de texto e voz para comunicação instantânea) e o Skype (serviço de telefonia entre dois computadores ou entre a máquina e o telefone), além do velho e-mail, barateiam a comunicação entre as pessoas, estando elas em qualquer parte do planeta; compras podem passar a ser feitas pela internet. Sem falar na revolução educacional que o uso dos recursos disponíveis proporciona.

No ano de 2000, Sud Menucci, uma cidade no interior de São Paulo, foi pioneira na instalação do serviço no Brasil. Dois exemplos podem mostrar a importância da inclusão digital: depois de iniciado o projeto, aumentou o índice de leitura de livros na cidade. De um ano para outro, os exemplares retirados na biblioteca passaram da média de 10 para 35 por dia. Explica-se: dois computadores de uso público ficam no prédio biblioteca, o que fez a freqüência ao local aumentar, com isso, mais pessoas passaram a se interessar por livros. Em outubro do ano passado, a cidade classificou três equipes de jovens para participar da final brasileira do torneio ‘Bancos em Ação’, promovido pelo Citibank, simulando negócios no mercado financeiro. Sud Menucci, com cerca de 7.500 habitantes, era a cidade com o maior número de equipes na competição.

Depois de Sud Menucci, foi a vez de Piraí, cidade com cerca de 25 mil habitantes, no Rio de Janeiro. O Projeto Piraí Digital coleciona alguns prêmios nacionais e internacionais; recebeu a chancela de ‘exemplar’ da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e à Cultura (Unesco) e foi objeto de uma reportagem destacada na revista americana Newsweek. O programa foi uma das medidas responsáveis por ajudar Piraí a superar uma grave crise depois da privatização da Light (companhia de energia elétrica), o que provocou a demissão de mais de 1.300 trabalhadores na cidade.

Em síntese, era essa o material à disposição, se a editoria houvesse identificado a importância do assunto, buscando mais informações sobre o tema. Não se pode prever o futuro do projeto Cidade Digital de Tauá, é certo, mas uma reportagem contextualizada revelaria o valor da iniciativa e as possibilidades nela contidas, principalmente em um estado como o Ceará, carente de bons projetos nas áreas educacional e de inclusão digital. A editora de Cotidiano, Tânia Alves, reconhece a importância do assunto e admite que a notícia poderia ter sido mais trabalhada; devido a isso, diz ela, a pauta deverá ser retomada.

Manchetes

A manchete de um jornal, na capa ou nas páginas interiores, é como a sala de visitas de uma casa: têm de se apresentar impecavelmente. Junto com as legendas, as fotos e o resumo da notícia, os títulos são as principais ‘entradas’ do jornal (para onde primeiro o leitor olha), por isso, tais textos têm se ser informativos, precisos e bem escritos. Em muitos casos, não é isso o que se vê. Em comentários internos tenho chamado a atenção para o cuidado necessário ao redigi-los.

Tomei alguns exemplos, a partir da edição de domingo passado: 1) ‘Nasce o mito pel (sic)’ (Gol da Copa, 23/4): o nome de Pelé ficou incompleto; 2) ‘Irã – Produção de armas nucleares não será interrompida’ (Primeira Página, 24/4): o Irã não é produtor de armas nucleares – a polêmica gira em torno do enriquecimento de urânio, uma das etapas que pode levar à produção de tal armamento, portanto, o título leva a entendimento errado; 3) ‘Maizena admirado por Ceni aos 39 anos’ (Gol do Povo, 24/4): quem tem 39 anos? O goleiro Maizena, do Fortaleza ou seu homólogo, Rogério Ceni, do São Paulo?; 4) ‘Grupo vende mais de 700 toneldas (sic)’ (Economia, 25/4): a palavra ‘toneladas’ foi grafada erradamente; 5) ‘Senado limita poderes de ministros’ (Política, 27/4): o título está errado; na verdade, foi a Comissão de Constituição e Justiça a provar o texto dificultando a concessão de liminares pelo Supremo Tribunal Federal (STJ), mas o projeto ainda terá longa tramitação até, e se, virar lei.

O leitor tudo vê

Para descontrair um pouco os comentários internos, uso o título ‘O leitor tudo vê’ quando preciso mostrar à Redação que cada centímetro do jornal é esquadrinhado. Edilton Urano telefona para apontar um erro na seção ‘O Povo há 50 Anos’ (Vida & Arte, 25/4), que informava: ‘O prefeito de Ibiapaba, sr. Francisco Alves, vem desenvolvendo (…) uma campanha para que seja instalada uma agência do Banco do Nordeste em uma das nove cidades situadas no platô’. Atento leitor, colaborador regular do ombudsman, Edilton diz que Francisco Alves era prefeito da cidade de Ibiapina e não de ‘Ibiapaba’. Não verifiquei se o erro foi do redator do texto original, há 50 anos, ou de seu colega de meio século depois.’