Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Plínio Bortolotti

‘O confronto entre a mídia e alguns setores da sociedade e do governo chegou a um ponto em que é recomendável a deposição de armas, de modo a continuar a discussão em termos mais serenos. O debate sobre o papel da imprensa é essencial à democracia, por isso não pode seguir nesse tiroteio, no qual balas perdidas estão sobrando para todos os lados. É preciso menos gritos e mais diálogo.

De primeiro é preciso reconhecer que, pela primeira vez, a internet teve um papel fundamental no embate político durante uma campanha eleitoral. Isso parece ter assustado e confundido muitos jornalistas, acostumados ao distanciamento em relação ao leitor. Comentei em Coluna passada A relevância dos leitores (http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/ombudsman/626894.html) o lamento do jornalista Josias de Souza pelo que ele vê atualmente como a ‘irrelevância da mídia’, devido à perda do poder (que supostamente tivera um dia) de ver seus comandos obedecidos pela sociedade. Hoje, os ‘formadores de opinião’, os jornalistas de maneira geral, têm resposta, na bucha, para qualquer artigo ou notícia divulgada. Isso pode acontecer pela postagem de resposta nas próprias colunas e notícias escritas nos portais de informação, pelas correntes de e-mails ou pelos milhares de blogs, que povoam a grande rede. O leitor deixou de ser passivo; a equação emissor-receptor foi para o espaço. O receptor encontrou um meio para falar e agarrou-o com todas as forças. Gostando ou não ter-se-á de conviver com isso. E o melhor é aprender ligeiro.

Obviamente, quando se destampa um caldeirão a tendência é haver excessos. Mesmo que o transbordo seja explicável – os leitores falavam e não eram ouvidos, batiam às portas dos jornais e estas não se abriam –, há muita coisa que não se justifica. Uma boa parte dos contestadores faz crítica de modo genérico e generalizante, como se a mídia fosse uma entidade mítica e unívoca, sem rachaduras, com um comitê central a decidir-lhe a direção: ora para ajudar, ora para prejudicar este ou aquele candidato, esse ou aquele partido; para malhar o time pelo qual eu torço e exaltar o adversário. Nisso se igualam uma certa esquerda e uma certa direita e torcedores de qualquer time. A crítica à mídia, da mesma forma que à democracia, tem de partir deste pressuposto: não se pode condená-la genericamente; dela não se pode prescindir.

De outro lado, a mídia é cheia de melindres, identifica em qualquer crítica uma suposta ameaça à liberdade de imprensa; a qualquer esbarrão fora da grande área, sempre tem alguma entidade corporativa para gritar pênalti. A imprensa e os jornalistas precisam aprender a conviver com o chamado contraditório. Se é lícito criticar-se o Executivo, o Judiciário, o Legislativo, o bispo, o papa e Alá, por que a mídia se incomoda tanto quando recebe críticas? (O meu palpite é a falta prática e o temor da perda de poder.) Qualquer cidadão tem o direito de criticar os meios de comunicação, inclusive aqueles ocupando cargos públicos; estes, obviamente, desde que não usem o poder para cercear, ameaçar ou intimidar. Se a mídia tem o direito e o dever vigiá-los, eles também podem questionar o que consideram excessivo.

Algumas publicações vêm difundindo a idéia de que haveria uma ‘ameaça à liberdade de imprensa’ partindo do Governo. Até agora, não existe nenhum dado que comprove tal hipótese. Todas as instituições da República estão funcionando; um presidente, sob severa crítica de boa parte da imprensa, acabou de ser eleito com 58 milhões de votos – e não consta que tenha ameaçado retaliar: pelo contrário, disse que pretendia melhorar o relacionamento com a mídia (a ver).

Alguns colaboradores do Governo fazem críticas aos meios de comunicação, mas respeitam o ambiente democrático, excetuando-se um excesso aqui outro acolá, como o do presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, dizendo ‘cuidem de suas redações que nós cuidamos do PT’. No entanto, o mesmo Marco Aurélio também foi criticado por sugerir – depois de condenar qualquer atitude cerceadora à liberdade de imprensa – que a mídia fizesse uma ‘auto-reflexão’ sobre a cobertura eleitoral. Quem foi desmedido nesse caso: o dirigente petista exercendo seu direito como cidadão, dirigente partidário e homem de governo, ou a mídia não admitindo o mais leve questionamento? A tolerância democrática tem de valer para todas as instituições, inclusive a imprensa.

Democratização

O que talvez alguns dos poderosos grupos de mídia queiram fazer é aplicar uma vacina antidebate sobre o papel dos meios de comunicação, do mesmo modo como foi feito a respeito do Conselho Nacional de Jornalismo. (Sem entrar no mérito se era correto o Conselho da forma apresentada, foi errado estrangular a discussão.)

É que na página do Partido dos Trabalhadores (PT) foi publicado um documento com o título Comunicação e democracia, classificando o setor como ‘estratégico’ e propondo ao Governo ‘assumir o compromisso com um plano vigoroso e específico de democratização da comunicação social no Brasil’.

Entre as propostas do documento constam: a) correção das brechas legais que facilitam a formação de oligopólios na radiodifusão e isentam, na prática, as empresas concessionárias de contrapartidas como as previstas na Constituição; b) regulamentação da figura das rádios e TVs públicas, com a devida participação popular, para que se possibilite a formação de uma rede nacional com caráter democrático e inclusivo; c) regulamentação do artigo 221 da Constituição, que estabelece os princípios para a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão, entre eles o estímulo à produção independente e regional; d) a indústria de bens simbólicos deve ser erigida como frente prioritária da economia brasileira e ter tratamento de caráter interministerial, a exemplo das discussões sobre a implantação da TV Digital no Brasil. Dentro desse quadro, os bancos oficiais e as agências de fomento orientarão suas políticas para a expansão, a regionalização e a democratização da comunicação no Brasil. (O documento pode ser visto na íntegra em www.pt.org, no item Programas setoriais.)

A questão é a seguinte: pode-se concordar ou discordar das propostas, mas o fato é que o debate é extremamente necessário e de interesse de toda a sociedade. Por isso, não pode ser sufocado sob nenhum pretexto.’