Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Plínio Bortolotti

‘Costuma-se dizer, de modo a criticar o Poder Judiciário, que justiça tardia não é justiça. O mesmo se pode falar quando um jornal erra: se demorar a reparar o equívoco, estará adiando a justiça, perpetuando assim a injustiça. Se o erro estiver na primeira página, o problema se torna mais grave, pois são essas manchetes que costumam ser lembradas pelos leitores. Ainda que o fato seja superado, a suspeita afastada (normalmente os jornais se corrigem nas páginas internas), a acusação inicial ficará piscando na memória de quem leu ou ouviu falar do assunto.

A notícia sobre a qual vou escrever foi publicada em 18 de janeiro deste ano, um fato ‘antigo’ para os padrões jornalísticos. A matéria foi manchete de capa da edição, com o seguinte título: ‘Bolsa Família – Dinheiro usado para comprar drogas’, relatando a prisão de quatro suspeitos de tráfico. Segundo o texto, um cartão do Programa Bolsa Família, apreendido com os suspeitos, estava com eles como garantia de pagamento de dívida pela compra de drogas. Ainda segundo a matéria, em declaração atribuída ao delegado que fez as prisões, seriam investigados quantos saques a ‘quadrilha’ já fizera em nome do beneficiário do Programa Bolsa Família, cujo cartão foi apreendido.

Estava de férias na ocasião, ainda assim passei um e-mail para a Redação do jornal manifestando minha discordância: ‘Mesmo de férias não posso deixar de escrever a propósito da manchete de Primeira Página e do título interno ‘Bolsa-Família é usada para comprar drogas’. Creio que a isso se chama espetacularização da notícia. Da forma escrita, faz-se a condenação genérica do programa do governo federal, como se estivesse sendo usado para o propósito anunciado na manchete. Ainda mais, a informação se sustenta apenas na declaração de um delegado. A meu ver, a manchete é de um equívoco atroz’.

Esta semana, recebi correspondência de André de Menezes Gonçalves, coordenador municipal do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família de Fortaleza, com os seguintes dizeres: ‘Face à matéria publicada neste conceituado jornal, em 18 de janeiro último, esta Coordenação Municipal do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família de Fortaleza realizou uma série de procedimentos quanto à denúncia infundada, estampada em letras garrafais (na capa do jornal)’. O coordenador diz que, a partir da publicação da notícia, o caso foi investigado, tendo a Prefeitura tomado ‘as atitudes cabíveis em sua competência’, e enviado ao jornal o ‘relatório completo sobre os esclarecimentos e desdobramentos do fato’. Apesar disso, não foi publicada ‘uma única linha para esclarecer aos seus leitores e à sociedade o que de fato ocorreu’. O relatório a que se refere André é assinado por ele e por duas assistentes sociais da Prefeitura, datado de 9 de fevereiro, tendo, portanto, mais de dois meses. Pelo que se lê, foi feita uma exaustiva investigação, incluindo visita à delegacia que tinha os documentos apreendidos e a localização da família que dependia do Programa.

Algumas das conclusões do relatório são as seguintes: 1) o titular do programa era uma mulher, mãe de dois filhos, de seis e 10 anos; 2) o documento apreendido pela polícia não era um cartão – que permite saque em caixas eletrônicos e loterias –, e sim um documento emitido pela Caixa Econômica Federal, chamado ‘Guia Individual de Pagamento Off-Line’; 3) com essa guia, segundo diz André Menezes, só é permitido o saque ao titular, sob identificação, na agência da Caixa na qual o benefício é pago.

Percebe-se então, que o núcleo da matéria, aquilo que a elevou à categoria de manchete, não se sustentava: era impossível ao traficante fazer saque em nome da titular usando o documento apreendido. A edição utilizou-se de um procedimento equivocado, mas relativamente comum nas redações, de ‘esquentar a notícia’. Toma-se um detalhe e se lhe dá destaque desproporcional à sua importância no contexto da notícia. No caso, o ‘detalhe’ nem verdadeiro era. Portanto, o mínimo que a editoria deveria ter feito, ao receber o relatório, era ter publicado imediatamente um esclarecimento objetivo sobre o assunto. A editora do Núcleo de Conjuntura, Tânia Alves, confirmou estar de posse do documento da Prefeitura e garantiu que o tema seria pautado.

Além que informações relacionadas diretamente à matéria publicada, o relatório indica as providências que a coordenadoria do Programa Bolsa Família da Prefeitura tomou em relação à família – inclusive a transferência da titularidade do benefício para outra pessoa –, mas destaca: ‘Vale ressaltar que não é de competência da equipe gestora do Programa Bolsa Família fazer a avaliação do envolvimento da Sra. (…) com o delito do tráfico. Mas de tomar providências para garantir que o valor do beneficio seja repassado a titulares de famílias que venham usá-lo na complementação da renda familiar, auxiliando na proteção de seus membros, e que estejam cumprindo as condicionalidades para permanência no Programa (…)’.

Um olhar mais cuidadoso para o relatório indicaria, inclusive, uma nova pauta à editoria. Mas essa já seria outra história. A propósito, já havia abordado esse assunto, de maneira rápida, na coluna ‘Mais informação, menos adjetivos’.

Informação relevante

Na coluna da semana passada, ‘Uma informação relevante’, comentei uma matéria sobre o alcoolismo, publicada no O Povo, tendo como fonte o professor e médico Arthur Guerra de Andrade, sem citar que a entidade dirigida por ele, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), recebia financiamento da cervejaria Ambev. Recebi do professor correspondência afirmando estar ‘inteiramente de acordo’ com o argumento de que a reportagem deveria ter mencionado a ligação do Cisa com a Ambev. Ele diz que o apoio da empresa ‘sempre foi fundamental’ para o Cisa desenvolver ‘um trabalho de qualidade, com a mais completa independência’. O professor informa que, além da Abev, outras entidades, como a Unimed Paulistana e Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg) destinam recursos para o Cisa – e que todos apoios estão inscritos no site da entidade.’