Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Os leitores que vêm acompanhando pelo jornal o movimento dos médicos do Instituto Dr. José Frota (IJF) terão muita dificuldade para entender o que está acontecendo nessa autarquia municipal, hospital de ´referência` e ´abrangência estadual e regional´, que tem como ´missão´, segundo registra o seu portal na internet, de ´proporcionar assistência à saúde em urgência e emergência e atendimento terciário às vítimas de trauma do Estado do Ceará´. Nesta semana, a primeira notícia sobre o assunto saiu na edição de segunda-feira, informando que a greve dos médicos, anunciada para iniciar-se no mesmo dia, fora decretada ilegal pela Justiça. A notícia trazia a declaração de um representante dos médicos afirmando que todos os ´procedimentos legais` para decretar a paralisação haviam sido encaminhados no prazo correto.

Na edição do dia seguinte, terça-feira, sob o título ´Médicos do IJF mantêm greve´, informava-se que os médicos passaram a chamar o movimento de ´operação padrão´. De acordo com o relato, estariam sendo atendidos apenas casos de ´urgência e emergência´. A notícia também registra o caso de uma paciente, ´com o fêmur quebrado´, que fora orientada a procurar outro hospital, porque a ´fratura não estava exposta´, mostrando ainda a fotografia de um cartaz com os dizeres ´Médicos em greve´.

Na quarta-feira, com o título ´Superintendente envia relação de grevistas do IJF à Justiça` – para a direção do hospital, portanto, havia a paralisação –, o jornal anota que, devido à ´operação padrão´, os ´atendimentos eletivos` (marcados com antecedência), como consultas, cirurgias, exames laboratoriais e de imagem, haviam sido cancelados; mas continuavam a ser atendidos os pacientes de ´urgência e emergência´, casos estes que se encaixariam no ´perfil` do hospital, conforme declarou um médico. Relatava-se ainda o caso de uma paciente, com AVC (acidente vascular cerebral), internada desde o dia 18/10 de outubro, portanto, há mais de um mês, esperando pelo tratamento que evitaria o agravamento da doença. Acompanhava o texto uma seqüência de duas fotos mostrando que o cartaz ´Médicos em greve` fora substituído por outro, no qual estava inscrito ´Operação padrão´.

A manchete na página 2, da edição de quinta-feira, anunciava: ´Médicos podem deixar cargos comissionados e iniciar greve no IJF´. No texto de abertura se escrevia: ´Na quarta-feira (21), médicos do IJF decidirão se entram em greve. Por enquanto, a categoria atende aos casos mais graves´. O jornal, que vinha afirmando haver greve no IJF, ainda que registrasse o tratamento de ´operação padrão` usado pelos médicos, muda, repentinamente, as assertivas que vinha fazendo. O caso se torna mais confuso ainda, pois, na página 5 da mesma edição, o movimento volta a ser tratado como ´greve` e ´paralisação´, contrariando o que se escrevera três páginas antes. Na sexta-feira, a matéria sobre o assunto informava, na abertura: ´A greve dos médicos do IJF continua´. No texto: ´No quarto dia de greve, os médicos continuam atendendo apenas os casos mais graves´.

No comentário à edição de sexta-feira disse à Redação que, da forma como o assunto vinha sendo tratado, era muito difícil os leitores saberem o que estava acontecendo no IJF. Há ou não greve? Na verdade, o jornal vem apenas reproduzindo as declarações de um lado e de outro, por isso as informações são desencontradas e erráticas. Para a direção do IJF existe um movimento grevista; para os médicos uma ´operação padrão´. O que precisaria ser feito seria ir além da reprodução acrítica de declarações dos médicos e do superintendente do hospital.

Primeiro, era preciso dar uma ordem aos textos. Da forma que eles foram escritos, como se uma matéria nada tivesse a ver com a outra, fragmenta-se a notícia, dificultando-se a compreensão. Depois, seria necessário responder a algumas perguntas básicas: os médicos estão ou não comparecendo ao trabalho? Se estão, todos trabalham ou um grupo deles permanece de braços cruzados? Como exatamente funciona a ´operação padrão´? Que tipo de paciente eles estão deixando de atender? Quantos atendimentos/dia (especificando-se por tipo) eram feitos antes e quantos são feitos depois que o movimento começou? Enfim, informações que pudessem contextualizar o assunto.

Outro ponto essencial para o entendimento seria conceituar ´urgência` e ´emergência´. Pesquisando, descobri que o Código de Ética Médica prevê o direito de paralisar as atividades em algumas situações. Segundo o artigo 24, o médico pode ´Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência [em que o atendimento precisa continuar a ser feito], devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina´.

No entanto, o código não define o que seriam situações de ´urgência` e ´emergência´. Encontrei uma explicação em parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), respondendo à consulta número 55.820/98, que diz o seguinte: ´Define-se por ´emergência` a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato. Define-se por ´urgência` a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial à vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata´.

Conhecendo essa definição e tendo resposta às perguntas que pus acima – entre outras – o leitor teria condições de julgar que tipo de movimento fazem os médicos do IJF, além de ter uma idéia se eles atendem, de fato, os casos de ´urgência e emergência´. Assim sendo, teria menos importância o nome que cada um dos lados dá ao movimento: se ´greve` ou ´operação padrão´.

A disciplina da verificação, oferecendo-se ao leitor informações que possam levá-lo a entender e avaliar uma situação, de modo a formar seu próprio juízo sobre determinado assunto, é a essência do jornalismo.’