Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por trás do furo, silêncio absoluto

O furo do New York Times sobre os grampos ilegais de Bush, publicado em 16/12, levantou dúvidas de todos os tipos – não sobre a notícia em si, como seria de se esperar, mas sobre o caminho seguido pelo jornal até sua publicação. Byron Calame conta em sua coluna de domingo [1/1/06] que ele próprio entregou 28 perguntas aos responsáveis pela decisão de estampar a matéria na primeira página do jornalão.


A história do furo, entretanto, parece tão complexa que, desta vez, nem o ombudsman conseguiu respostas para as dúvidas que a cercam. Para refrescar a memória: a matéria, assinada pelos repórteres James Risen e Eric Lichtblau, afirmava que a Agência de Segurança Nacional interceptava e monitorava, desde logo após os ataques terroristas de setembro de 2001, conversas telefônicas e correspondências de cidadãos americanos sem mandado judicial e com autorização do presidente George W. Bush.


No meio do texto, um pequeno parágrafo sem destaque dizia que ‘após encontro com funcionários do governo para ouvir suas preocupações, o jornal atrasou a publicação por um ano para conduzir apurações adicionais’. Afirmava também que ‘algumas informações que os funcionários do governo consideraram que poderiam ser úteis para os terroristas foram omitidas’. A breve explicação, se tinha como objetivo sanar as dúvidas de como o Times teve acesso à informação, foi uma manobra mal calculada, diz Calame. O fato de que a matéria ficou engavetada por um ano gritava por maiores explicações.


Dúvidas que seguem


Quando questionado por repórteres de outros veículos de mídia, o editor-executivo Bill Keller preparou duas declarações sobre as decisões de atrasar e publicar a matéria. Nelas, ele afirma que o Times segurou o texto inicialmente em respeito a considerações de segurança nacional e com base em garantias de que todos no governo acreditavam que os grampos fossem legais. Quando os repórteres continuaram a apuração, entretanto, e descobriram que a história era maior do que parecia, o jornal decidiu publicá-la sem alguns detalhes considerados sensíveis para a segurança nacional. Calame opina que os leitores teriam sido beneficiados se essas explicações tivessem sido inseridas na matéria – ou em um texto menor próximo a ela.


Ainda assim, o ombudsman diz que as explicações não foram suficientes. Algumas dúvidas que permanecem em aberto são o verdadeiro período em que o jornal teve conhecimento do programa de espionagem e os reais motivos que levaram o Times a publicar a matéria no momento em que o fez.


Não ficou claro se os repórteres, Keller e o publisher Arthur Sulzberger Jr. sabiam da existência dos grampos autorizados por Bush antes das eleições presidenciais de novembro de 2004. Tampouco ficou claro se a data da publicação coincidiu com o lançamento do livro State of War, de autoria de James Risen – mesmo autor da matéria no jornal. Com lançamento marcado inicialmente para meados de janeiro, o livro contém informações sobre os grampos. Keller nega, mas há especulações de que havia o receio de que o jornal pudesse ser furado por seu próprio repórter. O livro de Risen, por sinal, teve o lançamento antecipado para terça-feira (3/1).


Parede de proteção


Calame conta que, pela primeira vez desde que assumiu o posto de ombudsman, teve suas solicitações recusadas por Keller e Sulzberger. Em resposta a seu e-mail, o editor-executivo afirmou: ‘Não há como haver uma discussão completa sobre a história [que levou ao furo] sem falar sobre quando e como soubemos o que soubemos, e não podemos fazer isso’.


Para Calame, a explicação para a falta de explicação dos responsáveis pela publicação da polêmica reportagem seria a proteção de fontes. Interpretando a resposta de Keller, pode-se entender que a fonte para o artigo estaria tão ligada às decisões de quando e como publicá-lo que uma explicação completa arriscaria revelar sua identidade.


O ombudsman afirma que respeita a proteção de fontes, e lembra que é preciso cuidado especial quando as contribuições prestadas por elas estão ligadas a assuntos sensíveis a governos ou instituições públicas. Neste caso, lembra Calame, o cuidado deve ser redobrado, já que foi anunciada, na semana passada, a abertura de um inquérito pelo Departamento de Justiça americano para descobrir quem vazou a informação confidencial.


Ainda assim, ele avisa que, mesmo com todas as portas fechadas para suas dúvidas, o assunto pode não estar encerrado. Se o livro de Risen ou qualquer outro indício ‘abrir rachaduras na parede de pedra que protege’ os bastidores do artigo sobre os grampos, ‘eu terei minha lista de 28 questões (35 agora, na verdade) pronta para enviar novamente a Keller’, diz o ombudsman.