Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quando jornalistas são pagos para falar

O Washington Post tem normas rígidas na redação envolvendo o pagamento de palestras a seus jornalistas, comenta, em sua coluna de domingo [3/10/10], o ombudsman Andrew Alexander. Honorários ou reembolso de despesas devem ser aceitos apenas se não há possibilidade de o dinheiro influenciar na cobertura do Post. Supervisores devem, ainda, aprovar os convites.

No entanto, as regras são menos claras para os que trabalham para o jornal sob contratos temporários ou como freelancers. E estes profissionais estão em número cada vez maior nos últimos anos, com os cortes de custos nas redações. Com isso, há uma classe crescente de jornalistas que trabalham com menos supervisão e, algumas vezes, sob regras diferentes – uma pesquisa no Post revelou que poucos buscam aprovação para suas palestras pagas.

O jornalista responsável pela cobertura de educação, Jay Mathews – bem conhecido nos EUA –, dá diversas palestras a cada ano a valores que chegam a US$ 3,5 mil. Ele sabe que seu contrato estipula que ele ‘siga as regras da redação do jornal’, o que requer aprovação de um supervisor. No entanto, ele não tem este hábito, mas reforçou que nunca aceita dar palestras pagas por grupos sobre os quais escreve. Na redação, mutios editores e repórteres que ocasionalmente dão palestras pagas reconhecem que não pedem aprovação. A única exceção é Steven Luxenberg, editor que trabalha com projetos no jornal.

Colunistas de opinião freelances não são obrigados a seguir as regras da redação, explica o editor de páginas editoriais Fred Hiatt, acrescentanto que eles devem falar com ele ‘caso haja qualquer conflito de interesses que precise ser comunicado aos leitores’. Esta regra afeta nomes como o veterano colunista político David S. Broder, que tem uma coluna de opinião há mais de dois anos. Broder disse fazer, em média, uma palestra ao mês, na maior parte para universitários, recebendo até US$ 10 mil.

O jornalista Bob Woodward, que enriqueceu por conta de uma carreira construída com base no papel que teve ao expor o escândalo Watergate, trabalha por um salário simbólico de US$ 1,2 mil ao ano. Ele, no entanto, não desempenha nenhum papel na cobertura e raramente vai à redação. No entanto, escreve livros que são resumidos ou comentados no Post. Nos últimos anos, as publicações foram sobre as operações militares americanas. Woodward ocasionalmente faz palestras para militares, mas disse ser cuidadoso em não receber pagamento ou reembolso de despesas quando o faz.

O jornalista dá mais de 20 palestras pagas por ano, por valores que chegam a US$ 50 mil. Ele doa a maior parte do dinheiro recebido para a Fundação Woodward Walsh, que foi criada por sua mulher, a jornalista Elsa Walsh. A fundação tem bens de cerca de US$ 2 milhões e, no ano passado, doou US$ 103 mil para caridade – metade disso foi para a Sidwell Friends, escola de elite em Washington, na qual uma das filhas de Woodward se formou e outra estuda. ‘Não vejo nenhum conflito entre as palestras e o meu contrato no Post, de US$ 100 por mês’, diz.