Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Regina Lima

 

Se uma das principais metas da mídia pública é a de contribuir à formação da cidadania da população, um passo importante para avaliar se essa meta está sendo cumprida é analisar como a nossa agência de notícias, a Agência Brasil, cobre os temas relacionados à cidadania, não em termos abstratos, mas na prática pelos temas selecionados e pelos enfoques adotados nas reportagens.

Para realizar a pesquisa, foram analisadas 48 matérias publicadas entre os dias 7 e 25 de julho, na editoria de Cidadania – o que não exclui sua classificação simultânea em outras editorias. A amostra não obedece a critérios científicos – constitui-se apenas na produção mais recente – portanto não permite conclusões generalizadas. No entanto, ela pode fornecer indícios dos pontos mais fortes e mais fracos na cobertura dos temas relacionados à cidadania.

Na medida em que a cidadania significa inclusão dos segmentos menos favorecidos da população, a primeira coisa que nos chama a atenção na cobertura da Agência Brasil diz respeito ao leque de temas abordados. Neste sentido, a cobertura da Agência Brasil é digna de elogios. Das 48 matérias, 20 (42%) trataram do tema, abrangendo nove segmentos diferentes, que vão das crianças e dos adolescentes vitimas de exploração sexual aos beneficiários do Bolsa Família, passando pelas pessoas com deficiência, os indígenas, os quilombolas, os negros, os assentados da reforma agrária, os meninos em situação de rua e os beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida. Se forem subtraídas as 12 matérias sobre a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de punir as empresas de telefonia celular com a suspensão da comercialização de linhas e conexões à internet e sobre as queixas nos Procons em relação a essas empresas – o tema mais “quente” da editoria de Cidadania no período examinado – as matérias sobre os segmentos menos favorecidos respondem por mais da metade do restante.

Observa-se que o enfoque predominante nessas matérias não são os resumos dos pronunciamentos de autoridades governamentais sobre os temas, as chamadas matérias “declaratórias”, mas a repercussão e, sobretudo, a contextualização, inclusive na dimensão histórica, e uma diversidade nas fontes consultadas. Um bom exemplo foram as seis matérias publicadas nos dias 13, 14 e 17 de julho sobre o Estatuto da Criança, que completou 22 anos no dia 13. Do total de 16 fontes, 12 (75%) são da sociedade civil: uma criança, três adolescentes, uma cantora, uma educadora, uma psicóloga, um conselheiro tutelar e três representantes de organizações não governamentais (ONGs) e de um comitê nacional não governamental, além de uma nota dos conselhos federais de Psicologia e Serviço Social. Mesmo as quatro fontes oficiais (a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, citada três vezes, e uma senadora) deram uma parte das informações em entrevistas, não apenas em discursos.

Nessas seis matérias, várias questões relacionadas à cidadania das crianças e dos adolescentes foram levantadas, principalmente dos pontos de vistas jurídico e educacional, como a atuação dos conselhos tutelares, a punição dos que praticam crimes de exploração sexual contra crianças e adolescentes, a educação das crianças e adolescentes sobre seus direitos, as medidas socioeducativas aplicadas aos jovens infratores, a redução da maioridade penal, o uso excessivo de medicamentos por crianças e adolescentes e a atuação dos psicólogos na inquirição de crianças e adolescentes em situações de violência.

Outro aspecto positivo que se destaca na cobertura é o fato de a Agência Brasil estar cada vez mais atenta ao fornecimento de informações que facilitam ao cidadão o contato com os órgãos públicos para apresentar suas denúncias, suas sugestões e seus pedidos de informação. Trata-se da função da mídia como “serviço público”. Em cinco das matérias analisadas encontram-se números de telefone, identificação de sites e links que possibilitam o encaminhamento de demandas referentes às seguintes áreas de atuação administrativa ou regulatória do governo: propaganda eleitoral (RJ), seguro-desemprego e qualificação profissional (RJ), “superendividamento” (SP), planos de saúde e o Plano Nacional de Saneamento Básico. Ressalva-se, porém, que as regiões mais desenvolvidas do país continuam a ser as mais favorecidas na distribuição desse bem público – a informação – que a mídia domina e que essa desigualdade se deve apenas em parte à desigualdade nos serviços disponíveis em cada região para o atendimento ao público.

Onde a cobertura da Agência Brasil se mostra mais fraca é em uma das áreas mais complexas da política brasileira: na dinâmica das relações federativas do Estado brasileiro, onde a definição do papel do cidadão é confusa. Em uma situação em que as políticas nacionais são executadas por gestores locais – estaduais e municipais – que, além de nem sempre compartilhar as mesmas prioridades, dependem de recursos próprios já escassos ou da transferência de recursos federais para atender ao público, a quem o cidadão deveria se dirigir, seja como objeto ou beneficiário dessas políticas, seja como o sujeito (eleitor, integrante de movimentos sociais etc.)? A resposta não é fácil, como os próprios gestores locais podem atestar, sem falar nos cidadãos cujas demandas são frustradas, e ela varia de acordo com a área de que se trata.

De modo geral, a cobertura nesses casos tende a colocar o cidadão no papel de objeto passivo dessas políticas e apresentar a dinâmica federativa como um processo que envolve forças políticas fora do alcance do cidadão: são decisões baseadas nos cálculos de interesse, influência e poder. No meio dessas forças, o cidadão se perde. Há vários exemplos do embate dos entes federados nas matérias publicadas pela Agência Brasil, notavelmente naquelas que se referem à demarcação e aos direitos de uso de terras indígenas e à expansão dos serviços de telefonia celular. Para o cidadão saber agir neswes casos, cabe à mídia destrinchar as relações institucionais envolvidas na implementação dessas políticas. A falta de contextualização nas reportagens priva o cidadão de informações que o ajudariam a definir aonde dirigir suas demandas.

Considere, por exemplo, o caso do programa habitacional do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Na mostra, há somente uma matéria, do gênero “declaratório”, que registra a entrega de quase mil moradias na cidade do Rio de Janeiro construídas com recursos do programa. Em termos de contextualização, consta apenas o seguinte comentário de uma gerente da Caixa Econômica Federal: “São famílias que muitas vezes moravam em áreas de risco, em beiras de rios, em morros” [1].

Para encontrar mais elementos de contextualização, o leitor precisa procurar outras matérias fora da amostra: matérias publicadas fora do período examinado ou que não foram classificadas na editoria de Cidadania nem identificadas em links que acompanhem a matéria citada [2]. Nesse nexo composto da disponibilidade de recursos, da saliência das necessidades e da capacidade local de captação, a Agência Brasil deve ao leitor análises mais aprofundadas para potencializar sua participação como cidadão de um Estado federativo.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/no ticia/2012-07-13/moradias-do-programa-minha-casa-minha-vida-sao-entregues-em-dois-bairros-do-rio

 a) A grande importância dos investimentos do governo federal no programa Minha Casa, Minha Vida em relação tanto ao PAC (Programa de Crescimento Acelerado) quanto aos investimentos totais do governo federal em 2012. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-06-27/investimentos-federais-aumentam-30-impulsionados-por-obras-do-minha-casa-minha-vida

b) A destinação das moradias que estão sendo construídas no Rio às famílias desabrigadas nas chuvas de 2010 ou que moram em áreas de risco e a elaboração de um plano de prevenção de desastres do qual a construção de moradias é uma das ações previstas, apesar de faltarem dados para indicar em que medida as necessidades desses segmentos da população estão sendo atendidas.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-06/cerca-de-2-mil-desabrigados-e-moradores-de-areas-de-risco-recebem-apartamentos-no-riohttp://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-16/governo-prepara-pacote-para-prevencao-de-tragedias-provocadas-por-desastres-naturais

c) O sucesso do governo do Paraná na utilização do programa Minha Casa, Minha Vida para reduzir o déficit habitacional no estado.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-23/programa-minha-casa-minha-vida-financiara-mais-70-mil-casas-no-parana