Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

“Colunista e leitores se bateram de frente na semana que passou. O jornalista João Pereira Coutinho, 34, criticou, na Folha.com, mães que amamentam em público (http://bit.ly/mNgZIw), provocando a ira de muitas mulheres.

Em 'Mamonas celestinas', Coutinho defende que o argumento de que a amamentação é tão natural que pode ser feita na frente dos outros não é suficiente. Se fosse assim, por que não liberar a masturbação, o sexo e a ida ao banheiro?

O tema veio à baila por causa de um 'mamaço': protesto realizado no último dia 12, depois que uma mulher foi impedida de dar o peito ao filho numa sala de exposição.

Quarenta e cinco mulheres e dois homens escreveram indignados para mim. Ninguém a favor. No site, foram postados 337 comentários, 88% contra Coutinho.

A arquiteta Ana Nogueira, 37, que vive na Arábia Saudita, ficou 'entristecida' ao ver que um formador de opinião 'jovem e culto' defende um pensamento tão 'conservador'. 'Apesar de a sociedade árabe ter inúmeras limitações às liberdades femininas, é permitido dar de mamar em locais públicos. A maternidade aqui é tratada com muito respeito', conta Ana, mãe de um menino de dois anos.

A secretária Milena Costa Gardesani, 33, de Santo André (SP), que amamentava até o mês passado, achou 'bizarra' a comparação com a masturbação e com o sexo. 'Até entendi o ponto de vista dele, de que as mulheres devem se preservar, mas as comparações foram ofensivas e de extremo mau gosto', disse.

O colunista retrucou. Na quinta-feira, escreveu 'Ponto de ordem' (http://bit.ly/jIESTT), em que acusava as indignadas de não entenderem ironia, porque, 'em 99% dos casos, os leitores são literais'. Esclarecia que apenas apontava o 'bom senso' de que é melhor alimentar bebês privadamente.

Citava, sem explicar, a expressão 'reductio ad absurdum', tipo de argumento lógico no qual alguém assume uma hipótese e dela deriva uma consequência absurda ou ridícula, para concluir que a suposição original deve estar errada.

Ao final, agradecia aos poucos que haviam entendido seu argumento e apontava o leitor ideal: 'inteligente, com humor e fair play'.

Mais ira. 'Ele nos chamou de burras, me senti ainda mais ofendida', escreveu a geógrafa Pilar Cunha, 33.

Apareceram, porém, alguns 'leitores ideais' do colunista. 'A amamentação foi usada como gancho para falar da necessidade de as pessoas se preservarem mais. Era uma brincadeira do Coutinho, mas hoje se leva tudo ao pé da letra', afirmou a engenheira Patrícia Mello Tostes, 30, de Florianópolis (SC).

Coutinho tem razão quando afirma que não foi contra a amamentação nem disse que ela equivalia à masturbação, apesar de, em sua evolução retórica pró-privacidade, ter recorrido aos exemplos do sexo solitário e do explícito.

O colunista pegou pesado e o revide foi no mesmo nível. Foi chamado de 'tarado', 'mal-amado', 'mal amamentado' e 'filho de chocadeira'. Uma leitora concluiu que ele deve ter sofrido terríveis intervenções durante o parto.

Sobrou inclusive para a Folha. Leitores questionaram o jornal por dar guarida a texto tão 'preconceituoso', um 'desserviço à saúde pública'. 'Respeito a liberdade de expressão, mas não respeito um jornal que valoriza esse tipo de expressão', disse Pilar.'Vale tudo em nome da pluralidade?', perguntou um internauta. Vários exigiram uma 'retratação' da empresa.

O jornal se orgulha de seu plantel de colaboradores e os instiga a terem posições fortes, mas isso não significa subscrever o que dizem. Há que se respeitar vozes dissonantes. Como disse Marcelo Coelho, na sexta-feira na Ilustrada, ser politicamente incorreto é hoje motivo de orgulho no país.

Só que Coutinho sentiu o baque da repercussão e exorbitou em seu segundo texto. Desdenhar os leitores, insinuar que são ignorantes é ofender aqueles que são a razão de existir do jornal. Faltou ao colunista 'fair play', o mesmo atributo que ele não enxerga em quem o criticou.

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A Folha deu um 'furaço' no domingo passado com a reportagem sobre aumento do patrimônio do ministro Antonio Palocci. Parabéns.”