Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

‘A ‘síndrome da matéria pronta’ é uma doença resistente, que acomete, em maior ou menor grau, todas as Redações. O jornalista vítima desse mal apura com fontes anônimas determinada informação, convence-se dela e chega para ouvir a versão oficial com um ‘prato feito’ que nunca é alterado.

Aconteceu duas vezes na Folha no último dia 11. Na Ilustrada, quem sofreu as consequências dessa síndrome foi o autor de novelas Walcyr Carrasco. A coluna ‘Outro Canal’, dedicada à TV, publicou que uma ‘operação de guerra’ estava sendo montada para ‘‘salvar a audiência’ de ‘‘Morde & Assopra’.

A coluna dizia que a trama ficaria mais lenta, com mais humor, e que o destino de alguns personagens mudaria. O nome do autor aparecia duas vezes, mas nenhuma declaração sua foi publicada.

‘A matéria é inverídica, baseada em fontes não citadas. Minha entrevista não foi usada porque não atendia ao tom escandaloso que se pretendia’, escreveu Carrasco.

Como autor da novela, ele diz ser ‘a única pessoa’ a par dos caminhos de cada personagem, o que desacreditaria outras fontes.

O investimento em novelas é tão grande -e a audiência delas é seguida tão de perto- que o autor não é mais o senhor único do enredo: há pesquisa de opinião, colaboradores, diretor, muita gente envolvida que pode vazar informações. Mas não faz sentido omitir o protagonista da notícia. ‘Não reproduziram minha versão, mesmo que ao lado de fofocas’, diz Carrasco.

Com Silvio Tendler, aconteceu algo parecido. A versão final do seu documentário sobre Tancredo Neves ficou sem a cena em que se diz que Paulo Maluf fez doação de dinheiro ao político mineiro. A reportagem dizia ter ‘apurado que houve autocensura na equipe de Tendler para não incomodar a família’ (leia-se Aécio Neves).

Desta vez, as negativas de Tendler foram registradas, mas ele não ficou satisfeito. ‘Por que fui entrevistado se havia outras fontes? Se sou o responsável pelo corte final, quem foi o ventríloquo que falou por mim?’, pergunta o cineasta. Ele diz que a cena foi cortada por uma questão de tempo e de foco.

Mais uma vez, faz sentido questionar a fonte principal, mas a indignação do entrevistado é compreensível, já que ele atende alguém que não lhe dá ouvidos.

Para o leitor, o melhor é que a informação seja sempre atribuída a alguém. Se for necessário usar o ‘off’, é imprescindível dar um bom espaço à fonte principal. E levá-la, de fato, em consideração.

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Viva o riso e fora o humor negro

As duas imagens, que estavam na Primeira Página do jornal, chamaram a atenção dos leitores nos últimos dias. Uma para o bem, outra para o mal.

A risada gostosa do público da Virada Cultural, publicada na segunda-feira, foi elogiada pelo médico João Manuel Maio, 53, de São José dos Campos (SP). ‘A foto produz um agradável início de dia para quem abriu a Folha logo pela manhã. Não seria legal se todos os dias, na capa, pudéssemos ter pelo menos uma foto bonita ou uma notícia boa que levantasse o astral?’, sugeriu.

Para o mal, foi a publicação, na terça-feira, da fotografia do enterro de uma senhora atropelada após uma briga entre convidados de duas festas de casamento que aconteciam em um mesmo bufê.

O problema não era a imagem, mas o título engraçadinho colocado abaixo dela: ‘Dois casamentos e um funeral’, trocadilho com o título do filme ‘Quatro Casamentos e um Funeral’. ‘Mais uma vez, a Folha brinca com a tragédia dos outros. Não bastassem a ‘brisa de Itu’, a charge em má hora, desta vez foi a morte da mulher no casamento. É muita insensibilidade’, protestou o empresário Renato Okano, 48, de Campinas (SP).

Alguém na Redação deve ter pensado como Renato. O título mudou, depois do primeiro fechamento, para ‘Violência na festa’.’