Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um jornal; vários talões de cheque

Lindsey Hoshaw, uma jornalista freelance da Califórnia, pretende vender
ao Times um show de multimídia, e talvez um artigo, sobre a Grande Mancha
de Lixo do Oceano Pacífico, uma massa flutuante de detritos de plástico que foi
apanhada por correntes marítimas numa área de cerca de 1.400.000 km2.


Em sua coluna de domingo (19/7), Clark Hoyt informa que, para conseguir um
financiamento de 10 mil dólares por um barco de pesquisa, Hoshaw foi atrás do
site Spot.Us, empresa a que recorrem repórteres procurando doações para seus
projetos. Se conseguir levantar 6 mil dólares até setembro, data prevista para o
início da viagem, ela está disposta a fazer um empréstimo para obter o restante,
mas até agora só conseguiu 1.600 dólares.


O Times disse-lhe que poderia pagar 700 dólares pelas fotos – e um
pouco mais, caso comprasse a matéria.


O escândalo com o Post


Para algumas pessoas, trata-se de uma exploração – o poderoso New York
Times
obrigando uma jornalista esforçada a pedir esmola. Mas Hoshaw não
concorda. Para ela, é uma oportunidade imperdível – um sonho que alimenta há
muito tempo e que se pode realizar no Times. Para David Cohn, fundador da
Spot.Us, é uma forma pela qual o público patrocina o jornalismo que quer; para
o Times, é outro passo rumo a um novo mundo inimaginável poucos anos
atrás.


À medida que a receita publicitária diminui e a tecnologia muda drasticamente
a relação do público com as empresas jornalísticas, o Times procura novas
fontes financeiras e abre-se a parcerias e acordos bem distantes do antigo
modelo em que os editores decidiam o que é notícia, pautavam os repórteres e
pagavam suas despesas – tudo isso apoiado por centenas e centenas de anunciantes
– mas nenhum suficientemente forte para influenciar o jornalismo.


As novas relações variam. O Times deixou Hoshaw usar seu nome para
levantar fundos. Publicou matérias em parceria com a ProPublica, uma entidade
investigativa sem fins lucrativos fundada por banqueiros bilionários. Os
diretores e editores do Times chegaram a discutir a possibilidade de
procurarem apoio da fundação para assinar seções do jornal, como a editoria de
Ciência, embora Catherine Mathis, a porta-voz da empresa, tenha dito que não
fora abordada fundação alguma.


Além da oportunidade de preservar e fortalecer o Times, cada passo dado
para esse mundo novo representa uma armadilha em potencial. Basta lembrar o
recente escândalo, quando o Washington Post pediu de 25 mil a 250 mil
dólares a lobistas para patrocinarem ‘salões’ em off nos quais poderiam
fofocar com autoridades do governo e jornalistas do Post.


Parceria produziu duas grandes matérias


Após avaliar se os aspectos da iniciativa poderiam causar problemas éticos,
Craig Whitney, um dos editores do Times, aprovou a busca por fundos de
Hoshaw depois de um encontro que teve com Cohn, o fundador da Spot.Us – a
maioria dos contribuintes dá cerca de 20 dólares e todos se identificam.


Hoshaw desmentiu sugestões de que o Times lhe encomendara a matéria,
porém sem remuneração. Disse a Clark Hoyt que, na realidade, tinha comentado seu
interesse na Grande Mancha de Lixo por ocasião de uma entrevista que dera ao
jornal e acabara falando de seu projeto de uma matéria freelance com Laura
Chang, editora de Ciência. Esta lhe dissera que normalmente não pagava despesas
de viagem a freelancers e que o jornal já publicara muita coisa sobre o
assunto.


Hoshaw está apenas começando e uma nova relação pode surgir para
o Times, com raízes mais profundas e bolsos mais profundos. A parceria com
a ProPublica progrediu porque Keller e outros editores do Times conheciam
de há muito os principais editores da fundação, Paul Steiger e Stephen
Engelberg. Steiger foi secretário de redação do Wall Street Journal por 16
anos e Engelberg já foi chefe de reportagem do Times. Jill Abramson,
ex-secretária de redação do Times, faz parte da diretoria de jornalismo da
ProPublica.


A parceria já produziu duas grandes matérias no Times: uma, de capa,
examinando o fracasso dos esforços norte-americanos para a reconstrução no
Iraque; a outra, sobre como a Siemens, uma empresa de engenharia alemã, pagou
milhões de dólares em subornos pelo mundo afora. O Times e a ProPublica
estão preparando um terceiro projeto que poderá vir a ocupar a totalidade da
revista de domingo do mês que vem.


Um modelo empresarial sustentável


A ProPublica foi fundada por Herbert e Marion Sandler, que fizeram fortuna
com empréstimos de hipotecas e saíram do negócio pouco antes do rombo no mercado
imobiliário. Os Sandlers são conhecidos por apoiarem causas liberais e
candidatos democratas, mas Steiger, que trabalhou para diretores conservadores
no Wall Street Journal e não deixou que isso influenciasse suas opiniões
jornalísticas, recebeu garantias de independência por escrito. Disse que Sandler
e os outros diretores nem sabiam que matérias seus jornalistas cobriam. E
Sandler disse a Clark Hoyt que havia sugerido várias pautas, mas nenhuma fora
feita.


A ProPublica mantém parcerias com outras empresas jornalísticas importantes –
para produzir jornalismo de qualidade sem distorções políticas perceptíveis. Uma
reportagem feita com a CBS na semana passada destacava gastos questionáveis, por
parte da União, em aeroportos e, para Hoyt, provou valor e independência. Mas,
em nome da transparência, o Times deve a seus leitores uma explicação
detalhada dessa relação, quando publica um projeto conjunto. Quem detém o
controle editorial? Para o Times, é o jornal. E de onde vem o
dinheiro?


A ProPublica recebeu recentemente uma bolsa de três anos da Fundação John S.
e James L. Knight para ajudar a construir um modelo empresarial sustentável
reduzindo sua dependência dos Sandlers, que vêm tomando a iniciativa de
encontrar financiamentos mais diversificados. A fundação, que apóia um bom
número de esforços jornalísticos, também financiou o lançamento da Spot.Us, o
site que Hoshaw utiliza para angariar apoio para sua viagem ao Pacífico
como freelancer. Alberto Ibargüen, presidente da fundação, disse que a
menos que as empresas jornalísticas tradicionais abandonem o ‘eu escrevo; você
lê’ para assumir parcerias, deixando o público participar no formato das
notícias, ‘acho que o mundo logo as ultrapassará’.